terça-feira, 14 de março de 2017

CAPÍTULO 104

CENA 1: Gustavo encara Bernadete com firmeza, porém Bernadete resiste e, mesmo assustada, não se deixa intimidar.
-Olha aqui, seu fedelho, não é porque cê é irmão da Valéria e amigo desse viado que cê pode chegar na minha casa falando comigo desse jeito e achando que pode levantar a voz comigo.
-Será mesmo que não posso? Cadê seu filho? E o seu marido? Eles estão aqui pra me impedir de falar as verdades que ocê tem que ouvir? Não... sabe por que? Porque eles sabem que você precisa ouvir umas verdades.
-Ah tá... e cê acha que o dono da verdade universal é você? Se enxerga, menino... nem trinta anos na cara cê tem ainda e acha mesmo que pode vir com esse papinho de lição de moral pra cima de mim, que já tenho praticamente cinquenta e já passei por um monte de perrengue nessa vida?
-Pelo visto esse monte de perrengue não te ensinou porcaria nenhuma...
-Você não me fale essas coisas, senão...
-Vai fazer o que? Me bater? Dona Bernadete, eu não sou seu filho, mas o Flavinho era como um filho pra você!
-Mentira! Isso é mais uma mentira que aquele viadinho te contou!
-Não foi ele que me disse. Eu sabia das coisas.
-Pois entendeu tudo errado! Eu não posso considerar como filho um sujeito degenerado que desgraçou com a vida do meu filho.
-Acorda pra realidade, Bernadete. Desperta! Eu e você sabemos que não tem nada a ver com isso.
-E tem a ver com o que?
-Com a sua incapacidade de ver as coisas como elas são. Seu filho seria gay com ou sem o Flavinho.
-Não repita isso!
-Repito quantas vezes for preciso, se for pra te ajudar a compreender.
-Compreender o que, rapaz? Não preciso da sua ajuda, pro seu governo...
-Precisa sim, pra lembrar do amor que sente pelo Flavinho. Pra lembrar de tudo o que ele fez pela senhora quando a senhora tava doente e sem a certeza de que iria sobreviver. Precisa da minha ajuda pra perceber que o Flavinho só sofreu o ataque que sofreu por ser gay, que por mais que as motivações da Patrícia tenham sido em parte por culpa do transtorno psiquiátrico dela, também foram claramente por homofobia. Que a porcaria da homofobia mata todos os dias e o Flavinho teve uma sorte imensa de ter sobrevivido. Ele podia ter virado estatística...
Bernadete se emociona, mas disfarça.
-O que você quer que eu diga, Gustavo?
-Não precisa dizer nada. Seus olhos já dizem muito.
-Você tá enganado. Não sabe o que dizem os meus olhos...
-Que seja...
-Olha, eu não sei o que você espera que eu diga, mas eu entendo tudo o que você disse.
-Não é só pra entender, é pra lembrar do amor que a senhora sente por ele. Será que a senhora só vai dar valor ao Flavinho no dia que ele for embora pra sempre? Vai ter que perder ele como perdeu ao Leonardo?
Bernadete fica baqueada e não consegue falar.
-Anda, dona Bernadete... fala alguma coisa.
-Você não tinha esse direito, rapaz...
-Direito do que?
-De invocar o nome do meu amado filho.
-Posso saber por que?
-Porque Leonardo saiu de dentro de mim, das minhas entranhas. O Flávio não! Esse degenerado não é nada meu!
-Uma pena que a senhora insista nesse pensamento arcaico.
-Por favor, Gustavo... não insista.
-Não vou insistir.
-Então vá embora.
-Não precisa pedir duas vezes.
Gustavo vai embora e Bernadete cai no choro. CORTA A CENA.

CENA 2: Poucas horas depois, Flavinho e Gustavo chegam em casa.
-Achei estranho um negócio, Gustavo...
-O que?
-Desde que ocê chegou na clínica pra me buscar até aqui ocê quase não disse palavra nenhuma...
-Ah, então... sabe o que que é?
-Vish... só pelo seu jeito eu já sei que ocê tá querendo me poupar de alguma coisa. Não me poupe de nada, Gustavo...
-Eu ia te falar de qualquer jeito, só tava pensando num jeito de dizer...
-Então fala de uma vez, uai...
-Eu demorei porque passei na sua casa.
-Minha casa? Eu não tenho casa... espera aí, ocê foi falar com a Bernadete?
-Fui.
-Não pode ser... se ocê me dissesse que tava pensando em fazer isso, eu mandava ocê desistir.
-Como se eu fosse obedecer...
-Eita... esqueci disso.
-O taurino é você, mas o teimoso aqui sou eu.
-Olha... eu nem sei o que te dizer, seu escorpiano insistente... como foi a conversa?
-Pior do que podia ser. Melhor do que eu imaginei.
-Quer ser mais claro?
-No meu pensamento mais pessimista, ela seguiria sendo fria o tempo todo.
-E ela não foi?
-Não, pelo contário. Ela tentou disfarçar de tudo quanto foi jeito, mas chorou.
-Pode ter sido de raiva...
-Só se for dela mesma.
-Por que?
-Não sei, Flavinho... fiquei com a nítida sensação de que cedo ou tarde alguma coisa vai dar um estalo dentro dela. E ela vai perceber que nunca deixou de te amar como uma mãe ama um filho.
-Se eu fosse ocê, eu não contaria com isso, Gustavo...
-É compreensível seu pessimismo, Flavinho... bem compreensível. Mas ela ficou mexida... isso há de significar alguma coisa.
-Eu não quero alimentar falsas esperanças, Gustavo...
-Nem eu te induziria a isso... mas dê tempo ao tempo... tem alguma coisa me dizendo que as coisas ainda melhoram...
-Agora é esperar pra ver, né?
-Não sei você, mas eu tou morrendo de vontade de pedir uma pizza, que tal?
-Adorei! Quatro queijos?
-Perfeito!
CORTA A CENA.

CENA 3: Na manhã seguinte, Maurício nota o pai triste.
-Ei, pai... eu achei que cê ia ficar melhor de passar uns dias aqui...
-Deixa, filho... não é nada com você.
-Ah, não, seu Fábio... de novo essa coisa de lamentação?
-Não é lamentação, meu filho...
-É o que, então? Ora, o que é que te custa pra perceber as coisas boas que a vida te deu?
-Coisas boas?
-Quem sabe o fato da Arletinha ter sobrevivido e saudável? Que agora eu tenho uma irmãzinha e você é oficialmente pai pela segunda vez?
-É... mas a Cristina ainda não voltou pra mim.
-Talvez nem volte. E você precisa aprender a lidar com essa possibilidade porque ela é real, pai.
-Como é que eu vou lidar com isso?
-Sabe o que tá te faltando, pai?
-O que, Maurício? Se for pra vir com mais uma das suas teorias pós modernas, pode esquecer...
-Tá te faltando ocupação. Trabalho... algo que te faça sentir útil outra vez.
-Sabe que eu não tinha parado pra pensar nisso?
-Tou falando... já tem mó tempão que cê pediu demissão e nem fez questão de procurar outro emprego depois disso...
-Será que ainda dá tempo, filho?
-Claro que sim! Ainda mais com essas novas leis providenciadas pelo Drácula...
-Vish, filho, nem fala o nome desse vampiro que daqui a pouco ele vem censurar a gente!
Os dois riem. CORTA A CENA.

CENA 4: Maria Susana percebe preocupação em Elisabete.
-Bete, minha querida... logo pela manhã e com uma cara dessas?
-Ando preocupada.
-É algo com a gente? Com o meu filho?
-Não, boba... tá tudo certo...
-Fica difícil acreditar que tá tudo certo com essa sua cara.
-Com a gente tá tudo certo... mas não tá nada certo com o Fábio.
-Você é mesmo bem amiga do seu ex, né?
-Ele é meu melhor amigo. E tá sofrendo pra caramba...
-Por causa da mãe da filha dele, né?
-Sim. A Cristina tá ferrando com o juízo dele...
-Ah, Bete... eu e você sabemos que não é culpa dela...
-Nem dele. Os dois participam disso nas responsabilidades.
-De qualquer forma... por mais que você se preocupe, não tem muito a ser feito.
-É isso que me deixa triste. Querer fazer alguma coisa por eles e nem saber por onde começar.
-Se for amor de verdade que une eles, cedo ou tarde eles acabam se acertando.
-Queria ter esse seu otimismo... sabe que eu até acredito nisso?
-Então, já é otimismo, não?
-Só que se eu falo um negócio desses pro Fábio, já era.
-Ele parece mais jovem que você, às vezes...
-Só parece? Às vezes eu fico com a certeza que por trás daquele homem de meia idade ainda existe um meninão assustado.
-É... e você achando que não viveria sem ele... quem diria!
-A vida é louca, não é?
-Muito! Dá cada volta que até Deus duvida...
-Espero que numa dessas voltas eles se acertem.
-Isso é o tipo de coisa que só o tempo e a disposição deles vai poder responder...
CORTA A CENA.

CENA 5: Sérgio visita Cristina e paparica Arlete.
-Minha filha, a Arlete é um encanto! Nem parece prematura!
-Sua neta é uma guerreira, pai...
-Por falar em guerreira... você também é uma, minha filha... vê se trata de nunca esquecer disso, viu?
-Difícil ver em mim mesma essa guerreira que você sempre faz toda questão de ver e dizer que existe, pai... não sei de mais nada...
-Ué... que bicho te mordeu?
-O bicho da incerteza...
-Sobre o Fábio?
-Sim, pai... eu detesto ter de admitir isso... mas sinto falta dele.
-Se sente falta dele, significa que ainda ama ele...
-Nunca deixei de amar. Só não sei o que fazer em relação a isso...
-Volta pra ele, ué... simples!
-Como? E viver eternamente na dúvida se é a mim que ele ama de verdade ou se é a defunta?
-Filha... se você realmente se importasse com isso, não tinha dado à sua filha o nome de Arlete.
-É, né?
-Claro, filha! Começa a observar as desculpas que você inventa pra si mesma pra não encarar as coisa de frente...
-É que eu não sei realmente o que eu quero da vida, pai... eu sei, é absurdo eu dizer uma coisa dessas com quase trinta anos na cara, mas...
-Descubra o seu caminho, Cristina... é seu direito.
-Mas e o tempo, pai?
-Ele é seu. Ninguém pode te dizer em que ritmo andar. Escute seu coração que ele sabe a resposta...
CORTA A CENA.

CENA 6: Mônica chama Bruno para uma conversa.
-Até assustei quando você me chamou.
-Calma, Bruno... eu sei que antes cê tinha motivos pra ficar ressabiado, mas não agora... ou tem?
-Não, claro que não! É o costume...
-Sei... mas é justamente sobre o seu comportamento que eu queria falar.
-Eita...
-Não precisa ficar com medo. Eu te chamei porque precisava te dizer que seu esforço em se tornar uma pessoa melhor tem sido louvável, viu?
-Ah, não é pra tanto...
-Você não tá muito acostumado a receber elogios na vida, tá?
-Não... dá pra perceber?
-Sim. Você perdeu contato com seus pais muito cedo...
-Mesmo que eles não tivesse sumido... eles nunca se importaram muito...
-Não é de se surpreender todo o seu comportamento antes de acordar pra realidade...
-De fato, Mônica... eu sempre me senti desprestigiado, deixado de canto... esquecido.
-Pois é... mas você é forte e provou que tem força de caráter, meu querido... apesar dessas coisas todas, se tornou consciente de si mesmo e não responsabiliza o mundo nem as pessoas pelos seus problemas. Não é pra qualquer um, isso...
-É, Mônica... mas ainda tenho um longo caminho pela frente. Meus pensamentos ainda voam longe em besteira...
-Isso talvez seja sempre assim, mas você aprendeu a lição...
-Sem dúvida, isso eu aprendi mesmo.
-Sabe o que eu acho, Bruno? Que um dia você e o Alexandre ainda vão ser grandes amigos.
Bruno ri.
-Não é pra tanto, né!
CORTA A CENA.

CENA 7: William desabafa com Valéria a respeito de suas discordâncias relacionadas às atitudes tomadas por Mauro.
-Ocê pode até não acreditar, Valéria... tem todo o direito, mas eu não concordo com nada que meu pai fez...
-Ah, é mesmo? Conta mais, William... fiquei realmente curiosa pra saber como anda essa revolta pós adolescente aí...
-Nossa, precisa ser irônica assim?
-Precisa sim, sabe por que? Porque eu não acredito em você.
-Mas eu juro que tou sendo sincero.
-Pode até estar sendo sincero, mas continua sendo um fraco.
-Que?
-Sim! Se estivesse tão firmemente contra o seu pai, já teria dado um jeito de reverter essa situação absurda que ele colocou a mim e ao seu filho.
-Ocê não entende mesmo, né?
-Fica difícil entender essa sua tremenda capacidade de se contradizer...
-Era a chance que eu tinha de conviver mais com meu filho.
-Ah sim, claro! Porque claramente eu e o Hugo fomos só impedimentos desde que ocê voltou da Inglaterra, né? A quem ocê tá pensando que engana, William? Porque eu já ando bem escaldada com tudo isso...
-Desisto...
-É bom que desista. Comigo não tem essa de vir com papo furado. Não cola.
CORTA A CENA.

CENA 8: Daniella chama Gustavo na sala da clínica.
-Mandou chamar?
-Sim, querido.
-Pra que?
-Primeiramente, para te parabenizar pelo esforço em manter tudo em ordem por aqui nesses dias de ausência do Flavinho...
-Ah, que isso, Dani... é o mínimo que eu podia fazer.
-Você faz muito mais do que o mínimo. Faz até o que não é da sua obrigação, mas faz de coração... e isso se destaca naturalmente.
-Para com isso que desse jeito eu fico sem graça...
-Tá... mas tem outra coisa que eu queria saber.
-Pode perguntar...
-E o Flavinho, volta quando?
-Se tudo continuar como previsto, semana que vem ele já tá totalmente apto a voltar.
-Maravilha! Queria ir visitar ele.
-Não quer ver ele hoje?
-Taí... gostei da ideia. A gente sai daqui junto, então?
-Por mim tá tudo ótimo.
-Então ficamos combinados assim...
CORTA A CENA.

CENA 9: Ao chegarem do trabalho, Giovanna resolve seduzir Ricardo antes do jantar.
-Eita, Giovanna! Que fogo é esse?
-Sabe o que é? Cê tá tão gato hoje... especialmente másculo... viril... fiquei assim, toda cheia de vontade, toda acesa...
Ricardo se deixa seduzir por Giovanna e os dois tem uma noite quente. Pouco depois de transarem, Ricardo cai dormindo, exausto. Giovanna aproveita que Ricardo está adormecido e vai à cozinha preparar algo para comer e fica pensativa.
-Pelo menos assim eu corto o mal pela raiz e o panaca do Ricardo para de querer procurar sarna pra se coçar...
Giovanna segue pensativa...
-Mas bem que ele tem razão, né?
Giovanna ri maliciosamente.
-Ah, Hugo... ah, Valéria... se vocês estão achando ruim a vida de vocês agora, se preparem... porque só vai piorar! Ah, se vai!
CORTA A CENA.

CENA 10: No apartamento de Gustavo, Daniella conversa animadamente com ele e com Flavinho.
-Quer dizer que logo cê vai estar de volta, hein viado? Que susto que cê deu na gente, seu filho da putinha! - fala Daniella.
-Nem fala, Dani... contando essas coisas todas p'rocê, nem parece que essa coisa toda aconteceu comigo. Parece que foi em outra realidade... - fala Flavinho.
-Ah, isso é porque você é forte, Flavinho... muito mais do que possa imaginar! - fala Gustavo, olhando com encanto para Flavinho.
Daniella percebe olhar de encantamento de Gustavo para Flavinho.
-Gustavo, vem aqui comigo na cozinha que eu vou preparar aquele drink maravilhoso sem álcool que vocês adoram? - fala Daniella.
Gustavo segue Daniella.
-Vish, Dani... eu nem sei se tenho tangerina aqui...
-A gente se vira com laranja, Gustavo. Eu te chamei pra vir aqui comigo pra gente conversar a sós...
-Uai, por que?
-Porque eu notei com clareza uma coisa hoje.
-O que?
-Que cê tá apaixonado pelo Flavinho.
Gustavo gela. FIM DO CAPÍTULO 104.

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