CENA 1: Gustavo começa a chorar e Flavinho segue sem entender nada.
-Calma, Gustavo. Que negócio é esse de ocê ser culpado? Não entendi...
-Flavinho, se eu tivesse prestado atenção antes, as coisas podiam ser diferentes.
-Cara... tem certeza que vale a pena falar sobre isso?
-Eu preciso...
-Tou achando que não vai te fazer bem.
-Pior é guardar, Flavinho. Pior é deixar tudo isso acumular dentro de mim.
-Não acho que ocê tenha tido culpa do que aconteceu comigo. A Patrícia me atacou porque tava fora de si.
-Porque tava com ciúme de você andando comigo.
-Sim, ela tava. Mas se não fosse comigo, ia ser com qualquer outro. É isso que eu quero que ocê entenda.
-Eu podia ter evitado, Flavinho.
-Não, não podia.
-Claro que podia!
-Não, Gustavo... a culpa do transtorno da Pati não é sua, nem minha, nem mesmo dela. São coisas da vida. Ela podia ter a melhor vida do mundo que ainda assim, seria borderline. É isso que ocê precisa entender. Não vale a pena carregar nenhum peso que não seja seu, entende?
-É difícil, Flavinho.
-Por que?
-Porque eu podia ter ajudado. Ter estado mais presente.
-Posso saber como? Ocê tinha seus projetos, sua vida pra tocar aqui no Rio. Era o seu sonho... ficar em BH só ia te deixar frustrado. Agora me diz: como é que ocê podia ser presente na vida da Pati sem abrir mão de você mesmo?
-Bem, olhando por esse lado, até que ocê tem razão...
-Não tou falando?
-A questão é que ela ficou sozinha tempo demais.
-Coisas da vida. No fim das contas, tudo acontece do jeito que tem que ser.
-Engraçado ocê dizer isso, Flavinho... tendo passado por tanta coisa difícil...
-Tanta coisa difícil que só me fez mais forte...
-Tá vendo? É uma questão de caráter. Coisa que eu não sei se a Patrícia tem.
-Credo, Gustavo... não é bem assim.
-Desculpa, Flavinho... mas no meu ponto de vista as coisas são assim, sim. Demorei tempo demais pra perceber que no fim das contas a Pati tem desvio de caráter.
-Que feio dizer uma coisa dessas, Gustavo...
-Uai, vai defender a mulher que podia ter te matado?
-Não se trata de defender.
-É o que, então?
-É ter noção das coisas. Empatia.
-Do jeito que ocê fala, faz parecer que eu nunca tive empatia na vida.
-É claro que ocê tem empatia. Não precisa me provar isso. Mas não tem tido com a Pati, simples assim...
-Me dá um motivo pra ser empático com uma louca como ela.
-Primeiramente, ela não é louca, ela tem um transtorno e precisa levar a sério o tratamento. Em segundo lugar, a gente nunca sabe do dia de amanhã e as pessoas sempre podem mudar.
-As pessoas não mudam, Flavinho...
-Como que não?
-Elas só se revelam.
-Nossa, dá pra ser menos escorpiano de vez em quando?
-Não dá, Flavinho. Eu gosto da Pati... mas não confio no caráter dela.
-Devia aprender a separar as coisas, sério...
-Separar o que?
-Não se finge de ignorante, cara... eu e ocê sabemos muito bem que caráter e doença são coisas diferentes.
-Por acaso serve de justificativa o transtorno dela pra ela ter te esfaqueado?
-Gustavo, pelo amor de Deus, eu não tou dizendo que justifica, mas que ela tá fora de si, caramba! Não é o momento de virar as costas pra ela, é isso que eu tou dizendo! Será que dá pra entender?
Gustavo fica pensativo. CORTA A CENA.
CENA 2: Uma semana depois. Cristina chega em casa com Arlete e é recebida por Nicole.
-Mal dá pra acreditar que cê tá de volta, minha filha...
-Eu tive medo, mãe... medo de perder a Arlete.
-E eu de perder vocês duas... imagina que horror, se eu perdesse filha e neta numa tacada só?
-Seria complicado... mas sei que você sobreviveria.
-Credo, Cristina!
-O que importa é que no fim das contas, tudo deu certo.
-E a Arlete é mesmo forte, hein? Minha netinha já chegou provando que é guerreira até não poder mais!
-Sim, mas nada de ficar muito em cima da minha filha nesses primeiros dias, tá?
-Deixa de ser egoísta, filha...
-Não é egoísmo, é zelo.
-Filha... eu entendo que ser mãe mexe com a gente. É uma transformação profunda e definitiva. Mas as coisas não são bem assim.
-Mãe... tenta entender... é só nesses primeiros dias.
-Mas ela já está tão forte, tão grande, nem parece prematura...
-Só que mesmo não parecendo, ela ainda é prematura e inspira cuidados. Ela não pode ter contato nenhum com bactérias ou vírus, ainda.
-É pra tanto assim?
-Recomendações da Júlia. Por mais que a Arlete consiga respirar sozinha agora, sem problemas, ela ainda tá com o sistema respiratório fragilizado, entende?
-Ah, entendi... mas eu posso pegar a minha netinha no colo?
-Só um pouco, mãe... e depois de lavar bem as mãos, por favor.
-Nossa, desse jeito ela sempre vai ser frágil.
-Mãe, é por pouco tempo, procura entender.
-Sei. Quero só ver quando passar esse tempo.
-Quer ver o que?
-O seu ciúme com a sua filha.
-Bobeira. Sou a última a ser ciumenta nessa vida.
-Veremos, minha filha. Tudo muda quando você se torna mãe.
-Será?
-E você ainda não percebeu?
As duas paparicam Arlete. CORTA A CENA.
CENA 3: William tenta se aproximar de Valéria depois que ela amamenta Leonardo e o coloca para dormir.
-William... se quiser olhar o nosso filho, fica a vontade, mas não chega me tocando desse jeito, pode ser?
-É que eu pensei que...
-Pensou errado. Não quero ser grossa com você, mas não te dei essa liberdade.
-Tudo bem, Valéria... é que eu ainda tenho alguma esperança.
-Uai, esperança no que?
-Que a gente possa ficar junto outra vez.
-Não conte com isso. Não tou aqui nessa casa porque eu quero. Tou só cumprindo com o combinado e eu acho justo que ocê e seu pai tenham esse tempo a mais pra conviver com o Leozinho... mas passado esse tempo, eu volto pra minha casa.
-Ué, mas então vai voltar pra BH? A sua casa é lá...
-Eu vou fingir que não entendi essa sua ironia, William. Se é jogando a sua perspectiva das coisas na minha cara que ocê espera que alguma coisa mude, esse é o único jeito que eu garanto que ocê não vai conseguir nada!
-A gente vai ter tempo.
-Vai sim. Mas eu não vejo a hora desse um ano passar de uma vez.
-Sei. Eu vou fazer você me amar de novo. E esse ano nunca vai acabar...
-Deixe de ser convencido. Isso não vai acontecer, William... e tem mais uma coisa: se for pra ser, vai ser naturalmente. Amor não se impõe sob hipótese alguma, meu querido... amor se conquista.
-Deixa eu tentar?
-Não tou impedindo nada aqui. Mas não te garanto nada. Quer tentar? Tente, por conta e risco. Assuma as consequências disso. Mas não exija nada de mim, tá me ouvindo? Nada... porque eu só sou a mãe do seu filho. Nosso elo começa e termina nisso.
-Você ainda vai me amar de novo.
-Veremos, William... veremos!
CORTA A CENA.
CENA 4: Bernadete desabafa com Hugo sobre acontecimentos mais recentes.
-Me corta o coração te ver desse jeito, filho...
-Nossa, mãe... se você soubesse a falta que a Valéria e o Leozinho me fazem...
-Claro que eu sei, meu querido. Eles enchem essa casa de alegria, de amor, de ternura... tá difícil conviver com a ideia de que tão cedo eles não voltam pra cá...
-Eu pensei que você não tava sentindo tanto, mãe...
-Como que não ia sentir? Apesar de tudo, no meu coração, o Leozinho é e sempre vai ser meu neto.
-Eu fico surpreso com essas coisas, sabe?
-Não vejo razão pra toda essa surpresa, Hugo... cê sabe muito bem como eu sou.
-Será que sei? Acho que não, mãe... você é uma caixinha de surpresas.
-Como assim?
-É capaz de ser compreensiva e amorosa quando ninguém espera por isso. Mas consegue ser insensível e cruel na mesma medida.
-Ei, rapazinho... eu ainda sou sua mãe. Que modos são esses de se dirigir a mim?
-Modos de quem não consegue entender como você foi capaz de chutar daqui de casa alguém que te ama.
-Eu não sei do que ou de quem cê tá falando, Hugo... e acho melhor pra nós todos que esse assunto acabe por aqui.
-Tá vendo? Ainda foge. Finge que nada aconteceu. Que o Flavinho nunca existiu.
-Filho... acho melhor que essa conversa mude de direção antes que eu acabe perdendo a paciência.
-Quer saber de uma coisa, mãe? Quem anda sem paciência pra essa sua capacidade absurda de se contradizer, sou eu.
-Vem cá, fedelho: quem você pensa que é pra me tomar desse jeito? Eu ainda sou sua mãe.
-Não tou negando isso. Mas acho que te falta aprender a amar.
-Aprender? Se tem uma coisa que eu faço nessa vida, meu filho, é amar...
-Sim, você ama. Mas não sabe amar.
-Não entendi.
-Não é pra entender. É pra refletir.
Hugo se retira e Bernadete fica pensativa. CORTA A CENA.
CENA 5: Idina conta novidades a José.
-Amor, tenho novidades quentíssimas e maravilhosas sobre o incidente homofóbico no colégio do Miguel...
-Ai, Idina... fala logo que eu fico até nervoso;
-Agora é que cê nunca mais vai precisar ficar nervoso com isso, porque graças às pressões que você fez e aos esclarecimentos que fui fazer, baseada nas leis vigentes, a diretora concordou em se reunir com os pais dos alunos envolvidos nessas pequenas confusões para orientá-los a ensinar sobre respeito e tolerância para seus filhos, em casa.
-É sério isso, amor?
-Seríssimo, José! Você com a sua garra, conseguiu fazer toda a diferença!
-Nem sei o que dizer. Mas eu sei que não podia ficar quieto sem fazer nada, sabendo que meu filho corria o risco de ser expulso, ou melhor dizendo “convidado a se retirar” do colégio por culpa da intolerância alheia...
-Sabe, Zé... isso tudo me faz pensar, de verdade... em questão de menos de um século atrás, um incidente desses poderia ter sido ainda mais sério, porque além da homofobia ser algo naturalizado na época, ainda existia muito mais racismo do que existe hoje em dia. Imagina o horror que podia ter sido?
-Nossa, machuca só de pensar, Idina... ainda hoje vemos pouquíssimos alunos negros nessas escolas mais de elite.
-Depois vem o pessoal que adora relativizar todas as militâncias e lutas dizendo que o racismo não existe mais e que é puro vitimismo nosso... antes fosse, meu amor, antes fosse.
-Seria se os negros não estivessem sempre nivelados por baixo na sociedade.
-Exatamente, meu querido... a parcela mais pobre e mais desassistida da população... pra chegar branco dizendo que racismo não existe. Olha, é difícil...
Os dois seguem conversando. CORTA A CENA.
CENA 6: Maria Susana e Elisabete organizam novo apartamento após se mudarem.
-Mal dá pra acreditar, amor... nosso cantinho, Bete... só nosso!
-Nem fala, Susi... cada pequena conquista nossa é gigantesca pra mim.
-Só pra você? Pra mim tudo isso é colossal!
-Eu te amo, Susi.
-Eu te amo mais, Bete... mas me fala uma coisa... e o Maurício, vai continuar mesmo lá no apartamento?
-Vai. Só falta eu combinar com o Fábio de passar o imóvel pro nome dele.
-E se ele quiser vender?
-Direito dele. Mas não acho que ele vá pensar nisso agora. Ainda mais que ele se encarregou de cuidar do Miguel enquanto a gente não termina os ajustes por aqui...
-Tou com uma saudade do meu pequeno...
-Se eu tou sentindo falta, imagina você que é a mãe?
-Mas ele tá levando tudo numa boa. Sabe, tou muito aliviada de no final das contas tudo ter dado certo.
-É o mínimo. Se não fosse o seu ex pra agilizar essa coisa toda, pode apostar que eu ia dar um jeito de garantir que o Miguel não corresse o risco de perder o ano letivo por culpa do preconceito dos outros.
-Aquela Marta, vou te contar, viu? Parece que só funciona no tranco...
-Nem devia ser diretora, amor. Vive de fazer média. Quer agradar todo mundo...
-No final das contas, não agrada ninguém. Acho que só agora, depois de toda essa pressão, que ela tá se dando conta de que não pode ser uma gestora em cima do muro. A vida nos obriga a ter posicionamento, cedo ou tarde. Não dá pra agradar todo mundo.
-Só quero ver como ela vai fazer pra se virar com os pais de alunos que são mais conservadores...
-Problema dela, minha querida. Não foi ela que alimentou esse monstro? Pois que aguente as consequências, contanto que isso não respingue no Miguel, nem em nós...
CORTA A CENA.
CENA 7: Daniella conversa ao telefone com Nicole.
-Oi, mãe... tou atrapalhando?
-Nunca, pimentinha...
-Sabe o que é? Eu andei pensando numas coisas. Melhor... relembrando.
-Vish, como assim, filha?
-Eu falei que a Madame Marie me procurou esses tempos, não falei?
-Nem lembro. Se falou, passei batida por isso...
-Enfim, que seja... o que importa é que só agora começou a me cair a ficha sobre o que ela me disse.
-Sei... o que foi que ela te disse?
-Resumindo bem a coisa toda, que eu deveria aprender a usar mais ainda da minha própria força.
-Ué... não entendi.
-Nem eu tinha entendido na hora, mas agora as coisas começam a se encaixar. Essa situação toda, semana passada, envolvendo o Flavinho, logo na sequência do parto da Cris... de repente eu me vi no centro de tudo isso. Segurando as pontas como podia...
-E não é que foi mesmo, filha? Pudera... a Madame nunca erra!
-Exatamente, mãe... bem, eu preciso desligar que ainda tenho que cuidar da internação da Pati... beijo, mãe...
-Beijo, filha.
CORTA A CENA.
CENA 8: Patrícia vai, acompanhada de Daniella, à casa de repouso escolhida por Daniella.
-Tenta se acalmar, Pati...
-É difícil, sabe? Tentar me acalmar estando cercada de maluco...
-Querida, entende uma coisa: ninguém aqui é maluco. Cada pessoa luta contra seus transtornos e fantasmas aqui... pode apostar que tudo o que elas mais querem é levar uma vida normal, pra poderem sentir mais igual às pessoas...
-Eu sou fraca, Dani... olha onde eu vim parar. Por minha causa... por minha culpa!
Patrícia começa a chorar e Daniella a ampara.
-Calma. Não é culpa sua... nem de ninguém. A gente não nasce sabendo se vai ou não desenvolver transtornos ao longo da vida. Tem um transtorno? Conviva com ele. Trate. Mas não desista de si mesma, combinado?
-Eu juro que queria ter essa visão otimista sobre mim mesma... mas me sinto tão culpada pelas coisas que eu fiz... eu podia ter matado o Flavinho, isso é grave demais!
-Mas não matou...
-É difícil isso tudo, Dani...
-Eu sei que é. Mas me diz uma coisa: a vida teria graça se tudo fosse fácil?
-Não teria. E eu quero ser forte. Juro que quero.
-Você vai ser. Confie em si mesma.
-É difícil...
-Mas não é impossível...
CORTA A CENA.
CENA 9: Flavinho, estranhando a demora de Gustavo retornar para clínica, resolve ligar para ele.
-Flavinho, eu vou subir na moto daqui a pouco, é alguma coisa urgente?
-Urgente não é, mas ocê não disse que voltava pra clínica ainda hoje pra fechar o dia?
-Claro que eu volto, bobo. Não vou deixar você gastar táxi ou uber sem necessidade.
-É que eu pensei que sua saída ia ser rápida.
-Também pensei. Mas acabei pegando um trânsito intenso.
-Ah, entendi...
-Além disso, tive que passar no posto pra abastecer a moto.
-Beleza. Então antes das dez ocê tá aqui?
-Eu vou tentar, Flavinho. Qualquer coisa eu te aviso antes.
CORTA A CENA.
CENA 10: Bernadete escuta a campainha tocar e se surpreende ao ver Gustavo.
-Você aqui?
-Eu mesmo, dona Bernadete.
-A sua irmã não mora mais aqui...
-Eu sei disso...
-Mas se você sabe, qual outro motivo te traria aqui, senão procurar sua irmã pra falar com ela?
-O meu papo é com a senhora, não com ela.
-Não acho que tenhamos o que conversar, rapaz...
-Temos sim. Você sabe muito bem quem tá morando comigo.
-Tem alguém morando com você?
-Não se faça de desentendida. Você sabe que é o Flavinho. E sabe que ele sofreu um atentado há uma semana.
-Desculpe, Gustavo... mas eu não conheço nenhum Flávio, ainda mais com apelido diminutivo...
Gustavo explode e começa a gritar.
-Chega disso, dona Bernadete, chega! Acabou a palhaçada!
-Mas o que é isso? Você vem à minha casa pra me tomar desse jeito? Fora da minha casa!
-Não vou embora enquanto a senhora não ouvir palavra por palavra do que eu tenho a dizer. E nem adianta fugir, se esquivar ou qualquer coisa do tipo, porque hoje ocê vai me ouvir e é sem escapatória!
Bernadete se assusta. FIM DO CAPÍTULO 103.
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