CENA 1: Bernadete se recupera do baque inesperado da notícia e tenta se manter fria diante da revelação feita por Gustavo.
-Bem... o que eu posso fazer nesse caso? Eu sinto muito que a mãe dele esteja com o pé na cova... mas nada que venha do Flávio me interessa.
-Como é que ocê tem capacidade de dizer um trem desses depois de tudo?
-Quem você pensa que é pra me tomar desse jeito, rapazinho? Acaso eu tou falando alguma mentira? O que eu, Bernadete di Fiori, posso fazer pela mãe do Flávio, me diz?
-Dona Bernadete... eu sei que a senhora é boa e tem empatia. A dona Cleusa, mãe do Flavinho, tá morrendo no hospital público de BH que eu tou por essas semanas. Câncer. Deu metástase até nos ossos. Estágio terminal... nem mesmo um milagre pode salvar a mãe do Flavinho mais...
-Eu realmente sinto muito. Mas eu posso saber porque cê veio aqui me contar? Não seria mais fácil contar diretamente pra ele? Levar ele pra Belo Horizonte?
-Se não for pelo amor que um dia você sentiu pelo Flavinho, que seja então pela empatia. Essa mulher podia ter se salvado se tivesse tido acesso a um hospital pago, a um tratamento humano e digno. Essa mulher podia ser a senhora.
-Eu sei disso, querido. Fico comovida e triste, de coração. Mas não posso fazer nada pra mudar essa realidade dela.
-Mas pode mudar a realidade do filho dela.
-Não, não posso.
-Pode sim. Perdoando ele. Se fazendo presente. Ele vai precisar da senhora.
-Não vai. Ele é forte e vai saber se virar sozinho. Não faço a mínima diferença na vida desse rapaz. Agora quer fazer o favor de se retirar?
-Eu vou embora, sim. Pelo menos eu fiz o que achei que tinha que fazer.
-Fale com ele. Explique o que tá acontecendo. Mas não me envolva nisso. Não tenho nada a ver com essa história.
-Não precisa repetir. Já entendi. Eu tentei abrir os seus olhos, mas fracassei na tentativa. Passar bem, dona Bernadete.
Gustavo vai embora, frustrado. CORTA A CENA.
CENA 2: Na manhã do dia seguinte, Flavinho está tomando café da manhã quando ouve a campainha tocar.
-Uai... será que é correio de novo?
Flavinho abre a porta e se depara com Gustavo.
-Gustavo! Que bom te ver aqui! Eu sinto muito de não ter ligado avisando que tava saindo do seu apartamento...
-Tá tudo certo, meu amigo... tá curtindo morar sozinho nesse apê?
-Tou... como ocê conseguiu o endereço?
-Liguei pra Dani e ela me passou.
-Ah, sim... claro. Tudo bem...
-Como tá sendo morar sozinho? Tá se adaptando?
-Ah, aos poucos vou me adaptando sim... só não repara muito na bagunça que eu ainda tou colocando as coisas nos lugares...
-Ocê tá falando de bagunça pra mim?
Flavinho ri.
-Ah, verdade... tou falando logo com o rei da bagunça, né não?
-Exatamente...
-Fiquei feliz de te ver. Nem sabia que ocê já ia voltar...
-E não ia... tive que vir resolver umas pendengas...
-Sei.
-Flavinho... eu sei que ocê pode achar bobeira que um cara como eu, que quer ser médico, seja crédulo, mas...
-Mas...? Quando ocê começa com essas enrolações, sei não...
-Ocê acredita que a vida continua depois da morte do corpo físico, não acredita?
-Claro que acredito. Sempre fui meio espiritualista. Morte não existe... existe a transmutação...
-Então... Flavinho... a dona Cleusa... a sua mãe. Ela vai fazer essa transmutação. E quer te ver antes de partir pro outro plano.
Flavinho se choca.
-Como é que é?
CORTA A CENA.
CENA 3: Bernadete repensa conversa que teve com Gustavo na noite anterior e acaba relembrando com ternura os momentos que viveu lado de Flavinho.
-Ai... ele cuidou de mim como um filho cuida de uma mãe... eu preciso compensar tudo isso de alguma forma!
Bernadete se levanta e vai acordar Leopoldo, que desperta imediatamente.
-Bom dia, Bernadete... que horas são?
-Ainda é cedo, querido... mas eu preciso que cê me acompanhe até Belo Horizonte.
-Que? Que história é essa?
-Se arruma que eu te explico no caminho, Leopoldo. Eu preciso consertar de uma vez por todas uma burrada que eu fiz...
CORTA A CENA.
CENA 4: Flavinho, se refazendo do choro, liga para Daniella.
-Alô, Dani?
-Fala, Flavinho!
-Eu tou te ligando pra avisar que não vou hoje pra clínica. Nem hoje, nem nos próximos dias.
-Tudo bem, querido.
-É que vou precisar ir pra BH. Minha mãe tá morrendo e eu preciso ver ela antes que aconteça o pior.
-Eu sei disso... o Gustavo me contou... eu sinto muito, Flavinho... eu sinto muito de verdade.
-Tem como liberar folga pra mim pra pelo menos uma semana? Eu não sei como vai ser... tou indo pra BH agorinha, o Gustavo veio me buscar... mas não sei quanto tempo tudo isso vai levar.
-Eu libero pelo tempo que for preciso. Já mandei um áudio avisando a Cristina de tudo. Fica tranquilo. Vá no seu tempo... e seja forte, meu amigo. Sei que palavras não ajudam muito nessas horas, mas te desejo força...
-Obrigado...
CORTA A CENA.
CENA 5: Leopoldo questiona súbita decisão de Bernadete.
-Me explica esse negócio direito, Dete...
-Não tem o que explicar. Se arruma e prepara o carro. A gente não tem tempo a perder... é preciso chegar em Belo Horizonte com urgência.
-Querida, eu não posso simplesmente fazer tudo isso sem ao menos saber a razão dessa viagem.
-Eu não disse que vou consertar uma burrada? É o que você precisa saber. E sei que cê vai ficar feliz.
-Não é suficiente, Bernadete. Me explica o que tá acontecendo...
-Confia em mim, Leopoldo...
-Eu confio, mas me conta o que tá pegando...
-Eu vou consertar um erro que eu cometi.
-Se for o que eu tou pensando... eu vou ficar feliz.
-Infelizmente o momento requer outro sentimento.
-Como assim?
-Eu te explico, mas quando a gente estiver a caminho. Preciso que cê seja rápido, vamos...
CORTA A CENA.
CENA 6: A caminho de Belo Horizonte, dentro de um ônibus de viagem, Gustavo tenta animar Flavinho.
-Ei, Flavinho... vê se colabora! Eu sei que é um momento horrível... eu passei por isso muito pequeno...
-Justamente por isso... ocê era pequeno. Absorveu de outra forma...
-Mas minha avó se foi quando eu já era maior... Flavinho, vê se entende: por mais dolorido que tudo isso seja, é processo natural e inevitável da vida.
-Sabe o que eu mais lamento nisso tudo, Gustavo?
-O que?
-O rumo ou a falta de rumo que a vida da minha mãe tomou... tão jovem, sem futuro ou perspectiva... jogou a vida fora em nome do amor por um sujeito bêbado, machista, homofóbico e agressor...
-A gente não pode culpar ela.
-Eu não culpo. Só lamento profundamente... sinto uma pena danada de tudo isso. Ela era tão linda... tão cheia de vida e de sonhos! Defendia o amor acima de qualquer coisa... pra acabar assim. Abandonada pelo traste num leito de hospital público, esperando a morte chegar...
Flavinho começa a chorar e Gustavo o afaga.
-Bota pra fora... isso. Chora, libera essa dor...
Gustavo abraça Flavinho. CORTA A CENA.
CENA 7: Daniella liga para Valéria.
-Oi, Dani!
-Muito ocupada aí na revista?
-Nossa, nem me fala... mas pode falar, querida... adoro falar com a minha ex cunhada preferida...
-Então, Valéria... o motivo é meio chato. Sabe a dona Cleusa?
-A mãe do Flavinho? Tem anos que não sei dela...
-Ela tá morrendo. O Gustavo veio buscar o Flavinho aqui no Rio pra ele conseguir se despedir dela lá em Belo Horizonte...
-Nossa senhora! Como é que aconteceu um troço desses, gente?
-Câncer.
-Que tristeza... que golpe duro pro Flavinho. Mais um... pobre do meu amigo...
-Eu tinha que te dar essa informação, por pior e mais triste que seja. Quando ele voltar pro Rio, ele vai precisar de você...
-Obrigada por avisar, querida...
-De nada...
CORTA A CENA.
CENA 8: Horas depois. Gustavo chega com Flavinho ao hospital e Flavinho perde inicialmente a coragem de ir ver sua mãe.
-Não dá, Gustavo...
-Não dá o que?
-Pra encarar de frente essa situação...
-Dói de imaginar o estado que ela tá.
-Flavinho, é duro o que vou te dizer, mas a sua mãe tá morrendo. Pode ser a qualquer momento... pode ser hoje mesmo. Pode ser que ela tenha morrido nesse meio tempo que eu vim te buscar. Tá entendendo porque ocê precisa disso? É uma despedida.
-É essa a parte que mais me dói. Queria conservar a imagem dela bonita, jovem... ela ainda conservava a beleza, um pouco tímida, da última vez que a gente se viu...
-Vem comigo, Flavinho... eu te levo pra ver sua mãe...
Flavinho acompanha Gustavo e entra lentamente no quarto em que ela está internada.
-É ali, Flavinho...
Flavinho se choca ao ver o estado de sua mãe. CORTA A CENA.
CENA 9: Bernadete desce do carro e Leopoldo a segue.
-Precisa andar com toda essa pressa, Bernadete?
-Precisa sim.
-Desse jeito eu nem consigo te acompanhar.
-Então fica na sala de espera mesmo.
-Tem certeza?
-Absoluta. O que eu tenho a resolver é diretamente com o Flavinho e a mãe dele.
-Boa sorte, querida...
CORTA A CENA.
CENA 10: Flavinho fala com sua mãe, contendo a emoção.
-Mãe...
-Filho... que bom que ocê tá aqui! Eu tive tanto medo... de não conseguir falar com você... eu não queria ir embora sem te pedir perdão... me perdoa, me perdoa!
Flavinho começa a se desesperar.
-Não, mãe... não, mãe... ocê não precisa me pedir perdão. Ocê vai sair dessa, tá me ouvindo? Ocê vai ficar forte. Vai sair daqui pra morar junto comigo no Rio.
-Cê tá bem, meu filho?
-Sim... tou sim...
-Que bom! Que bom... agora eu posso ir embora mais tranquila.
-Mãe, para com isso. Ninguém vai embora. Ocê vai ficar boa! Vai ficar aqui porque eu não tenho mais ninguém no mundo!
Nesse momento, Bernadete chega à porta e se aproxima lentamente. Gustavo a vê se aproximando e sorri, aliviado.
-Não me abandona, mãe! Pelo amor de Deus, fica aqui comigo... - fala Flavinho.
Nesse momento, sem que Flavinho perceba nada, Bernadete se aproxima e o afaga. Flavinho fica perplexo e não consegue dizer nada. Cleusa respira aliviada.
-Dona Cleusa... meu nome é Bernadete... eu sou... amiga do seu filho. Muito amiga do seu filho...
Flavinho se emociona com palavras de Bernadete. FIM DO CAPÍTULO 126.
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