sexta-feira, 7 de abril de 2017

CAPÍTULO 125

CENA 1: Cleusa, apesar de muito fraca, percebe choque de Gustavo e o tranquiliza.
    -É, Gustavo... natural que ocê não tenha percebido que era eu.
    -Desculpa, dona Cleusa... eu não quis ficar chocado nem ser indelicado.
    -Não foi. Eu tou desfigurada, se comparar com o que eu fui. Meu corpo secou, meu rosto inchou, meu cabelo caiu. Eu não sou mais nada daquilo que um dia eu já fui. E ainda por cima o Flavinho tinha razão. Aquele meu marido não valia nada! Eu devia ter ficado ao lado do meu filho, mas fui burra!
    -Para com isso, Cleusa... você ainda pode sair dessa.
    -Deixa de mentir, Gustavo. Olha pra mim... eu sei que eu tou morrendo.
    -É triste tudo isso. Eu lembro da senhora jovem, cheia de vida, de energia...
    -Eu também lembro, Gustavo. Mas vou mentir se disser que sinto saudade. Não sinto nenhuma.
    -Como assim?
    -Minha única saudade é do meu filho. Meu único filho.
    -Eu posso imaginar.
    -Fiquei sabendo que ele tá morando no Rio. Eu tive que mandar ele embora quando ele tentou me ver aqui em BH...
    -Sim, dona Cleusa. Ele tá morando comigo lá no Rio de Janeiro. Eu vim aqui substituir um amigo.
    -Gustavo, me fala a verdade... por toda a consideração que ocê tem por mim... os médicos ficam me dizendo que eu vou sair. Mas eu sei que não. Eu sei que tou morrendo. Eu vejo isso nos seus olhos. Me fala a verdade. Me confirma o que eu já sei... por favor.
    -Sim, dona Cleusa... infelizmente o seu caso é terminal. Não há mais nada que possamos fazer.
    -Eu quero me despedir do meu filho, antes que seja tarde, Gustavo... ocê consegue isso pra mim?
    -Vou fazer o possível, tudo o que estiver ao meu alcance.
    -Promete?
    -Claro que sim! Sabe, dona Cleusa... eu gosto muito da senhora. Sempre gostei muito.
    -E eu de você, meu querido. Sabe de uma coisa? Ocê ia ser um marido ótimo pro meu filho... desculpa falar, nem sei se ocê gosta de meninos...
    -Pode falar, querida. Deixa o seu coração limpo, viu? Eu vou precisar agilizar algumas coisas por aqui. Não te garanto rapidez, mas vou tentar fazer tudo o quanto antes. Vou precisar ir ao Rio de Janeiro e explicar pessoalmente a situação pro seu filho...
    -Faça isso, querido. Faça isso que eu aguento, eu sinto que aguento. Nem que seja pro Flavinho aparecer aqui pra eu poder morrer em paz...
    -Tudo bem, querida. Eu vou te deixar descansar. Procura tranquilizar a mente, tá? Vou ver o que posso fazer.
    Gustavo sai surpreso e desolado da conversa. CORTA A CENA.

    CENA 2: Gustavo procura imediatamente Elisângela.
    -Elisângela... eu preciso de um favorzão imenso seu.
    -Sobre o que?
    -Sobre a paciente terminal. Ela é a mãe do meu melhor amigo que mora comigo no Rio!
    -Caramba! E ocê não reconheceu antes?
    -Não... ela tá desfigurada pelo câncer. Eu vou precisar que ocê se utilize da função de enfermeira chefe interina...
    -Já sei até pra que... mas Gustavo, isso pode acabar na minha conta. O hospital já tá operando com um quadro de enfermeiros inferior ao determinado por lei...
    -Elisângela, é a mãe do meu melhor amigo. Ela tá terminal e ele nem sabe disso! Eu preciso avisar ele a tempo. Deu pra entender a gravidade da situação?
    -Entender eu entendo. Mas quem é que vai colocar o próprio emprego em risco caso eu abra um precedente desses num momento que a gente tá com pouco pessoal e ainda tendo de lidar com o fato de que o pessoal que tava com as férias vencidas precisa tirar férias, antes que isso acabe se tornando uma bola de neve?
    -Eu sei disso, Elisângela. Mas eu sei que ocê é boa... que entende que isso é literalmente um caso de vida ou morte. Eu não tenho tempo pra desperdiçar. Meu amigo precisa se despedir da mãe dele.
    -Ocê tem noção de que eu posso estar colocando a minha própria cabeça numa bandeja, não sabe?
    -Vai, Elisângela...
    -Tá certo.
    Gustavo abraça Elisângela e a enche de beijos.
    -Tá... pode me largar. Trate de agir rápido, porque eu vou colocar dois dias de liberação p'rocê no sistema, vou alegar que ocê pegou um leve resfriado.
    -Obrigado, querida. Eu sabia que podia contar com você.
    -Então some da minha frente e trata de correr pra resolver esse trem de uma vez, viu?
    CORTA A CENA.

    CENA 3: No dia seguinte, Bernadete ouve a campainha tocar e se surpreende ao se deparar com Giovanna.
    -Você aqui?
    -Surpresa por me ver, Bernadete?
    -A palavra não é surpresa, “querida”. A palavra é perplexa. Como é que você tem capacidade de dar as caras por aqui depois de tudo o que você foi capaz de fazer com a Valéria e com o meu filho?
    -Ai, Bernadete... que preguiça desse seu moralismo besta, viu? Fui só eu que transei com seu filho, né? Eu que fiz tudo sozinha! Ah, me poupe!
    -Giovanna... eu sei que meu filho foi fraco. Mas eu sei que cê não presta... deve ter feito de caso pensado, tudo.
    -Olha ela! Virou adivinha agora? Antes do fiasco do casamento cancelado do seu filho com a Cristina, só faltava você estender um tapete vermelho pra mim. E agora vem dizer que sabe que eu não presto? Tonta! Isso que você é. Tive um caso com seu filho durante mais de dez anos e você nunca suspeitou de nada!
    -E você ainda parece se orgulhar disso, Giovanna.
    -Não posso fazer nada se minha inteligência é acima da média, querida.
    -Isso daí é mau caráter, puro e simples.
    -Tá, Bernadete. Chega desse seu moralismo ridículo. Eu quero falar com o Hugo.
    -Ele saiu. Foi fazer compras.
    -Posso esperar por ele?
    -Não, não pode. Fora daqui, some da minha casa, suma das nossas vidas e vê se não volta mais, tá?
    -Ui, que medo! Me aguarde, Bernadete. Eu vou voltar.
    -Duvido.
    -Não duvide. E vocês todos vão ter que me engolir, querendo ou não.
    Giovanna parte. CORTA A CENA.

    CENA 4: Cristina visita Daniella novamente na clínica e conversa com a irmã.
    -Dani... eu preciso que você entenda que tudo isso é mais que necessário tanto pra mim quanto pro Fábio, depois de tudo o que a gente já passou junto...
    -Eu entendo, Cris. Nem precisava vir aqui de novo...
    -Precisava sim, mana. Tem coisas nessa vida que não substituem jamais uma boa conversa cara a cara, pra evitar desentendimento desnecessário.
    -Então fica a vontade, mana...
    -Andei pensando com carinho em tudo que a gente conversou e tomei uma decisão.
    -Que decisão, Cris? Não vai desistir da viagem por causa daquele meu piti completamente sem sentido ontem, vai?
    -Não, boba... mas depois que eu voltar de Fernando de Noronha, eu volto pra assumir meu cargo aqui na clínica. É uma promessa e uma dívida.
    -Sério?
    -Sim, pimentinha. Você merece voltar à sua vida e à sua profissão.
    -Ai, Cris... sua linda! Te amo, mana!
    Daniella abraça Cristina. CORTA A CENA.

    CENA 5: Guilherme decide ter uma conversa sincera com Érico a respeito dos sentimentos.
    -Érico... eu acho que tá na hora da gente sentar e conversar seriamente sobre o rumo que nosso relacionamento anda tomando.
    -Ué... agora cê acha que é um relacionamento?
    -Eu não acho, é... mas até aqui, foi uma amizade colorida e eu sempre fui bem claro em relação a isso.
    -Sim... e eu tenho feito o que posso pra ser compreensivo, mesmo te amando mais.
    -Aí é que tá. Eu acho que te amo o suficiente.
    -Sério?
    -Sim. Eu não sei se é suficiente pra ser na mesma medida que você me ama, mas eu sei que o que eu sinto por você é forte.
    -Então isso significa que cê quer tentar?
    -Sim. Eu acho que a gente pode tentar um namoro.
    -Você não sabe o quanto eu esperei por esse dia, por esse momento.
    -Mas é bom a gente ir com calma...
    -Claro... eu sei disso.
    -Tenho medo de te machucar... de não te amar do jeito que você merece...
    -Sim, cê sempre me disse isso.
    -Mas faço questão de reafirmar... que é pra não deixar nenhuma ponta solta... nada fora do lugar.
    -Obrigado por tentar...
    -Eu que agradeço pelo seu amor e pela sua paciência.
    -Como é que cê consegue ser tão fofo, me explica?
    -Você que é incrível...
    Os dois se beijam. CORTA A CENA.

    CENA 6: Fábio liga para Elisabete e lhe conta sobre planos e novidades.
    -Tá podendo falar, Bete?
    -Sempre, querido! Como vão as coisas aí com a Cristina?
    -Cada vez melhores, graças aos Deuses!
    -Que maravilha!
    -Liguei pra te contar que eu e a Cris vamos viajar semana que vem pra Fernando de Noronha. A gente pretende passar umas duas semanas por lá, principalmente por ela, que anda precisando espairecer depois de tanta coisa...
    -Posso imaginar, Fábio. Façam uma boa viagem. Mas me diz uma coisa: já falou com Maurício?
    -Não. Bete... vou deixar pra falar com nosso filho mais adiante. Tudo bem?
    -Tudo certo...
    -Tou surpreso com você...
    -Ué, porque surpreso comigo, Fábio? Do jeito que você fala, parece que esperava algo de ruim...
    -Não... é que eu achei que cê fosse achar egoísmo nosso essa viagem.
    -Que bobeira, meu amigo! A vida tá aí pra ser vivida, não? Relaxa...
    -Já te falei que você é incrível?
    -Pode parar com isso, seu bobo. Façam uma boa viagem e aproveitem muito Fernando de Noronha! Beijo, querido!
    -Beijo!
    CORTA A CENA.

    CENA 7: Gustavo chega em seu apartamento e estranha quando vê que as coisas de Flavinho não estão no apartamento. Ao chegar no quarto de Flavinho, encontra tudo vazio.
    -Gente, não é possível! Como é que o Flavinho me apronta uma dessas? Vai embora daqui de casa e nem pra me avisar! Bem, pelo menos, ele deve ter conseguido um apartamento pra alugar...
    Gustavo então percebe que há um bilhete deixado sobre o colchão.
    -Ah! Sabia que ele não ia sair sem deixar pelo menos uma boa satisfação. Não seria taurino se não fizesse isso...
    Gustavo abre o bilhete escrito por Flavinho e começa a ler em silêncio. Se ouve a voz de Flavinho enquanto Gustavo lê.
    “Desculpa, Gustavo... mas não deu pra mim. Não deu pra ficar aqui, ocupando o seu espaço, lembrando de você mesmo quando você não tá por perto. Não dá pra sentir seu cheiro em cada canto desse apartamento e fingir que isso não mexe comigo, que não me abala. Eu sei que posso estar sendo um cretino com você e provavelmente estou sendo mesmo, mas pra mim é difícil conviver com a ideia de me envolver com um bissexual. Isso mexe demais com meus medos e inseguranças... e sei que você não é responsável por isso. Nem passa pela minha cabeça te culpar por processos que são meus. Me desculpa, Gustavo... eu acho que te amo mais do que como um amigo ou um irmão deve amar. Mas não tenho sido forte o suficiente pra enfrentar muita coisa. Perdão pela minha covardia.
    Flavinho.”
    Gustavo suspira, sentido.
    -Que pena, Flavinho... que pena. Espero que ocê descubra sua força...
    De repente, Gustavo lembra do que veio fazer.
    -Meu Deus! Eu preciso resolver a situação toda! É a mãe dele que tá morrendo! Meu Deus...
    Gustavo se apressa. CORTA A CENA.

    CENA 8: Giovanna chega em seu apartamento e prepara um jantar para si mesma, enquanto imagina sua gravidez avançando.
    -Ai... que sensação doida, essa! Dá medo de o meu corpo sair estragado dessa gravidez, mas dá um fascínio imenso imaginar as transformações que ainda vão acontecer aqui... que loucura, gente...
    Giovanna se olha no espelho da sala e sua imaginação aparece diante do espelho.
    -Não é que eu fico gata até mesmo de barrigão? Eita que tudo o que é meu é perfeito mesmo, viu? A mineirinha que engula e aceite de uma vez. Sou muito mais mulher que ela e sempre vou ser!
    Giovanna gargalha, delirante. CORTA A CENA.

    CENA 9: Inquieta, Bernadete acaba pegando novamente o diário de Leonardo para ler mais. Ao folhear, se depara com uma página inteira escrita por ele em desabafo.
    “Rio de Janeiro, 5 de novembro de 2012.
    Hoje a sitiuação se tornou insustentável. Já vinha se arrastando desde meu aniversário no meio do ano, mas hoje passou de todos os limites. Meu pai me bateu. Eu nunca pensei nessa vida que viveria pra ver esse dia. Um murro. Um único murro. Na boca do meu estômago, que era pra não deixar marca nenhuma. Disse que eu tenho que dar o fora dessa casa. Que eu não sou bem vindo numa casa de família. Que eu sou uma aberração, um erro, um aborto da natureza.
    Tudo isso é duro demais pra mim, em todos os sentidos. Sofro não por eu ser quem eu sou, mas por ter que esconder quem eu realmente sou de todo mundo, inclusive das pessoas que que eu mais amo na vida, inclusive da minha mãe. Dói demais, me sufoca por dentro pensar que talvez as pessoas não me amem se descobrirem que sou gay. Me dilacera por dentro a ideia de descobrir da pior forma que o amor da minha mãe não é incondicional...
    Eu sofro em silêncio. Não foi um sofrimento que eu escolhi. A sociedade escolheu por mim. E meu pai aumenta tudo isso...”
    Bernadete não consegue terminar de ler, fecha o diário e começa a chorar. CORTA A CENA.

    CENA 10: Ao descer para a sala, Bernadete é surpreendida pela presença de Gustavo.
    -Gustavo? Quem abriu pra você?
    -O seu Leopoldo.
    -Desculpa, querido... mas a sua irmã não tá aqui...
    -Não foi ela que eu vim ver. Foi a senhora.
    -Não entendi, Gustavo. Não acho que nós tenhamos qualquer assunto a tratar. Ou temos?
    -Temos sim. A senhora sabe perfeitamente qual.
    -Olha, se for pra vir me dar lição de moral hoje, nem vem que não tou legal. Na verdade eu ando bem triste.
    -Notei pelo seu olhar. Eu preciso ter uma conversa complicada com a senhora.
    -Complicada? Por que?
    -Tem gente passando por coisa bem pior e eu acredito que ocê possa fazer alguma coisa pra suavizar sofrimentos.
    -Continuo sem entender. Pra que essa enrolação toda, garoto?
    -Porque tem a ver com o Flavinho. Com coisas muito chatas que estão prestes a acontecer na vida dele...
    Bernadete se incomda visivelmente.
    -Pois pouco me interessa saber qualquer coisa da vida desse viadinho. Se foi pra isso que cê veio aqui, perdeu a viagem, Gustavo. Não quero que insista.
    -Você não entendeu, Bernadete. É grave.
    -O que pode ser tão grave?
    -A mãe dele está morrendo.
    Bernadete fica atônita. FIM DO CAPÍTULO 125.

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