CENA 1: Giovanna encara Glória de forma ameaçadora. Glória, ainda assustada, se faz de desentendida.
-Eu não estou me metendo na sua vida, Giovanna. Não sei do que você tá falando, não sei de onde você tirou uma coisa dessas...
-Você pensa que eu sou o que, Glória?
-Pra que você quer saber o que eu penso?
-Glória, Glória... não se faça de desentendida. Eu e você sabemos muito bem o que você anda aprontando...
-Bem, nesse caso eu sou obrigada a te corrigir. Eu não estou aprontando nada, já você...
-Você se acha muito esperta, não é? Glorinha... você não sabe com quem tá se metendo.
-Sei sim. Mas não tou me metendo com você, não...
-Você insiste em subestimar minha inteligência. Você acha que eu não percebo as suas indiretas bem diretas pra mim? Você não sabe de nada da minha vida pra me tomar do jeito que me toma, Glória.
-Em primeiro lugar, Giovanna: não é porque você é minha superior aqui dentro que você tem o direito de levantar a voz comigo desse jeito e falar esses absurdos que tá falando. Eu podia estar gravando, sabia?
-Mas não tá. Não tem cabeça pra isso. Foi pega desprevenida, de surpresa. Vou repetir pra ver se você entende: não se meta na minha vida. O que eu faço ou deixo de fazer não é da sua conta.
-Baixa a bola, mulher... mas baixa bem essa sua bola, viu? Para de se achar tão importante assim diante da vida. Você, como eu, é só mais uma pessoa nessa cidade, nesse país, nesse mundo. Desce desse pedestal, vai...
-Nossa, quanta moral você tem, subalterna. Engraçado que você é cheia da ética, cheia da moral... na teoria. Na prática fica me atacando pelas costas.
-Não sou eu que estou habituada a atacar os outros pelas costas aqui. Ainda mais quem eu chamo de amiga pela frente.
Giovanna se impacienta e agarra o pescoço de Glória, que fica sem ar.
-Me solta. Vou sufocar!
Giovanna percebe que se descontrolou e recua.
-Isso é pra você ter só um gostinho bem de leve do que eu posso ser capaz de fazer. Você realmente não faz a mínima ideia com quem tá se metendo. Se eu fosse você, ficava bem pianinha, bem na minha, quietinha, mal respirando pra não dar problema.
-Você pensa que pode calar as pessoas metendo medo nelas, não acha? Pois eu não tenho medo dessa bravata toda, não. Eu sei que você e o Hugo tem um caso. E abaixa essa mão, porque se você me der um tapa eu faço um escândalo aqui dentro e daí eu quero ver quem é que vai ser chutada daqui da Natural High. Giovanna, entende uma coisa: eu não sou de falar, eu sou de fazer. Tá dado o meu recado. Mais alguma coisa que você queira falar? Porque ainda tenho muito trabalho pela frente...
-Eu te avisei, demônia... eu te avisei. Você tá fazendo essa escolha conscientemente. Falei que não era pra se meter comigo... me aguarde, Glória... me aguarde.
-Vai fazer o que, linda? Eu não posso ser demitida assim, no mais.
-Mas acidentes acontecem, não é? A gente nunca sabe o dia de amanhã.
-Você é tão covarde que até pra ameaçar precisa das entrelinhas. E ainda vem dizer que sou eu que tou me metendo onde não devo.
-Então veremos, queridinha. Esteja certa que vou fazer da sua vida nessa agência um inferno. Pode escrever.
-Pois eu pago pra ver. Você não é de nada, Giovanna. Só ocupa a posição que ocupa porque soube manipular o Hugo, desde o começo.
-Você não pode provar nada do que diz.
-E você não pode mover uma palha contra mim. Acho que empatamos, né? Agora me dá licença que eu realmente tenho que trabalhar. Recomendo que você faça o mesmo.
-Olha aqui, você não me diga o que fazer.
-Ui, ficou bravinha? Tá precisando de um suquinho de maracujá. Quer que eu traga, chefinha?
-Dá o fora daqui, Glória. Agora!
Glória se retira. Giovanna bate na mesa.
-Eu preciso dar um jeito nisso pra ontem! - fala Giovanna consigo mesma. CORTA A CENA.
CENA 2: Valéria procura Flavinho.
-Posso conversar com você, Flavinho?
-Desde quando a senhorita precisa me pedir permissão pra isso, Valéria? Sempre pode.
-Então... eu queria te contar um trem bizarro que aconteceu hoje cedo...
-Mais um? Não tá faltando bizarrice nessas últimas semanas, pelo visto.
-Ocê viu que eu tomei café da manhã com a Cris lá fora, não viu?
-Ver eu não vi, mas soube, sim... o que é que tem?
-Eu tentei conversar com ela... sobre aquelas coisas que eu descobri envolvendo o Hugo e a Giovanna...
-Miga, sua louca! Não se mete nisso... ainda pode sobrar procê, sério.
-Calada que eu não posso ficar, uai. Claro que não disse com todas as letras. Mas tratei de deixar o alerta pra Cristina... de que tem mais gente falsa perto dela do que ela possa imaginar.
-De qualquer jeito, Valéria. Isso não é da sua conta. Não tinha nada que ter metido o bedelho nisso.
-Quer parar de me interromper? Eu ainda não terminei... aconteceu mais coisa, viado... e é aí que a coisa ficou bizarra... tensa, melhor dizendo.
-Então fala, uai.
-Eu tava falando com a Cris e adivinha quem materializa do nada no quintal?
-Não brinca... a Giovanna? Mas o que essa doida veio fazer aqui?
-Buscar o Hugo, provavelmente. Essa daí não sai da cola dele... mal disfarça o caso que eles tem...
-Sim... e aí, o que mais aconteceu?
-A Giovanna escutou eu falando alguma coisa pra Cristina... veio me ameaçando nas entrelinhas. Com olhares, coisas assim... mas não deixei barato. Encarei olho no olho...
-Valéria, sua louca... essa coisa toda tá começando a ficar mais tensa do que imaginei...
-E você diz isso pra mim? Fiquei com a sensação que a Giovanna é capaz de qualquer coisa pra não ser desmascarada.
-Você ainda duvida? Eu não confio nada nessa sujeita. Nunca confiei.
-Isso tudo me dá raiva. Mais do Hugo do que dela, pra ser bem franca. Ele não passa de um cafajeste, um mentiroso traidor, que faz a Cristina de idiota.
-Valéria... de novo com raivinha do Hugo? Ocê não acha que tá se abalando demais por uma coisa que nem te diz respeito? E nem venha se defender que eu não estou falando nada além disso aí que cê tá ouvindo...
-Eu não sei, Flavinho... não sei mais o que tá acontecendo. Tá tudo meio confuso... até outro dia eu tava lá em BH e o William era o amor da minha vida...
-Você disse “era”. No passado. Acho que você nem se deu conta...
-Não começa, Flavinho... por favor, agora não.
-Eita... não tá mais aqui quem falou...
CORTA A CENA.
CENA 3: Ricardo estranha expressão fechada de Glória.
-Aconteceu alguma coisa, Glória?
-Não, por que?
-Porque eu posso jurar que sim. Quase posso tocar essa nuvem carregada sobre a sua cabeça.
-Deu pra ser vidente sensitivo agora, Ricardo?
-Não. Mas faz muito tempo que não te vejo assim.
-Tá... não adianta eu esconder de você... afinal de contas, somos amigos antes de mais nada, apesar do passado.
-Sim. Confia em mim.
-Olha... não sei se vou poder entrar em maiores detalhes. Nem sei se quero...
-Só de falar já é alguma coisa. Fale o que puder... eu vou ouvir.
-Sabe o que é, Ricardo? Não é absolutamente nada relacionado a você, eu juro... mas as pessoas nem sempre são aquilo que parecem ser.
-Não me esclareceu nada, Glória...
-Acho que não consigo falar nada além disso no momento. Sinceramente tou sem estômago pra isso. Só posso acrescentar que hoje aconteceu algo repulsivo. Nojento em todos os sentidos.
-Engraçado... você voltou com essa cara fechada daquela reunião com a Giovanna...
-Ricardo... vamos focar no trabalho, por favor. Vai ser melhor assim.
-Você não cansa de implicar com ela, não?
-Ricardo, você não sabe de nada. Pelo seu próprio bem: cala essa boca, vai.
CORTA A CENA.
CENA 4: José chega ao pub e encontra Idina na recepção.
-Abriu mais tarde hoje, Idina?
-Às vezes acontece isso, José... acabo estendendo com alguns clientes, dependendo do caso e da complexidade do processo.
-Bem, pelo menos não cheguei aqui a tempo de dar de cara com o Cantinho Francês fechado.
-Entre, por favor... e nada de beber hoje, viu? Vi que você veio com o carro de novo e não vou te pagar táxi dessa vez...
José ri.
-Isso, vai rindo. Mas eu não ajudo bebum hoje, pra constar.
-Vai me ajudar só de conversar comigo... de aceitar perder uma parte considerável do seu tempo comigo.
-Só “perco meu tempo” com você se for pela amizade. Isto é: nada de confundir as coisas, viu?
-Nem passou pela minha cabeça isso...
-Sei. Não é o que seus olhos dizem. Mas vamos, fale...
-Sabe, Idina... eu quero fazer tudo o que estiver ao meu alcance pra vencer esse racismo que ainda vive dentro de mim. Por mim, em primeiro lugar... e pelo meu filho, também.
-Sua vontade já é uma grande coisa, não duvide disso.
-Só que eu não sei como parar de reproduzir falas e comportamentos racistas. Você pode me ajudar nisso?
-Sempre, José. Você se colocou à disposição pra isso. Eu me coloco à sua disposição pra quaisquer dúvidas. Sem pressa. Nada de se auto punir, tá me ouvindo?
-Se você diz...
-Mas você já sabe: meu papel aqui é como sua amiga. Faça o favor de não misturar as coisas, tá?
-Nem penso nisso... de verdade.
-Então, vamos lá... a primeira coisa que você precisa entender: só um negro pode determinar o que é racista...
Os dois seguem conversando. CORTA A CENA.
CENA 5: Maurício conversa com Fábio, antes de dormir.
-Pai... antes de dormir eu queria te fazer uma pergunta, mas você só me responde se quiser.
-Faça, Maurício... você pode perguntar o que quiser.
-Eu sei que não é da minha conta. Que eu não tenho que me meter nas histórias que não são minhas, mas... andei observando tudo nesses últimos dias. Ouvi bastante a mãe, também... coloquei as coisas na balança. Então eu queria saber de você: você tá se apaixonando por aquela mulher? Cristina, no nome dela, né?
-Eu não sei, filho. Realmente não sei.
-Eu acredito em você. Mas é que a mãe fica com aquela coisa de dizer que você pode confundir as coisas... pensar que a Arlete ainda vive. Eu não queria concordar com ela, mas às vezes temo por isso.
-Maurício... você sabe que eu gosto de conversar com você, não sabe?
-Sei... já entendi. Você não tá muito diposto a continuar esse assunto...
-Sinceramente? Não. E não é nada com você, não é pessoal.
-Isso você nem precisava justificar, pai. Se você quiser, nem toco mais nesse assunto.
-Eu ainda quero voltar a falar sobre tudo isso. Mas não agora. Primeiro eu preciso entender tudo o que vem acontecendo. As nossas vidas mudaram muito, em pouquíssimo tempo. Tudo isso me deixa meio confuso, meio tonto. Sem um norte, entende?
-Evidente que entendo, pai. Bem, estou exausto do dia de hoje. Mal passou das nove e meia e só penso em me atirar na minha cama. Boa noite, pai.
-Boa noite, filho. Dorme bem.
CORTA A CENA.
CENA 6: Cristina atende o telefone em sua sala na clínica. É Hugo.
-Oi, amor... que bom que você ligou... tá na agência, ainda?
-Nada, Cristina... tou descendo pro estacionamento nesse momento. Por isso te liguei... queria saber se você não quer passar a noite comigo lá em casa. Daí eu posso passar aí na clínica.
-De jeito nenhum, Hugo. Vai ficar muito tarde pra você, vai atrapalhar sua rotina. É mais fácil eu chamar um táxi ou um uber caso eu queira ir pra sua casa.
-Caso queira? Mas você não sabe se vem?
-Sinceramente? Não sei.
-Por que?
Cristina pensa em dizer a Hugo sobre encontro e beijo que deu em Fábio, mas lembra de conversa que teve com Nicole e da preocupação da mãe com o possível abalo da amizade entre as famílias.
-Ah... bem... nada, não. É que tou cansada, sabe como é... passei um tempo longe dessa função e fiquei meio mal acostumada. Agora, até recuperar meu velho gás, vou precisar de pelo menos mais uns dias...
-Pena... queria você aqui, perto de mim.
-A gente vai ter essa oportunidade outras vezes, Hugo... afinal de contas, a gente ainda vai se casar.
-Bem... eu vou desligando que você ainda deve estar bastante ocupada.
-Eu tou, sim... mas não pense que estou apressando o final dessa conversa.
-Que isso, Cris... eu que não posso chegar assim, atrapalhando. Beijo, te amo.
-Beijo, Hugo.
Cristina desliga e se sente culpada.
-O que eu faço, Hugo? Você me ama, mas eu... eu não te amo.
CORTA A CENA.
CENA 7: Horas depois, Leopoldo toma um vinho acompanhado de Hugo.
-Sabe, Hugo... eu sei que não vale a pena remoer certos pensamentos...
-Já vi tudo, pai. Quando você começa com esse papo cheio de cuidado, é que vai falar sobre o Leo.
-E você tá certo, filho... eu fico pensando como seria tudo, se eu tivesse feito diferente. Se tivesse sido um pai mais presente e compreensivo. Se tivesse julgado menos...
-Será que vale a pena pensar no que poderia ter sido?
-Não sei se vale a pena, Hugo... mas não consigo evitar de pensar nessas coisas.
-Você se sente culpado... é isso.
-Muito mais do que você imagina, inclusive.
-Ainda assim... já foi. Alimentar sentimento de culpa agora não vai consertar nada. Quer consertar alguma coisa? Que tal começar pelo que você ainda pode mudar?
-Filho... se você tá pensando que posso simplesmente desfazer a farsa do bebê numa altura dessas, não dá mais...
-Não, pai. Não tou falando em desfazer essa palhaçada... tou falando que você pode ser menos fechado e duro com as pessoas. O Flavinho, por exemplo: tem sido um ótimo amigo pra mim. Talvez o único amigo que eu tenha. Até a Valéria não é aquela demônia toda que eu pintei...
-Você tem razão... mas não é fácil pra mim. Eu desaprendi a demonstrar afeto, sentimentos... mesmo com sua mãe eu tenho dificuldade. E fui duro demais com seu irmão... é por isso que eu me sinto responsável pela morte dele.
-Mas não adianta lamentar o passado dessa forma. Não desse jeito. O sentimento de culpa é um jeito de fugir... você se maltrata, mas não se abre a aprender. A responsabilidade segue suspensa...
-Não entendi, filho...
-Talvez você ainda precise de mais tempo pra entender tudo isso. Eu vou subindo... tou bem cansado do dia de hoje. Fica bem, pai.
CORTA A CENA.
CENA 8: Cristina está fechando a clínica quando pensa em Fábio e olha sua agenda no celular.
-Bem... pelo menos ligar pra ele não vai tirar pedaço...
Cristina liga para Fábio, que atende prontamente.
-Não esperava que você ligasse, Cristina. Tudo bem com você?
-Comigo tudo ótimo. Tou saindo do trabalho, agora... e com você?
-Eu tava pensando... já que você ligou... e eu estou aqui, sem fazer nada... você saindo do trabalho... a gente podia se ver, não podia?
-Mas Fábio, são quase onze e meia...
-E daí? Não dizem que a noite é uma criança?
-Quantos anos você tem, cara?
-Quarenta e seis, ué... mas a alma é de adolescente.
-Percebe-se.
-Você tem medo.
-Não é bem medo... talvez seja, um pouco. Desde aquele nosso beijo eu já não sei mais de muita coisa.
-Só diz que quer me ver.
-Eu quero. Mas nem sempre querer é poder.
-Quem disse? A sua vontade, o seu desejo, ou o que esperam de você?
-Tá certo... eu não te garanto nada. Preciso de uns minutos pra pensar. Tudo bem pra você?
-Pra mim, tudo ótimo. Desde que você me responda ainda hoje.
-Pode deixar. Mas não me ligue. Deixa que eu te ligo de volta dando a resposta, pode ser?
-Por mim, tá ótimo assim. Um beijo...
-Outro...
Cristina desliga e fica tensa. CORTA A CENA.
CENA 9: Daniella passa a noite com Gustavo e conversa com ele.
-Amor... desculpa insistir, mas acho que você ainda precisa aprender a se abrir mais comigo... pelo seu próprio bem.
-Dani... as coisas não são tão simples quanto parece. Eu gostaria que fossem, mas não são.
-Tou dizendo isso porque quero te ajudar... de coração. Ajuda a nós dois... para que nós dois possamos nos ajudar mutuamente.
-Seria meu sonho... essa troca, essa cumplicidade.
-E pode ser completa. Basta confiar em mim.
-Mas eu confio em você... não confio o suficiente é em mim mesmo.
-Então temos um pequeno problema aqui. Você precisa aprender a ser menos severo consigo mesmo. Pegar mais leve com você mesmo...
-Eu quero. Só que é tanta pressão... tanta coisa que não depende de mim e tá longe de estar sob o meu controle...
-Claro... a vida não é sobre controle. É sobre se deixar levar. Você vai aprender a se abrir mais... eu sei disso. Eu vou tentar ser paciente com você... sei que você merece.
Os dois se beijam. CORTA A CENA.
CENA 10: Cristina desce do táxi no endereço indicado por Fábio e liga para ele.
-Cheguei no lugar combinado, Fábio. Onde você está?
-Olha pra dentro...
Cristina vê Fábio dentro do prédio e vai a seu encontro.
-Isso é uma loucura... acabei dizendo aos meus pais que fiquei na clínica, acredita?
-Essa loucura vai valer a pena, Cristina. Estava morrendo de saudades.
-Eu não devia dizer isso, mas também tava...
Os dois sobem e chegam no oitavo andar.
-Que apartamento lindo, Fábio! Parece ter sido decorado por uma mulher...
Fábio teme que Cristina perceba que o apartamento era dele e de Arlete. FIM DO CAPÍTULO 32.
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