sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

CAPÍTULO 29

CENA 1: Elisabete insiste no tema com Fábio.
-Vamos... pare de me olhar com essa cara de quem viu o fantasma da Arlete...
-Não precisava citar o nome dela, poxa! Pra que isso, agora?
-É pra ver se você acorda pro tipo de coisa que cê tá querendo fazer... que tá prestes a fazer.
-Você tá imaginando coisa demais. Não posso ter curiosidade de conhecer a moça que recebeu as córneas e retinas da Arlete, não?
-Claro que pode, Fábio. É uma curiosidade legítima. Mas seja honesto consigo mesmo e me responda: por que você tem essa curiosidade? O que você tá buscando nisso tudo?
Fábio encara Elisabete, com expressão de dúvida.
-Eu não sei, Bete... eu realmente não sei.
-Eu sei que você sabe. Você sabe que sabe. Só não quer admitir. Não quer falar... nem para si mesmo, quanto mais para mim.
-Você não acha que tá exagerando, Elisabete?
-Já exagerei muita coisa nessa vida. Mas não dessa vez. Tou vendo cristalino diante de mim...
-E o que você tá vendo?
-Você ainda não superou o luto pela Arlete.
-Mas isso é óbvio, Bete... faz muito pouco tempo. É tudo muito recente... dizem que o luto pode durar até dois anos.
-É justamente por isso que eu tou alertando pro que você anda planejando fazer.
-Você fala como se fosse um plano escabroso... e não é.
-Pode até não ser. Mas cuidado, meu querido... cuidado pra não se machucar. Pior: pra não machucar outras pessoas nesse processo.
-Ainda não consegui chegar onde seu raciocínio quer me levar...
-Chegou, sim. Só não admite a si mesmo. Espera que eu diga.
-Então diz...
-Você tá procurando nessa Cristrina uma espécie de lembrança. Uma memória da Arlete... o que ficou dela, aqui nesse mundo, antes dela ser enterrada.
-Isso que você tá dizendo não faz o mínimo sentido. É completamente sem propósito.
-Será que é?
-Claro que é! Olha o tamanho do absurdo do que você acabou de dizer!
-Tão absurdo que você ficou visivelmente perturbado depois que eu falei. A quem você pretende enganar, Fábio? Certamente, não a mim. Talvez, a você mesmo.
-Acho que você anda lendo muitos livros de psicologia ou mesmo de autoajuda. Nada disso que você disso é verdade.
-Pode ser que não seja. Mas toma cuidado, Fábio... eu me preocupo com você. Essa sua quase obsessão em conhecer essa tal de Cristina me deixa um tanto quanto assustada. E antes que você pense que é medo de te perder ou qualquer coisa assim, saiba que eu entendi que nosso casamento não existe e não tem chance de um dia voltar a existir.
-Eu agradeço pela sua preocupação, Bete... mas não precisa de tanto.
-Ah, querido... não sei, não. Às vezes as pessoas enxergam as coisas antes de nós mesmos.
-Suponhamos que você tenha razão. Ainda assim seria um risco de errar que eu teria de correr, não concorda? Afinal de contas, somos humanos...
-Olhando por esse lado... faz sentido. Me promete que vai com calma?
-Claro que vou. Afinal de contas, fui ou não fui sempre cauteloso?
-Até demais, seu libriano cheio de escrúpulos...
-Então relaxa, Bete... não vou deixar de ser cauteloso depois dos quarenta e tantos...
-Você fala como se estivesse à beira dos cinquenta...
-Tecnicamente, estou mais pros cinquenta do que pros quarenta, boba... faltam 4 anos, esqueceu?
-Não esqueci. Se cuida, Fábio. Por você.
-Pode deixar.
Fábio beija a testa de Elisabete. CORTA A CENA.

CENA 2: Valéria conta a Flavinho, antes do jantar, sobre seu confronto com Hugo.
-Flavinho, você não ouviu nada da minha discussão com o Hugo?
-Discussão de novo, Valéria? Não, não ouvi nada. E sinceramente tou decepcionado com você.
-Olha aqui, defensor dos pobres meninos ricos, antes de começar a me malhar, posso pelo menos falar o que eu descobri e o motivo que me fez discutir com o cafajeste?
-Já começou a falar... agora termina, né.
-Eu ouvi uma conversa dele ao telefone, sem querer. Lembra quando a gente teve aquela conversa? Foi logo depois. Eu tava indo pro meu quarto... e acabei ouvindo uma discussão, sem querer. Acabei ficando pra ouvir o que tava acontecendo ali... o Hugo tem uma amante.
-O que? Faz sentido isso, gente...
-Agora se segura pra não cair. Sabe quem é?
-Quem?
-A Giovanna! Aquela falsiane que nunca me enganou.
-Gente do céu... sabe que a mim ela também nunca enganou? Que situação... agora tudo se encaixa. Ele se sentir pressionado, manipulado. Claro! É a Giovanna que manipula ele! Como é que não pensei nisso antes?
-Quem sabe porque ocê não sabia? E sem essa de defender o Hugo. Tá parecendo corporativismo de macho isso daí. Ele não deixa de ser cafajeste...
-Mas você não tinha nada que ter peitado ele, poxa! De quem é a casa, mesmo?
-Dos pais dele. Não dele.
-Mesmo assim...
-Mesmo assim o que, Flavinho? Resolveu que tudo o que eu faço é errado agora? Tá contra mim? Poxa, o cara trai a Cristina, tem um caso com a Giovanna sei lá eu desde quando e a errada sou eu?
-Valéria... você não tá errada em achar tudo isso um absurdo. Mas tá errada em peitar o Hugo. Que liberdade você tem pra isso?
-Bem, eu... eu... eu achei um absurdo tudo isso! Tinha que enfrentar ele. Senti raiva. Tinha que falar umas verdades...
-Que verdades? Até onde entendi, você só peitou ele.
-Sim. Ia ser muita bandeira dizer pra ele que eu sei de tudo.
-E o que ocê tá pretendendo com isso, Valéria?
-Mostrar o quanto desprezo ele.
-Se desprezasse, não teria se abalado a discutir com ele. Você é qualquer coisa, menos indiferente ao Hugo.
-Lá vem você com essa teoria maluca.
-E quer que eu pense o que? Você chega a tremer de raiva. Isso não é indiferença, Valéria. Você está se apaixonando pelo Hugo. Admite isso...
-Eu, admitir um trem doido desse? Mas nem morta! Vou eu, Valéria Varela de Andrade, me apaixonar por um cafajeste traidor? Não mesmo!
-Só ficou perturbada... de novo!
-Flavinho, tem horas que ocê consegue ser mais que insuportável. Melhor deixar falando sozinho...
Valéria sai e Flavinho ri, maroto. CORTA A CENA.

CENA 3: Na manhã do dia seguinte, Daniella está saindo de casa e indo em direção ao seu carro para mais um dia de trabalho na clínica.
-Falta pouco agora, garota... pior é que a loucura daquela clínica vai fazer falta... - fala Daniella, consigo mesma.
Ao rumar para o carro, é abordada por uma voz feminina que a toma.
-Falando sozinha? Dizem que quem fala sozinho não bate muito bem da caixola, hein? - fala a mulher.
Daniella se assusta.
-Quem é você?
-Ah... sim. Esqueci de me apresentar. Me chamo Patrícia.
-Certo, Patrícia... pelo menos sei seu nome. Mas quem é você? O que tá fazendo na frente da minha casa?
-Você é a Daniella, certo?
-Como você sabe meu nome? Garota, cê tá me assustando... espera aí... esse seu sotaque... eu sei de onde esse sotaque é...
-De BH? Ah, então já tá começando a juntar os pontos.
-Você ainda não respondeu como sabe meu nome.
-Certo. Eu descobri... afinal de contas, ocê não é a namoradinha do Gustavo?
-Peraí... você conhece o Gustavo?
-Ah, bobinha... sou namorada dele, uai!
-Que? Patrícia... cê vai me desculpar, mas essa história tá muito mal contada.
-Imagino. Afinal o Gustavo nunca se abre, né. Mal fala do passado...
Daniella nota que Patrícia treme, em sinal de leve descontrole. Daniella teme pelo que pode acontecer a ela e resolve tratar Patrícia com cordialidade.
-Isso é verdade... Gustavo quase não abre a boca pra falar do passado. Só que tem uma coisa, Patrícia... eu tou me atrasando pra chegar ao trabalho. Não posso perder meu tempo jogando conversa fora.
-Cê tá indo pra clínica, não tá?
-Como é que você sabe de tudo isso?
-Minha querida... eu descubro tudo sobre o Gustavo e sobre as pessoas que se relacionam com ele.
-Estranho. Como é que você descobre onde eu moro, onde a gente trabalha, mas não descobre onde ele mora?
-Se você me der uma carona, eu te explico no caminho.
-Só posso te dar uma carona se o lugar que você estiver for caminho da clínica.
-Não se preocupe. O hotel que me hospedei fica a cinco quadras de lá... tudo bem pra você?
-Tá certo. Mas me explica direitinho como você descobriu onde eu moro, pode ser?
-Tá assustada?
-Não... assustada não é bem a palavra. Surpresa, sim. Sei pouco do passado do Gustavo, mas sei que ele terminou com a ex de BH, no caso, você.
-Ah, então foi isso que ele te disse...
-O que cê tá querendo dizer? Onde quer chegar, Patrícia?
-Bem... não quero te atrasar pro trabalho...
-Então sobe no carro, que eu já tou de saída. Pelo visto, você tem muito o que me explicar...
CORTA A CENA.

CENA 4: Maria Susana surpreende José durante café da manhã ao entregar a ele papelada do divórcio.
-Bem, Zé... desculpa não ter avisado antes, mas já consegui agilizar a papelada do nosso divórcio.
José analisa os papeis entregues.
-Nossa... isso tudo é um tanto quanto confuso, pra ser sincero. Vou ligar para Idina, tá?
-À vontade, querido. Vou acordar o Miguel enquanto isso.
Maria Susana se retira e José disca para Idina.
-Alô, José?
-Oi, Idina... pode me chamar de Zé, se quiser.
-Prefiro chamar de José, por enquanto. Tá precisando de alguma ajuda?
-Estou, sim. Espero não ter te acordado.
-Ah, meu querido... praticamente não durmo. Sou acostumada com isso. Vivo pelos meus trabalhos.
-Eu acabei de receber uma papelada... a Maria Susana já entrou com o pedido de divórcio.
-Excelente. E qual a sua dúvida em relação a isso?
-Bem... basicamente a minha dúvida é sobre os termos do divórcio.
-Certo. Antes que você leia os trechos que te deixam em dúvida, me responda uma coisa.
-Sim?
-Vocês, quando se casaram, se casaram sob quais termos?
-Separação total de bens...
-Então não vai ter muito mistério. Pode ler o que te deixou em dúvida que eu vejo como posso responder...
José começa a ler os papeis. CORTA A CENA.

CENA 5: Daniella estaciona em frente ao prédio que Patrícia afirma estar hospedada.
-Até agora você não me disse coisa com coisa, Patrícia... gostaria que me explicasse porque me procurou.
-Pra te alertar.
-Alertar do que? Eu sabia da sua existência...
-Mas sabia que o Gustavo saiu de BH sem terminar comigo? Sabia que ele nunca mais falou comigo? Nunca me deu uma satisfação, simplesmente largou tudo e seguiu em frente sem me dar notícia.
-Ok... suponhamos que o que você tá me dizendo seja verdade... isso justifica você ia atrás de saber tudo sobre ele aqui? Justifica você vir atrás de mim pra falar todas essas coisas? Se é passado, que ficasse ali...
-E ocê diz isso como se não tivesse um pingo de medo que ele fizesse o mesmo com você? Estranho...
-Patrícia... eu me garanto. Não nasci pra depender de macho. Tem uma coisa que não se encaixa nisso... como você descobriu com tanta facilidade onde eu moro, onde a gente trabalha, mas não descobriu pra onde ele se mudou por último?
Patrícia fica perturbada.
-Bem, eu... eu... você faz perguntas demais, Daniella...
-Mais um motivo pra eu acreditar que você só tá fazendo isso porque não aceitou o fim. E por querer que ele não fique com mais ninguém.
-Quer saber? Vou subir... você tá enfeitiçada por ele, sua tonta.
Patrícia deixa o carro visivelmente abalada e Daniella fica intrigada.
-Tem alguma coisa muito mal contada nessa história toda... não sei mais o que é verdade ou mentira... - murmura Daniella, consigo mesma.
CORTA A CENA.

CENA 6: Gustavo estranha atitude de Daniella na clínica e vai à sala dela.
-Amor... impressão minha ou você não tá muito legal hoje?
-Gustavo... a gente tá em horário de trabalho.
-Sim, mas e daí? A gente sempre conversa quando eu venho aqui na sua sala.
-Hoje tá tenso. Cheio de coisas. Talvez não seja um bom momento.
-Estranho. Não notei nada de diferente por aqui hoje.
-Gustavo... meu querido... eu não tou com cabeça pra explicar nada agora. Quer, por favor, se retirar e voltar ao trabalho?
-Você nunca me tratou assim... o problema é comigo?
-Amor... vai trabalhar. Depois a gente conversa.
-Você não me respondeu.
-E nem vou. Não percebeu que tou cheia de coisa pra fazer hoje?
-Percebi.
-Então me deixa trabalhar, pode ser?
-A gente se encontra mais tarde?
-Tá, Gustavo... mais tarde a gente vê o que faz.
-No meu apartamento?
-Pode ser.
-Bem... tou vendo que não adianta falar muito agora. Vou voltar ao trabalho que ganho mais...
Gustavo se preocupa com atitude de Daniella. CORTA A CENA.

CENA 7: Elisabete conta ao filho sobre últimas atitudes de Fábio.
-Então é basicamente isso, Maurício... o seu pai desembestou a investigar toda a vida dessa tal de Cristina, quer porque quer conhecer a moça...
-E o que tem isso, mãe?
-Você ainda pergunta? Seu pai corre o risco de confundir as coisas, de se apaixonar pela moça só porque ela tem uma “parte” da Arlete com ela...
-E daí?
-Como “e daí?”, meu filho? Maurício, isso pode ser grave.
-Não sei onde que isso pode ser tão terrivelmente grave.
-Na parte que seu pai ainda tá enlutado por toda essa tragédia. Nessas horas a pessoa pode buscar compensações das quais pode se arrepender depois.
-Se ele se arrepender, é responsabilidade dele. Nem você, nem eu, nem ninguém pode evitar isso. Se ele tiver de passar por isso e se ele sofrer, vai ser assim...
-Você não se preocupa?
-Claro que me preocupo. Só não me sinto no direito de me meter, mãe...
-Você tá dizendo que tou me metendo na vida do Fábio?
-Pode não ser sua intenção, mãe... mas tá se metendo na vida do pai, sim. A vida amorosa dele é uma coisa que independe de você ou de mim.
-Por esse lado, você tá certo, filho...
-Deixa ele livre, mãe. Não faz bem pra você principalmente. Você pode acabar se iludindo de que ainda tem algum poder sobre a vida dele. E eu não quero que você sofra com nenhuma ilusão a essa altura da vida.
Maurício abraça a mãe. CORTA A CENA.

CENA 8: Armênia aproveita que o filho já está em casa e conversa com ele em seu quarto.
-Guilherme... tem dois minutinhos pra falar comigo?
-Até vinte, mãe... tá precisando falar sobre alguma coisa? Posso ajudar?
-Ah, querido... sempre tão solícito. Dessa vez não preciso de ajuda. Na verdade, eu fico é preocupada com você. Sabe, você tá sempre envolvido com tanta coisa, causas sociais, essas coisas...
-Sim... mas você não apoia tudo isso?
-Com certeza! Só que noto que você não dá atenção à sua própria vida, querido...
-Mãe... eu dou atenção a mim mesmo quando ajudo as pessoas. Lembra disso...
-Mas eu falo da sua vida pessoal... você fica sempre tão envolvido com seus amigos, com as pessoas que você tenta ajudar... acaba esquecendo da sua vida amorosa. Nunca vejo você suspirando de amor por ninguém, seja mulher ou homem...
-Sabe o que é, mãe? Não acho que esse seja o momento na minha vida pra pensar nisso. Sou tão jovem, sabe? Tenho tanta coisa pra fazer. Tanta gente que precisa só saber que não tá sozinha nessa vida...
-Mas você não sente falta de uma paixão? De um amor?
-Não penso muito nisso, mãe...
-Meu medo é que você acabe ficando infeliz com isso, ao longo do tempo.
-Fica tranquila, mãe... eu sou feliz do meu jeito. Não acredito que precise de um amor romântico pra ser mais feliz...
CORTA A CENA.

CENA 9: José se encontra com Idina com o pub já aberto. Ela conversa com ele em uma mesa.
-Sabe, Idina... tá doendo muito ainda, saber que meu casamento com a Maria Susana acabou...
-É normal, José... perfeitamente natural e compreensível. Você ainda a ama, apesar dos erros que cometeu...
-Exatamente, Idina... eu me maltrato por tudo isso...
-Não deveria. Alimentar sentimento de culpa agora não adianta mais de nada, sabia? A vida tá aí pra te ensinar a se tornar alguém melhor. Com ou sem a Maria Susana...
-É triste, ainda assim, constatar que esse casamento não tem mais salvação por minh culpa.
-Substitua a palavra culpa por responsabilidade. Vai ser melhor, acredite...
Os dois seguem conversando. CORTA A CENA.

CENA 10: Horas mais tarde, Daniella chega com Gustavo ao apartamento dele. Gustavo tenta beijá-la, mas ela se esquiva.
-Não tou entendendo nada, amor... desde hoje cedo você tá toda estranha comigo.
-Talvez eu tenha motivos de sobra pra isso.
-Mas eu não fiz nada... não que eu lembre.
-Tem razão... não que você lembre. Não significa que não tenha feito.
-Quer ser mais clara?
-Vamos aos fatos. Você é um cara maravilhoso, eu tou amando você, mas você se esconde. Esconde muito do que viveu no passado. Só que as coisas aparecem, as verdades se revelam. Sabe quem me procurou dizendo ser sua namorada hoje? A Patrícia!
Gustavo gela. FIM DO CAPÍTULO 29.

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