CENA 1: Valéria percebe tensão de Hugo. Bernadete não demonstra surpresa diante de Valéria.
-Filho... aproveita que a Valéria começou a falar a verdade...
Hugo permanece paralisado diante das duas e Valéria o estimula.
-Hugo, vamos... eu podia ter perdido meu filho por causa desse estresse todo. Não é justo. A verdade é sempre melhor.
Hugo toma coragem e começa a falar.
-Mãe... não é assim que eu queria que você soubesse... - começa Hugo.
-E era pra ser como? Presta atenção numa coisa, meu filho: eu não sou mais uma doente terminal. Não há razão de eu ser poupada de saber das coisas que estão acontecendo sob o meu teto, no final das contas... - fala Bernadete, tranquilamente.
-Peraí, Bernadete... a gente não te falou antes porque pensou que você podia ficar decepcionada com a gente, especialmente comigo, mas... você parece calma. O que mudou? - questiona Valéria.
-Nada mudou... eu só aceitei algumas coisas. - esclarece Bernadete.
-Não sei o que você andou aceitando, mãe... mas queria deixar claro que essa coisa toda fugiu ao nosso controle. Quando eu e a Valéria percebemos, estávamos apaixonados. Não foi pra trair meu irmão... - fala Hugo.
-Trair seu irmão? Que coisa mais sem pé nem cabeça, Hugo... O Leonardo já se foi, no final das contas. É duro de admitir isso, mas não tem como a gente trair quem já não pertence mais a esse mundo. Trair gente morta não existe. Vocês são livres e desimpedidos... precisam mesmo aproveitar o que a vida oferece a vocês. E se é amor que a vida oferece, não tem como rejeitar. Amor é uma coisa que nunca se rejeita... - fala Bernadete.
Valéria se emociona com a fala de Bernadete.
-Eu sinceramente nem sei o que dizer... tive medo que a senhora fosse me colocar pra fora dessa casa. Tive medo pelo meu filho... acho que foi por isso que tive a crise nervosa... - fala Valéria.
-Meus queridos... de vocês eu só quero um abraço, pode ser? Venham cá, se acalmem vocês dois... - convida Bernadete.
-Eu não esperava que você fosse reagir assim, mãe... de verdade. - observa Hugo.
-Talvez mês passado eu não reagisse assim. Mas a vida tá sempre ensinando coisas pra gente... eu não sou a mesma que fui em dois mil e dezesseis... e nesse ano que mal começou, eu já tive uma chance incrível de viver com qualidade de vida... o mínimo que eu devo a vocês é gratidão, por estarem comigo de alguma forma... - fala Bernadete.
-Eu só posso agradecer. Por tudo, Bernadete... não só pela acolhida comigo, mas por ser incrível também com o Flavinho... ele gosta de você como um filho ama uma mãe, sabia? - fala Valéria.
-A recíproca é verdadeira. O Flavinho é como se fosse meu filho, também... - fala Bernadete.
-Ei, espera aí, quer dizer que eu ganho um irmão e nem sou comunicado disso? Nossa, já tiveram mais consideração comigo... - brinca Hugo.
Os três riem. Bernadete segue falando.
-Queridos... eu luto todos os dias pra sorrir. Pra lidar com o fato que o Leo se foi sem querer acabar com a minha própria vida... e ver o amor nascendo nos lugares improváveis é algo que me inspira. Eu tenho certeza que, de onde o Leo estiver, ele vai estar abençoando esse amor de vocês... caso contrário, as coisas nem teriam acontecido do jeito que aconteceram... não acredito no acaso, mas acredito no destino. Por mais que os desígnios dessa coisa toda às vezes sejam insondáveis... cedo ou tarde as coisas começam a fazer sentido... só acho que vocês precisam tomar cuidado com uma coisa... melhor dizendo: com alguém... - fala Bernadete.
-Nem precisa falar quem é, mãe... já sei que é a Giovanna. - constata Hugo.
-Uai... mas o que ela pode fazer se a sua mãe tá do nosso lado? - questiona Valéria.
-Valéria... essa mulher enganou a todos nós e usou o Hugo por mais de doze anos... quanto menos ela souber, melhor... - observa Bernadete.
Os três seguem conversando. CORTA A CENA.
CENA 2: Na manhã do dia seguinte, Sérgio bate no apartamento de Mônica, que abre após ouvir a campainha.
-Sérgio? Que surpresa te ver aqui logo cedo...
-Espero não ser incômodo...
-Visitas simpáticas nunca são incômodas. Não quer entrar?
-Aceito, sim... mas por pouco tempo, não quero atrapalhar seu trabalho...
-Besteira, Sérgio... ando tão cheia de serviço, tanto aqui quanto na agência, que faço questão de aproveitar as horinhas livres que tenho.
-Você é sempre tão cheia de energia assim?
-Preciso ser, né? Pra dar conta de manter a disciplina dos modelos que vem passar uma temporada aqui e ainda substituir o Ricardo na agência enquanto ele tá de férias... não tenho muita alternativa. Só muito café na causa!
-Você é incrível. Ninguém te disse isso antes?
-Ah, para... você que é de uma generosidade maravilhosa, sim...
-Generoso, eu? Não, boba... sou só justo.
-Não entendi...
-Se não fosse você pra puxar a porta do meu apartamento, sabe quanto tempo eu ia gastar quebrando a cabeça e xingando até minha quinta geração?
-Vish... não faço a mínima ideia...
-O dia inteiro!
Os dois riem.
-Você é divertido... e jovial. Desculpa a indiscrição da pergunta, mas...
-Eu tenho cinquenta e cinco anos!
-Como você sabia que eu ia perguntar isso?
-Começou com indiscrição, já sabia que era isso...
Mônica ri.
-Ei... eu volto perto das nove e meia do trabalho. Você bebe uma cerveja comigo?
-Sinceramente não sou muito de cerveja... sou mais de vinho.
-Tá... você topa uma happy hour comigo?
-Topar eu topo, mas você mal me conhece...
-E daí? Tá estampado na sua cara que você é boa gente, Sérgio...
-Será? E se eu for um serial killer com um carisma irresistível?
-Besta... não serve nem pra meter medo na gente. Tá... chega de enrolação, você topa ou não topa?
-Topo. Onde a gente se encontra e em que horário?
-Acho que, pra não dar erro... umas dez e vinte da noite... ali no Cantinho Francês, conhece?
-Conheço, gosto e recomendo. Combinados, então. Pode ser dez e meia?
-Melhor ainda. Dez e meia a gente se encontra.
CORTA A CENA.
CENA 3: Bernadete percebe Flavinho com expressão triste.
-Que tristeza é essa, Flavinho?
-Não é tristeza... é cansaço da semana. Ainda tenho trabalho hoje, sabe como é...
-Querido... de mim não precisa esconder nada. Eu tou vendo que você não tá só cansado. Pode confiar e desabafar comigo, viu?
-Não sei se você entenderia.
-Tudo o que vier de você, meu querido, eu vou me esforçar pra entender... fica tranquilo.
-É sobre minha mãe...
-Você sente falta dela, não sente?
-Sim... mas é mais que saudade... fica uma sensação, um um gosto amargo dentro de mim... de que as coisas podiam ter sido diferentes se ela não tivesse se juntado com o cafajeste do meu padrasto...
-De qualquer forma, já tem tempo que você deixou a casa, não?
-Tem anos... fui expulso com dezoito...
-Não entra na minha cabeça como uma mãe pode ser capaz de expulsar de casa alguém que saiu de dentro dela...
-Ah, Bernadete... ela tava cega de amor pelo meu padrasto. E grávida do meu irmãozinho...
-Difícil, isso... faz quanto tempo que você não a vê?
-Desde que eu fui embora...
-Meu Deus, Flavinho! Isso já tem mais de meia década! Você não sente vontade de saber como ela tá hoje?
-Claro que tenho... é essa vontade que me deixa assim, dividido... porque lembro de tudo que passei e sofro.
-Imagino que não deva ter sido fácil, Flavinho...
-Eu quase desisti da vida. Cheguei a passar alguns dias sem teto. Dormi na rua, Bernadete... passei fome. Tive muita sorte de meu caminho ter cruzado com a Valéria...
-Viu? Nada acontece por acaso nessa vida. Deus escreve certo por essas linhas tortas... só acho que talvez seja momento de você enfrentar esse passado que deixou pra trás... agora você tem uma casa e uma família... não de sangue, mas de coração...
-Eu sei... mas sinto que o momento de encarar a minha mãe de frente, tá chegando. Só que tenho medo do que vou encontrar. Tenho medo daquele pilantra do meu padrasto me agredir...
-Chega de sentir medo de um pulha como esse, Flavinho... ele já fez estrago suficiente na sua vida... talvez essa seja a hora de tomar fôlego, reunir toda a coragem que existe aí dentro e encarar de frente o que vier... se o problema for a passagem pra BH, eu pago... talvez você consiga resgatar sua mãe, já pensou?
Flavinho fica pensativo. CORTA A CENA.
CENA 4: Hugo se incomoda com expressão de contrariedade de Leopoldo, ao tomar café com ele na mesa do pátio interno.
-Poxa, pai, cê podia pelo menos disfarçar essa sua cara de bunda quando a mãe vai falar com o Flavinho, tá ficando feio isso, já...
-Ah, me deixa, Hugo! Não posso ter minha opinião?
-Não quando o seu ódio e se preconceito se disfarçam de opinião.
-Você não era assim antes... aquela Valéria tá virando a sua cabeça.
-Lave a sua boca pra falar dela. Ah, falando nela... a mãe não te contou?
-Contou o que? É algo que eu deveria saber?
-Olha... eu pensei que ela te contava tudo... ela não contou, mesmo?
-Dispenso suas ironias, fedelho... ainda sou seu pai e exijo respeito.
-Respeito quem me repeita. Você quer saber ou não quer saber?
-Você vai falar de qualquer jeito... então libera essa língua nervosa de uma vez...
-A mãe já sabe do meu namoro com a Valéria.
-Que? Não pode ser... e essazinha continua nessa casa? O que é que tá acontecendo?
-Simples: a mãe apoia nossa relação.
-Não é possível... ela jamais faria isso.
-Faria, sim. Ao contrário de você, ela nunca foi religiosa nem carola. Você tentou imbuir seu moralismo nela... mas veja só: parece que não deu certo. E agora que ela tá de coração renovado, presta atenção...
-O que é que você tá insinuando, Hugo?
-Eu? Nada...
-Sua mãe tem sido permissiva demais... aliás, sempre foi. Aceita qualquer coisa.
-Se enxergue, seu Leopoldo... ou será que preciso refrescar sua memória pra te lembrar que foi essa sua obsessão pelo controle que terminou afastando o Leo da gente nos últimos anos da vida dele?
-Não precisa pegar pesado...
-Precisa sim... que é pra ver se você entende que, como qualquer pessoa, você também tem teto de vidro, então tenta pelo menos não julgar tanto. Vai ser melhor pra todo mundo nessa casa... e antes que eu me esqueça: quem tem uma farsa pra esconder aqui é você, não a Valéria. Então abre o olho!
CORTA A CENA.
CENA 5: Gustavo estranho ao ver Flavinho isolado na cantina no horário de almoço.
-Uai, não vem comigo na lanchonete, hoje?
-Não tou com pique... desculpa, Gustavo.
-Dá pra ver que algo não vai bem, Flavinho... eu sou seu amigo, pode confiar em mim... se quiser falar, tou aqui.
-Bem... você lembra como entrei na sua vida e na vida da Valéria, não?
-Não tem como esquecer. Nossas vidas mudaram naquela noite que a gente te conheceu... dormindo debaixo de uma marquise.
-Tentando dormir... o frio e a chuva não deixavam, mas... deixa pra lá. Eu andei conversando com a Bernadete sobre meu passado... mas antes disso, andei pensando na minha mãe, em tudo o que ficou pra trás...
-E o que exatamente a Bernadete disse p'rocê? Tenho certeza que ela ofereceu uma opção boa...
-Ela disse que paga a passagem pra eu ir a BH se necessário.
-E por que você não vai?
-Quando?
-Esse fim de semana, quem sabe? Pra não dar tempo de pensar muito...
-Ai, sem planejar? Não sei. Gustavo...
-Eu e você sabemos que você desiste das coisas, se pensa muito... então pensa nisso rápido... de preferência decide alguma coisa ainda hoje.
-O que você faria no meu lugar?
-Não sei. Mas eu sei que ocê merece uma chance de ver sua mãe, pelo menos matar saudade dela. Pode não ser a melhor experiência do mundo, mas ainda vai ser melhor que nada...
Flavinho fica pensativo. CORTA A CENA.
CENA 6: Daniella almoça com Cristina.
-Achei que você nem vinha mais, Dani...
-Ah, sabe como é, me empolguei com os ensaios....
-Sei... mas ainda bem que veio, porque hoje é dia de quiche de espinafre.
-Ai, sério? Eu vou pedir logo três!
-Você não engorda de ruim mesmo, pimentinha. Nunca vi tanta fixação por esse quiche... tem que ser logo três.
-De entrada, porque se me der mais fome, cê sabe...
-Ô!
-Engraçado, Cris... mal você volta ao trabalho e...
-Veja lá o que cê vai dizer, mana...
-Ah, que é agora? Não posso falar o que eu percebo? Vai se defender em outra freguesia, eu hein, sagitariana doida...
-Tá, sua praga insistente, fala logo a besteira que cê tá pensando, vai...
-Ai, calma... eu só tava pensando que cê podia revezar comigo no trabalho.
-Que? Mas e os seus ensaios com o grupo de teatro, sua louca?
-Não são necessariamente todos os dias, ué. É a oportunidade perfeita pra você dar uma descansada e colocar a cabeça no lugar.
-Não sei porque, mas fiquei com a nítida sensação de que cê tá dando volta pra falar outra coisa. Te conheço, leonina metida a sabichona...
-Tá... eu queria saber como cê tá em relação ao Fábio, porque tenho certeza que isso tá influenciando pra te deixar assim, meio quebrada...
-Posso pedir um favor, na boa?
-Peça.
-Não toca no nome dele pra não dar treta.
-Eita...
CORTA A CENA.
CENA 7: Gustavo flagra Daniella com expressão de incômodo na cantina.
-Uai... cade sua irmã?
-Ficou lá, toda amarga, comendo na lanchonete.
-Pra você deixar seu quiche de sábado mofando... alguma coisa te incomodou.
-Ah, Gustavo, a cabeça dura da Cris me tira do sério. Puta que pariu, sabe? Tá na cara que ela ainda ama o Fábio e fica fingindo que não, por puro orgulho ferido. Sabe o que é isso? É o ego ferido... de não aceitar que o Fábio amou a doadora dela.
-Mas pelo menos é compreensível. Ela não sabia disso e ele perdeu a hora de falar antes dela descobrir do pior jeito...
-Falando em compreensível... eu preciso te dizer que, apesar de tudo, eu não cortei relações com a Pati. Na verdade, sinto que ela precisa da minha amizade. De alguém que oriente ela...
-Bem... ocê que sabe. Mas eu me preocupo. Por motivos óbvios... ela já fez o que fez. Nós terminamos por isso...
-Eu sei. Mas assim como você me deu uma chance permanecendo meu amigo, de repente é disso que ela precisa.
-Queria ter esse mesmo otimismo que ocê tem, mas acho difícil...
-Simpatizo genuinamente com ela... vejo o potencial que ela tem. Ela só precisa enxergar essas coisas...
-Bem, você que sabe. Mas se der ruim, cê sabe que eu avisei...
CORTA A CENA.
CENA 8: Flavinho chega em casa e procura Bernadete.
-Dete... pode vir aqui um momento?
-Sempre, querido! Tá precisando falar?
-Sim... sobre a sua proposta.
-Decidiu ir ver a sua mãe?
-Sim... mas ó, o dinheiro que ocê me emprestar agora, eu devolvo mês que vem sem falta quando eu receber o salário da Cris...
-Meu querido, pensa nesse dinheiro como um mimo de mãe pra filho. Você não me deve nada. É o mínimo que eu posso fazer por você. Queria ir com você a BH, mas meu médico ainda não libera...
-Já disse p'rocê que você é maravilhosa?
-Você que é um querido, Flavinho. Merece tudo isso que eu tenho feito por você... você vai amanhã, mesmo?
-Sim, Bernadete... se eu pensar demais, eu acabo desistindo.
-Faz bem, querido. Vou torcer muito pra dar tudo certo e correr tudo bem...
Flavinho abraça Bernadete, agradecido. CORTA A CENA.
CENA 9: Horas depois, Cristina já em casa, adormece na sala vendo televisão. Nicole, preparando o jantar, não percebe. Cristina sonha que está andando na beira da praia. Ao andar na beira da praia, percebe que carrega algo nas mãos e espera por alguém. Avista uma mulher ao longe, com um carrinho.
-Pronto, dona Cristina. O bebê já pegou o sol da manhã pelos quinze minutos...
-Que bebê? Quem é você? Como você sabe o meu nome?
-Dona Cristina, você tá bem? Sou a Adelaide, babá do seu filho...
-Que filho? Moça, eu não tenho filhos...
-Como que não?
Cristina se desespera e acaba acordando no sofá, sobressaltada. Ao constatar que tudo aquilo não passou de um sonho, suspira aliviada. Nicole percebe sobressalto de Cristina.
-Que foi? Deu pra assustar com barulho? Achei que você tinha superado o trauma da nossa casa invadida quando você tinha seis anos...
-Nada disso, mãe... esse trauma não existe mais. Eu peguei no sono aqui no sofá. Tive um sonho esquisito pra dedéu...
-Que sonho?
-Que eu andava na beira da praia. Uma tal de Adelaide vinha com um carrinho dizendo que o filho era meu e que ela era a babá...
Nicole fica surpresa. CORTA A CENA.
CENA 10: No dia seguinte, ao final da manhã, já em Belo Horizonte, Flavinho chega à rua de sua casa e se emociona.
-Mal dá pra acreditar que vivi meus melhores e piores dias nessa rua... chega a dar medo de pensar no que vou encontrar quando eu entrar naquela casa que um dia foi minha... - fala Flavinho, consigo mesmo.
Flavinho caminha lentamente até o pátio de sua casa e ali vê a silhueta de uma senhora cansada.
-Não pode ser... será que o tempo fez isso com ela?
Flavinho se aproxima e percebe que se trata de sua mãe, que se emociona ao vê-lo. Flavinho fica perplexo ao se deparar com o estado deplorável que sua mãe se encontra. FIM DO CAPÍTULO 60.
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