CENA 1: Daniella encara Patrícia, que fica verdadeiramente apavorada diante da situação.
-Eu não sei como esse sabonete foi parar no meu banheiro...
-Como que não sabe, Patrícia? Um sabonete que provavelmente serviu pra você conseguir a cópia das chaves de alguém materializa no seu banheiro e você não sabe de nada?
-Pode ter sido alguém que deixou aí quando eu tava fora.
-Não mente pra mim, Patrícia. Eu conheço o contorno dessa chave.
-Como assim? Chave é tudo igual...
-Pra quem não presta atenção... só que eu presto atenção. E eu sei que a chave estampada nesse sabonete é do apartamento do Gustavo. É bom que você tenha uma boa e convincente explicação pra isso aqui.
-Eu nem sei por onde começar.
-Que tal começar pela verdade, antes que eu arrebente a sua cara lavada?
-Não é mentira quando eu digo que eu sou sua amiga, Daniella. Eu gosto de você.
-Gosta tanto que mente, que engana, que manipula!
-Você não sabe dos meus motivos.
-Não sei. Mas sei das consequências quando eu sofro elas. Se você realmente tem consideração e amizade por mim, prove.
-Como?
-Me dizendo toda a verdade. Não me poupe de nenhum detalhe. Eu quero a verdade completa. Ou então...
-Ou então o que?
-Você não vai querer ver do que eu sou capaz. Te coloco na cadeia, sabia? Anda... eu quero a verdade.
-Eu menti desde o começo sobre as coisas que o Gustavo fez comigo. Ele nunca foi abusivo, nem emocional nem fisicamente. Nunca sofri agressão. Quem agrediu fui eu. Mas agredi porque eu nunca amei ninguém como eu amo o Gustavo. Ele terminou comigo antes de ir embora de BH. Eu não aceitei o fim... o resto você deve imaginar.
-Não, não devo imaginar. Eu quero a verdade. Eu quero saber o que aconteceu de verdade dentro daquele apartamento.
-Calma, Dani... você não pediu toda a verdade? Eu preciso falar tudo. Pra provar que tenho consideração por você.
-Prossiga.
-Eu persegui ele. Cerquei por todos os cantos. Descobri telefone, celular, endereços, desde que ele se mudou pro Rio...
-Então é por isso que ele se mudou três vezes em menos de quatro anos...
-Eu não dei paz pra ele. Eu queria estar perto. Saber que ele sentia alguma coisa por mim. Qualquer coisa... até ódio valeria. Qualquer coisa, menos a indiferença, que tava me matando por dentro...
Patrícia começa a chorar. Daniella se impacienta.
-Continua, desgraçada... continua!
-Eu sempre descobri tudo sobre ele. Eu não podia desistir. Só que no meio disso eu te conheci. Simpatizei de verdade com você. Senti amizade. Mas eu sei que essa nossa amizade certamente acaba aqui. Eu não podia desistir. Nada nem ninguém poderia me demover da ideia de despertar algum sentimento intenso nele, por mim. Foi por isso que tomei a decisão...
-De copiar as chaves...
-Exatamente. Lembra aquele dia que ocê foi no banheiro quando a gente tava almoçando na cantina da clínica da sua irmã?
-Claro que lembro, Pedi pra você cuidar das minhas coisas enquanto... espera aí, foi ali que você...
-Foi. Eu peguei o sabonete da minha bolsa, me certifiquei que não tinha ninguém olhando e copiei a chave do apartamento do Gustavo. O resto, você sabe...
-Não, não sei. Prefiro que cê diga...
-Eu me certifiquei, ou pensei que tinha me certificado, que ocê não ia estar por perto. A intenção era só dar um susto nele, tentar seduzir. Por isso que me certifiquei antes que ocê não ia estar com ele... mas deu errado. Você veio junto dele à noite. Eu já tava lá... tinha que pensar rápido. Quase me escondi. Até que percebi que ocê tinha ficado na sala. Eu tinha que despertar alguma coisa nele. De qualquer jeito... foi então que eu tive a ideia de fingir que estava sendo atacada e agredida por ele. Assim eu despertava o ódio dele por mim... o lado ruim é que eu caguei com a nossa amizade...
Daniella dá um tapa em Patrícia e desanda a chorar, atordoada.
-Eu mereço esse tapa, Daniella... mas se acalma!
-Eu vou embora daqui antes que eu vomite na sua cara...
Daniella sai atordoada. Patrícia chora por tudo. CORTA A CENA.
CENA 2: Maurício vai ao quarto de Elisabete.
-Incomodo, mãe?
-De jeito nenhum... tava assistindo aquele seriado que eu gosto, mas é só deixar pausado...
-Eu ouvi a conversa que você teve com o pai mais cedo, mãe...
-Vish, deu pra ouvir a conversa dos outros agora, menino? Não foi assim que eu e seu pai te criamos...
-Boba... eu fiquei orgulhoso de você, sabia?
-Ué, por que? Não tem motivo pra tanto...
-Como que não tem? Você foi grande. Tem sido grande.
-São seus olhos generosos sobre mim, meu filho... mas sabe, Maurício... não é sempre simples. Eu precisei passar por toda aquela barra que nós sabemos pra aprender a evoluir minimamente... fui muito teimosa, praticamente burra...
-Para de ser cruel consigo mesma, mãe... não é certo.
-Tenho tentado não ser. Eu juro que tenho feito meu melhor.
-Então deixa essa coisa de se autossabotar o tempo todo... você foi grande sim. Grande ao apoiar o pai com a Cristina. Maior ainda ao apoiar que ele espere por ela...
-Não tinha como ser diferente, meu filho... quando eu percebo que existe amor de verdade, como é que eu não vou apoiar? Depois de tanto tempo empatando a vida do seu pai, o mínimo que eu devo a ele é isso. Por tudo o que ele sempre fez por mim, mesmo quando não mereci.
-Sabe, mãe... é por coisas assim que eu me sinto feliz. E orgulhoso demais por ter visto você evoluir desse jeito. Você é grande sim, mãe... está se tornando uma muher incrível. Só falta um amor, agora...
-Cê acha que eu tenho cabeça pra pensar em encontrar alguém agora?
-E por que não? Deveria. A vida vai passando, querendo ou não...
-Eu sei, Maurício... mas existem outras formas de se encontrar felicidade, não? Eu quero começar por esse caminho. Depois eu penso no amor. Ainda preciso ressignificar meus valores... descobrir o que é meu, de fato. Entende?
-Claro que entendo, mãe... bem, desculpa vir te incomodar.
-Filho... você nunca incomoda. Eu ficaria horas conversando com você... você é meu único filho...
-Mas tou vendo essa sua cara de quem tá quase embarcando no sono...
-Bem... isso também é verdade. Boa noite, filho.
-Boa noite, mãe. Durma bem.
CORTA A CENA.
CENA 3: Gustavo está se preparando para dormir quando escuta sua campainha tocar.
-Não é possível. Já é quase meia noite e eu não posso nem dormir? Só falta ser... ah, não!
Gustavo pensa se tratar de Patrícia e grita da sala.
-Olha aqui, Patrícia, se ocê continuar insistindo eu chamo é a polícia!
Daniella então fala.
-Não é a Patrícia. É a Daniella. Eu descobri toda a verdade. A Patrícia enganou a nós dois! Por favor... abre... a gente precisa conversar!
Gustavo abre e Daniella entra.
-Quer dizer que agora então ocê sabe de toda a verdade... interessante. Quer sentar? Só não vai esperando cafézinho, tá? Eu já tava indo dormir.
-Nossa, Gustavo... eu pensei que você ia me receber com mais boa vontade... eu sei que errei feio com você. Que devia ter confiado...
-Não é a primeira vez que ocê falha nisso. Só que eu não tou a fim de aturar os seus problemas projetados em mim.
-Quer saber? Você tem razão. O erro é meu em pensar que obrigatoriamente a culpa sempre vai ser do homem... mas eu descobri toda a verdade. A Patrícia tirou uma cópia da minha cópia das suas chaves, quando eu fui ao banheiro um dia e deixei minhas coisas com ela.
-E ela precisou confessar tudo p'rocê acreditar em mim, né?
-Eu descobri antes de ela confessar.
-Como assim?
-Ela deixou o sabonete usado pra bandidagem na pia do banheiro da suíte que ela tá na pensão... eu juntei as coisas.
-Quer saber? Foda-se. Precisou de provas concretas. Não confiou em mim quando eu mais precisei disso.
-Mas a gente podia tentar...
-”A gente”, Daniella? Agora tem “a gente”, de novo?
-Nunca deixou de ter, Gustavo... nós dois sabemos disso.
-Nunca tinha deixado de ter. Até o momento que ocê me chamou de monstro.
-Não tem nenhuma chance da gente voltar, né?
-Infelizmente não. Você cagou tudo, Daniella... agora vai embora. Por favor.
Daniella vai embora chorando. Gustavo desaba em choro ao fechar a porta. CORTA A CENA.
CENA 4: Dias depois. Cristina volta ao seu trabalho e, ao chegar em sua sala na clínica, é surpreendida por Fábio esperando por ela.
-Como é que você entrou aqui?
-Tenho meus contatos...
-Certeza que isso foi coisa que a Dani aprontou. Até como meio de se vingar de eu ter deixado ela mais de uma semana no meu lugar...
-Você conhece bem sua irmã, pelo visto... foi ela mesmo que me ajudou.
-Sabia! Mas olha... eu não sei se você lembra da nossa última conversa...
-Eu sei. E disse que espero pelo tempo que for preciso.
-Mas se sabe disso... o que é que cê veio fazer aqui, Fábio? Você sabe muito bem que não funciono sob pressão.
-Típica sagitariana. Já sou acostumado com isso.
-Cê ainda não me disse porque veio mesmo assim.
-Saudade, ué. Você não sente?
-Claro que sinto. Muita... mas eu sei que esse não é o momento mais indicado pra tomar qualquer decisão. Não enquanto a razão não estiver no lugar certo.
-Eu entendo. De verdade... mas sinto tanta saudade. Tanta vontade de te ver todos os dias, de passar um tempo com você...
-Vou mentir se disser que não penso nessas coisas. Bem, agora eu realmente preciso trabalhar... mas quero te ver. Ainda hoje, se possível. O que cê acha?
-Maravilhoso! A gente pode ir no Cantinho Francês. A Idina é sempre ótima com a clientela.
-Excelente ideia. Adoro aquele lugar! Tá combinado, então. A gente se vê depois do meu expediente.
CORTA A CENA.
CENA 5: Bernadete recebe alta e é conduzida a seu quarto cuidadosamente por Leopoldo e Hugo. Ao chegar em sua cama, Bernadete cansaço.
-Queridos... muito obrigada por tudo. Eu adoraria descer e conversar com todo mundo, mas tou exausta. Cês se importam de eu dormir agora? - fala Bernadete.
-De jeito nenhum, mãe... não é todo dia que se volta pra casa com o coração curado... - fala Hugo.
-A gente vai deixar vocè a vontade. Durma bem, querida... - fala Leopoldo.
Hugo e Leopoldo deixam o quarto e Leopoldo segura Hugo pelo braço antes que ele rume ao seu quarto.
-Espera, filho... a gente precisa combinar uma coisa.
-Combinar o que?
-Sobre o seu relacionamento com Valéria.
-Não tem relacionamento nenhum, pai...
-Cê finge que tá falando a verdade e eu finjo que acredito. Mas abram o olho... se mantenham discretos, pelo menos durante essas próximas semanas. Levar isso até o fim da gravidez da Valéria, já percebi que é impossível...
-Pai... tá todo mundo exausto de tudo. Sério.
-Que seja. Mas tomar cuidado nunca é demais.
-Tudo bem. Agora quem precisa de uma bela de uma esticada sou eu. Ainda tenho muita coisa pra resolver na agência amanhã. Hoje eu tirei o dia de folga e só quero dormir.
CORTA A CENA.
CENA 6: Érico acompanha Guilherme num albergue.
-Você não repara se eu fizer cara de espanto, tá?
-Por que, Érico?
-É que eu nunca estive num lugar assim, sabe?
-Tudo bem... mas não tem nada de tão espantoso assim. Vai ser mais tranquilo que você imagina. No máximo, a história das pessoas pode te comover...
-Nem sei como lidar com uma coisa assim... não tou acostumado com coisas novas.
-Tá tudo certo. Se você sentir medo, só me avisar.
-Não é bem medo... é uma espécie de receio.
-É medo. Eu também tive. Encarar o desconhecido dá um frio na barriga. Não tem problema admitir isso. Somos humanos...
-É que eu não quero me sentir horrível com isso, sabe?
-Mas... horrível por que?
-Porque faz parecer que eu tenho preconceito.
-Não faz parecer, não. Faz parecer que você tem suas defesas naturais e que é compreensível que elas existam.
-Eu sei. Mas não acho justo. Não tenho o direito de confundir as coisas desse jeito.
-Primeira coisa que você deve compreender é que o maior erro é ser severo demais consigo mesmo.
-Tá, eu sei... mas eu não consigo me sentir uma pessoa boa, tendo pensamentos problemáticos em silêncio.
-Deixa de bobeira. Faz assim, ó: fica nesse canto ali que eu vou conversar com o pessoa, tá? Você só vai observar. Sem drama.
Guilherme se dirige a um dos internos do albergue. Érico observa.
-Quanto tempo, seu Mariano! Tá tudo bem com o senhor?
-Comigo tudo indo, Guilherme... que bom que você veio. Cê não faz ideia de como a sua presença faz diferença aqui.
-A única coisa que faz diferença aqui é a esperança de vocês. A vontade de nunca desistir. Me conta, conseguiu falar com o seu filho? Ele já voltou do exterior?
-Voltou, sim.
-Que maravilha! E você conseguiu visitar?
-Consegui. Ele deixou eu ficar uma semana com ele na casa que ele comprou. Mas sabe como é, recém-casado com a nova esposa... eu não quis dar trabalho...
Guilherme percebe que o senhor esconde algo.
-Ele te destratou?
-Não... não é bem isso. Eu só percebi que não era desejado ali... que eu virei um peso na vida do meu filho...
Guilherme consola o senhor e Érico observa a tudo, emocionado. CORTA A CENA.
CENA 7: Carla tenta conversar com Margarida sobre Érico.
-Mãe... você se importa se eu fizer algumas perguntas sobre o Érico?
-Claro que não... eu fico até feliz de você estar interessada na vida do seu irmão...
-Então... eu nem sei por onde começar, sem parecer indelicada.
-Começa pelo começo, ué... já não gostei desse começo, por sinal.
-Calma, mãe... a minha intenção não é criticar nem falar mal. É que eu tou tentando entender meu irmão... só isso.
-Sei... e o que você quer entender, especificamente?
-Sobre a sexualidade dele.
-Carla... isso não é nem da minha nem da sua conta. É uma questão exclusivamente dele.
-Mãe... não leva a mal. Mas é da nossa conta, sim. Sabe por que? Porque não sai da minha cabeça aquele dia que ele foi agredido. Se não fosse por minha intervenção, teria sido pior...
-Eu sei. Mas só quem pode decidir ser mais aberto em relação a isso é ele mesmo. Não podemos decidir isso por ele...
CORTA A CENA.
CENA 8: Horas mais tarde, Fábio chega com Cristina ao apartamento que dividia com Arlete. Os dois gargalham.
-Eu não aguento. Aquela mulher toda tonta de beber foi muito engraçado! - gargalha Cristina.
-Se não fosse a Idina pra ajudar a perua, a mulher teria se esborrachado no chão. Estaria no mínimo com o nariz quebrado agora. - diverte-se Fábio.
-Só fico com pena da gente não ter aproveitado mais o Cantinho...
-Ah, querida... acontece. Outro dia a gente vai lá e segura a risada quando alguém passar da medida na manguaça.
-Tem o lado bom... acho que no fundo nós dois estávamos procurando a primeira desculpa, o primeiro pretexto, pra vazar dali e vir pra cá.
-Cê acha?
-Certeza. Esse apartamento tem história. A nossa história.
-Você fica linda dizendo isso, sabia?
-Não sabia... mas você pode repetir isso quantas vezes quiser que eu nem reclamo...
Os dois vão ao quarto.
-Sabe, Fábio... é curiosa uma coisa.
-O que?
-De alguma forma, fico com a sensação que esse lugar foi feito pra nós...
-E foi...
Os dois se amam. CORTA A CENA.
CENA 9: Flavinho flagra Bernadete com expressão triste, sentada no sofá da sala.
-Tá tudo bem, Bernadete? Achei que você tava feliz pela segunda chance e por estar salva da doença...
-E eu tou feliz por isso, Flavinho... mas tem uma coisa que me machuca aqui dentro. Uma dor que acho que nunca vai sarar.
-O que?
-Não acho justo. Não é a ordem natural das coisas. Meu filho, cheio de vida e de saúde, ter ido antes de mim. O Leo só tinha vinte e sete anos, sabe? Um menino... sem doença. Não é certo. Não é justo ele ter ido antes de mim...
-Mas... olha, eu sei que tudo isso é triste. Eu sinto um pouco dessa tristeza todos os dias desde a tragédia. Mas isso não faz de você menos merecedora dessa segunda chance que a vida te deu.
-Merecimento? Que espécie de merecimento é esse, Flavinho? Difícil pensar nisso... quando um pedaço de mim, saído de dentro de mim, já não tá mais aqui nessa vida...
Flavinho, emocionado, abraça Bernadete. CORTA A CENA.
CENA 10: Cristina desperta na cama de Fábio e não o vê ali. No lugar dele, há uma carta.
“Querida... não se preocupe. Precisei sair cedo porque tive de ir para a minha antiga casa, onde mora minha ex. Não aconteceu nada, é porque eu tinha deixado minha escova de dentes e toalha lá... então precisei sair ainda antes do dia amanhecer. A gente se vê logo, tá? Não quero mais ficar longe de você. Você é um grande amor do qual não posso nem quero abrir mão. Te amo, Cristina... de um jeito que nunca amei ninguém. Um beijo, do teu Fábio.”
Cristina suspira apaixonada e murmura consigo mesma.
-Te amo, Fábio. Meu amor... meu grande amor...
Cristina se levanta e vê que tem café da manhã preparado na mesa. Antes de ir à mesa, Cristina vê uma agenda na estante.
-Estranho... uma agenda feminina?
Cristina abre a agenda e fica perplexa.
-Arlete Lombardi Ricci? Não pode ser...
Cristina fica atônita. FIM DO CAPÍTULO 56.
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