terça-feira, 31 de janeiro de 2017

CAPÍTULO 68

CENA 1: Flavinho acaba sendo reanimado por Gustavo, que lhe dá leves tapas na cara.
-Colabora, Flavinho! Quer uma água com gás?
-Por favor...
-Acho bom você melhorar, porque não sei como eu te reboco até meu apê se você apagar...
Gustavo chega ao seu prédio, depois de pagar um táxi e leva Flavinho, com alguma dificuldade, ao elevador.
-Quer fazer favor de colaborar que tou vendo que ocê tá bem acordado?
-Mas bebi demais, Gustavo... desculpa esse trabalho todo.
-Não peça desculpas. Quem nunca tomou um porre, não é mesmo? Mas você vai pra debaixo do chuveiro!
-Que? Não... banho gelado?
-E se teimar eu te amarro sim! Vai pro banho gelado e vai tomar café sem açúcar sim!
-Nossa, desse jeito eu preferia ter ido pra casa...
-Ah, claro... pra não chegar nem ao seu quarto e vomitar o caminho todo? Tá bom, Flavinho, ia ser super melhor!
-Nossa, cê acha que tou tão mal assim?
-Não acho, tenho certeza. Cê mal consegue se manter em pé, cara!
Gustavo leva Flavinho ao chuveiro e tira suas roupas. Flavinho reluta em ir para o banho gelado, mas acaba desistindo de resistir. Gustavo sente uma súbita atração por Flavinho e procura disfarçar.
-Anda com esse banho de uma vez, Flavinho? Deus me livre, parece criança!
-Bêbado é meio criança, não é?
-Sem gracinha, daqui a pouco a água pro seu café ferve e eu não quero ferrar com a minha chaleira!
Instantes se passam e Gustavo empresta roupas suas para Flavinho vestir.
-Toma essas minhas roupas aqui. E vem tomar seu café logo que eu não aguento mais olhar pra essa sua cara de quem tá prestes a ter intoxicação alcoólica!
Flavinho acompanha Gustavo e bebe o café.
-Credo, isso aqui é amargo demais!
-E é pra ser! Pra ver se ocê volta um pouco mais a si.
-Desculpa essa trabalheira toda, Gustavo... eu não imaginava que tivesse ficado fraco assim pra bebida.
-Ei... sou o Gustavo, lembra? Não precisa pedir desculpa.
-Mas eu dei uma trabalheira danada... tudo isso porque passei meses sem beber e não me dei conta que podia ter ficado menos resistente.
-Deixa de bobeira, Flavinho... a gente é amigo, esqueceu? Já faz tanto tempo...
-Nem fala. A vida parecia ser tão mais simples lá em BH...
-Mas não era... a real é que a gente passava até por mais dificuldade...
-Mas sempre tivemos uns aos outros. Até mesmo a doida da Patrícia já segurou algumas barras...
-Disso você não tenha dúvida... assim como a gente sempre teve um ao outro, isso não mudou aqui no Rio...
-Sabe, por um tempo eu pensei que tivesse mudado. Que a gente tivesse se perdido no meio dessas coisas todas... da correria, das tragédias que eu e a sua irmã vivemos...
-A Valéria é uma fortaleza. E você também é, sabia disso?
-Acho engraçado, isso... todo mundo me diz que sou forte. Mas eu não me vejo forte. Eu não me sinto forte.
-A gente sempre duvida da própria força... até que ela é posta à prova.
-É, mas bem que as minhas podiam ter sido colocadas à prova menos vezes do que tem sido nesses últimos vinte e sete anos...
-Que exagerado, você! Do jeito que fala, parece que sua vida inteira foi um desafio imenso.
-E não foi? Eu sempre sabendo que era diferente. Eu vendo meu pai morrer quando eu era criança ainda... e a minha mãe casando com aquele cafajeste homofóbico do Mário... nunca foi fácil, ocê sabe disso...
-Mas você sempre teve a mim e à Valéria, não teve? Depois veio o Leo e... desculpa, eu não devia ter falado.
-Fala, sim... é tudo verdade. E o Leo foi importante nisso também. Me ajudou a crescer quando eu pude ver sob a perspectiva de outra pessoa.
-Ei... conta sempre comigo, viu? Quando eu digo sempre... é de verdade.
Os dois se abraçam. CORTA A CENA.

CENA 2: Daniella conversa com Cristina, antes de dormir.
-Eu sei que não devia ser tão intransigente com o Gustavo... eu realmente amo ele, mana...
-Se realmente ama, por que insiste nessa coisa de ser tão irredutível?
-Sabe o que é? É medo...
-Medo exatamente do que? De amar?
-Não! Disso eu não tenho mais medo... tanto que admito que amo o Gustavo como nunca amei ninguém... é maior que isso.
-Olha, pra alguma coisa ser maior que o amor... realmente, Dani...
-Olha só quem fala, né? Cê deixou o Fábio se mandar pro exterior e até agora nem pensou em falar pra ele que ele vai ser pai outra vez.
-Você quer realmente comparar uma coisa com a outra? Daniella, isso nem faz sentido! Cê tá grávida, por um acaso? Não! Quando estiver, vai entender que o corpo é seu e que quem decide se vai ou não falar sobre a própria gestação é a gestante!
-Ai, credo, não precisa se exaltar desse jeito, eu hein... vai me morder, também?
-Desculpa, mana... devem ser os hormônios...
-Tou vendo...
-Mas do que cê tem medo, afinal de contas?
-De que esse romantismo todo oculte coisas nada agradáveis.
-Cê tá falando de relações abusivas?
-Exatamente. Conheço muitas histórias, muitos relatos. E desconfio demais do romantismo, sabe? Quase sempre funciona como armadilha.
-Eu sei disso. Mas qual foi o indício concreto que o Gustavo deu até hoje de que ele pode se tornar abusivo?
-Bem... que eu possa afirmar... nenhum.
-Tá vendo como as suas convicções podem estar atrapalhando tudo? E se ele for realmente o amor da sua vida e você estiver deixando passar, por puro medo?
-E se o meu medo se justificar? Mana... eu não tenho medo da solidão... eu gosto da minha companhia.
-Mas talvez um dia você sinta falta de algo a mais.
-Até o momento eu não sinto que seja uma questão de sobrevivência na minha vida. Talvez nunca sinta.
-Só toma cuidado, mana... porque o amor pode passar pela sua vida e não voltar mais...
CORTA A CENA.

CENA 3: Na manhã do dia seguinte, Gustavo está tomando café da manhã quando Flavinho surge, bem disposto.
-Bom dia... nossa, que fome!
-Não se faça de rogado e coma o quanto quiser que aqui ocê tá em casa!
-Desculpa pelo trabalhão que te dei ontem.
-Ai, Flavinho, que chato você! Sempre com essa mania de pedir desculpa! Já te falei que tá tudo de boa! Ocê sabe que eu tomei altos porres na adolescência, não sabe?
-Eu sei, mas a diferença é que hoje a gente tá mais perto dos trinta do que dos vinte, então já viu...
-Deixa de bobeira.
-Tou impressionado que não tou nem com um pingo de ressaca... do jeito que eu passei mal ontem, era pra eu estar com a cabeça explodindo de tanta dor!
-Sabe o que foi isso? A minha receita infalível: banho gelado, mais café sem açúcar e depois uma bomba calórica cheia de carboidratos. Não tem erro: a pessoa acorda nova em folha!
-Você tem tantos truques, tantos segredos... às vezes me esqueço disso.
-Uai, eu não tenho segredo nenhum, sempre que as pessoas me perguntam eu falo as coisas. Só que se não perguntam, eu até esqueço de dizer. Como o fato de eu ser bissexual, por exemplo.
Flavinho quase engasga com o café.
-O que?
-Vish, ocê não sabia? Jurei que a Valéria tinha te contado...
-A Valéria? Que é mais avoada que ocê? Nunca, Gustavo... ela nunca me contou!
-Gente, que coisa, isso! Fica parecendo que eu tava me escondendo, fazendo segredo... mas juro que não tava, Flavinho! Que coisa, isso...
-Eu fiquei surpreso. Nunca imaginei que ocê pudesse gostar de meninos também.
-Uai, não lembra do Júlio?
-O que? Não vai me dizer que ocês dois...
-Exatamente.
-Chocado! Então a Patrícia dava piti e ataque de ciúme depois que...
-Exatamente. Depois que eu contei pra ela que eu tive um relacionamento com ele...
-Gente... bem, acho que a gente vai acabar atrasando pro trabalho se ficar se enrolando com esse café... melhor a gente se apressar.
CORTA A CENA.

CENA 4: Anoitece. Flavinho chega em casa do trabalho e vai diretamente ao quarto de Valéria.
-Valéria... cê tá ocupada?
-Não... o livro pode esperar mais um pouco.
-Ótimo... eu queria ter um papo com você.
-Uai, por que? Foi alguma coisa que eu fiz? Ói, se tiver a ver com alguma coisa que eu deixei passar, nem vem que eu já era avoada antes de engravidar, agora tou pior ainda...
-Não, boba... quer dizer, sim e não.
-Ocê tá me deixando ainda mais confusa. O que é?
-Sobre o seu irmão.
-Vish, mas o que eu posso falar sobre ele? Peraí... eu tou lembrando da sua empolgação quando descobriu o trabalho dele lá na...
-Não! Não viaja, Valéria...
-Se eu tou viajando, você é a Lady Di. Mas enfim... o que é que tem meu irmão?
-Ocê sabia que ele é bissexual?
-Mas que pergunta! Claro que sabia!
-E por que nunca me contou?
-Porque não achei relevante e porque esqueci, uai! Alguma coisa ia mudar?
-Bem, não ia... mas achei que ocê me contasse tudo.
-Mas eu conto, bobinho... de tudo o que eu lembro, claro.
-É, mas é estranho ocê nunca ter lembrado de falar sobre o Gustavo...
-Posso saber por que? Não vai dizer que ocê tá afim dele? Eu sabia! Desde aquele dia que ocê chegou com os olhos brilhando!
-Quer parar? Não é nada disso. Ele é meu amigo. E me contou que é bi. E quer saber de um negócio? Eu não ficaria com um bissexual.
-Uai, posso saber por que?
-Porque eu não confio em bissexuais.
Valéria se choca.
-Flavinho... ocê tá se ouvindo falando? Olha o tamanho do absurdo! Um viado com preconceito...
-Quem disse que é preconceito? Imagina eu conviver com a ideia de que eu posso ser trocado por uma mulher? Duvidar da fidelidade dele? Não, minha querida... comigo, bi não se cria. Ou se decide, ou cai fora.
-Flavinho, cê tá falando merda, na boa. Bissexual não é indeciso. Não é infiel. Porra, sério... vai dormir. Ocê tá todo errado e eu não quero discutir. Mas vê se pensa nesse monte de preconceito aí... bicha, melhore. Tá precisando e muito!
CORTA A CENA.

CENA 5: Patrícia caminha com Daniella pela rua enquanto elas conversam.
-Sabe, Dani... eu tou fazendo muito esforço pra melhorar. Pra parar com minhas crises de ciúme e possessividade.
-Eu sei que cê tá fazendo esforço. Só de você passar esse tempo todo sem se sentir dona do Gustavo, já é um puta progresso!
-Nem fala... mas sabe uma coisa que eu não consigo engolir ainda e me sinto mal por isso?
-O que?
-O fato de que ele pode acabar se apaixonando por um cara.
-A gente sabe que isso pode acontecer. Você sabe a mais tempo que eu... deveria ter se acostumado.
-Mas não consigo... pra mim é tranquilo saber que fui trocada por uma mulher. Mas por um homem... é muita humilhação.
-Por que humilhação?
-Eu me sentiria um fracasso como mulher.
-Tenta seguir adiante, mas completamente, amiga... de alguma forma, você ainda nutre uma ponta de esperança que vocês voltem...
-Conscientemente eu sei que isso não vai rolar... mas fala isso pro meu coração?
As duas seguem conversando enquanto caminham em direção à pensão que Patrícia mora. CORTA A CENA.

CENA 6: Elisabete é surpreendida por uma chamada de vídeo de Fábio.
-Me chamando a uma hora dessas? Já não é madrugada aí?
-É... mas te vi online e pensei que podia ligar. Tudo bem?
-Tudo certo... como vão as coisas aí?
-Não vão mais.
-Como assim, Fábio?
-Comprei mais cedo a passagem de volta pro Brasil.
-Como é que é? Gente... essa realmente me pegou de surpresa. O que mudou?
-Eu mudei. Melhor dizendo, pensei melhor sobre tudo.
-Tenho a nítida sensação de que isso tem diretamente a ver com a Cristina...
-E tem a ver. Eu acho que já esperei tempo suficiente.
-Ai, meu Deus... tenho até medo do que cê vai dizer depois disso... já te ocorreu que o seu tempo não é o dela?
-Sim... mas pra mim foi suficiente. E eu não quero passar mais um dia sem dizer que preciso dela.
-Fábio, meu querido... você precisa se preparar pra tudo... inclusive pra possibilidade de ela simplesmente resolver continuar rompida com você...
-Engraçado... do jeito que cê fala, parece que tá sabendo de algo e não quer me dizer.
-Eu? Mas que ideia... de onde que cê tirou uma coisa dessas?
-Da sua expressão. Eu sei quando você tá escondendo algo.
-Que ideia de jerico, que coisa mais sem pé nem cabeça... não tou escondendo nada. Você sabe que sempre falo das minhas coisas pra você...
-E se não forem suas? E se alguém tiver pedido pra guardar segredo? Você guarda segredos como ninguém, sempre foi assim...
-É, mas dessa vez não tem nada. Fábio, meu querido... eu vou precisar desligar porque meu dia ainda não acabou e parece que não vai acabar tão cedo. Que você faça uma boa viagem, voltando pro Brasil. Beijo!
-Beijo, Bete...
CORTA A CENA.

CENA 7: Ao preparar um café, Elisabete é surpreendida por Maurício.
-Gostei de ver, mãe! Sua postura com o pai foi excelente!
-Ai que susto, menino! Já falei tantas vezes pra você não ouvir a conversa dos outros atrás da porta...
-Mãe... você não é os outros. E eu me importo com você. E quer saber de uma coisa? Tou cheio de orgulho.
-Eu, hein... eu que tomo café pra esperar mensagem da Susi e você que fica muito ligadinho? Orgulho do que, menino?
-De ver você cada vez mais livre.
-Mas livre eu sempre fui... só não tinha a consciência disso.
-É justamente por isso, mãe... que eu acho que tá na hora de uma revolução.
-Revolução do que, Maurício? Eu sei que você torce pra eu encontrar alguém, mas não força uma barra.
-E eu preciso forçar? Você já encontrou alguém. Só não quer admitir.
-De novo esse papo de atirar a Susi pra cima de mim? Francamente, Maurício... entende uma coisa, meu filho mais amado...
-Claro, sou seu único filho...
-Não brinca que cê entendeu o que eu quis dizer... prosseguindo: entende que as coisas às vezes precisam de tempo. Eu preciso entender o que tá acontecendo...
-Pelo menos temos um começo. Vou pro meu quarto. Mas se eu fosse você, não demorava muito pensando, viu?
CORTA A CENA.

CENA 8: Elisabete está quase se preparando para dormir, quando seu telefone toca.
-Até que enfim, Susi! Você ficou de me ligar mais cedo e eu achei que você tinha esquecido...
-Desculpa, Bete... acabei me enrolando com alguns afazeres. Coisas de mãe, se é que você entende...
-Se tem uma coisa que entendo, é disso... foi muito corrido o dia, hoje?
-Foi. Mas não suficiente pra me deixar cansada. Eu tava pensando em dar uma passada no Cantinho Francês, sabe? O pub da atual do meu ex... gente, aquele lugar é maravilhoso! Cê quer ir comigo?
-Ai... faz tanto tempo que eu não saio de noite...
-Topa, vai! Vai ser ótimo!
-Tá certo... a gente se encontra lá...
-Em quanto tempo?
-Acho que levo uma meia hora pra chegar.
-Perfeito, querida... a gente se vê lá. Beijo!
CORTA A CENA.

CENA 9: Bernadete conversa com Hugo e Valéria sobre a expectativa sobre o bebê.
-Cês não tem essa curiosidade? Todo dia eu penso em como vai ser a cara do meu neto... - fala Bernadete.
-Não pensei muito nisso... mas imagina se sai parecido com o Leo? - despista Hugo.
-Eu penso nisso todos os dias. Algo me diz que ele vai ter olhos verdes, como os do Leo... - fala Valéria.
-Mas sabe, gente... eu fiquei pensando numa coisa, agora. Tá certo que a Giovanna não é nem nunca foi santa, que ela teve um caso com você, filho, mas... eu fico com a impressão de que vocês se escondem dela. Que não assumem publicamente o amor de vocês por medo dela. Como se ela representasse algum risco... - fala Bernadete.
-Então, Bernadete... sabe o que é? É que eu tive um pouco de medo dela, desde o começo... daí o Hugo respeita isso em mim, mesmo achando meio bobo que eu tenha medo de uma pessoa sem nem conhecer direito... mas eu juro que não tem nada com ciúme aqui, sou supertranquila... - fala Valéria.
-Tranquila até a página dois, né? Mas enfim... mãe, a gente vai subir. Eu tou exausto e imagino que a Val também esteja... - fala Hugo.
CORTA A CENA.

CENA 10: Elisabete e Maria Susana se divertem e dão risadas, bebendo cerveja.
-Que horror, eu achei que ainda tinha fôlego pra dançar três músicas... tou quebrada!
-Quebrada você, Bete? De jeito nenhum! Cê tá é enferrujada, mas tá muito jovem ainda... tem muito o que aproveitar e dançar nessa vida, viu?
-Você fala isso porque tem menos de quarenta...
-Nossa, grande diferença! Só temos oito anos de diferença, nem é tanta coisa...
-Ah, mas isso faz diferença pra disposição. Eu estou ficando velha. Daqui a pouco, tudo isso cai...
-Que exagero, Bete... você ainda é jovem. E linda. Linda de verdade!
-Você acha? Logo você, Susi... tão elegante, tão bonita... tão dona de si...
-Você realmente acha tudo isso de mim?
-Acho sim... você é incrível!
As duas se sentem atraídas uma pela outra.
-Eu não sei o que tá acontecendo aqui, Bete... mas eu...
Elisabete e Maria Susana se beijam.
FIM DO CAPÍTULO 68.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

CAPÍTULO 67

CENA 1: Valéria insiste em interromper conversa de Hugo e Hugo decide avisar Giovanna.
-Giovanna... só um momento. Tem umas coisinhas aqui pra eu resolver. Não precisa desligar, tá? Segura na linha... - fala Hugo, tapando a saída de som do celular.
-O que foi, Valéria?
-É a Giovanna, é isso mesmo que entendi?
-Foi o nome dela que eu disse, não foi?
-Olha lá o que ocê vai falar com essa mulher, Hugo... olha lá...
-Me poupe, Valéria. Ela tá lá na Finlândia, sabe?
-Sim, mas ela volta logo. E a gente, como fica?
-Não viaja. Deixa eu falar com ela, por favor?
-Tá... fala com ela. Mas pres'tenção no que ocê vai dizer...
Hugo volta a falar com Giovanna.
-Voltei... tava resolvendo umas pequenas questões aqui. Como vão as coisas aí na Finlândia?
-Frias. Congelantes, pra ser mais sincera. Mas as pessoas daqui são ótimas. E tem cada bazar maravilhoso que só vendo pra crer...
-Imagino que você deva estar sentindo falta do calor aqui do Rio.
-Do calor? Jamais! Do Rio, sim! Mas detesto calor, você sabe o quanto sempre detestei. Mas me diz, como anda você? Já encontrou alguém e me esqueceu?
-Não fala assim, Giovanna, cê sabe que a gente teve uma história.
-Você fala isso no passado. Certamente já achou alguém e só não quer me dizer.
-E se eu tiver achado? Qual o problema?
-Problema nenhum, só esperava que não fosse tão rápido...
-Giovanna, você precisa entender que...
Valéria interrompe novamente.
-Hugo, desliga agora que ocê quase falou de nós pra Giovanna...
Hugo obedecer ao alerta de Valéria.
-Giovanna... vou precisar desligar, Tenho muito o que resolver por aqui, agora. Beijo!
Hugo desliga e confronta Valéria.
-Valéria, se eu decidisse contar sobre a gente, o que é que tem?
-Ai, Hugo... francamente! Você esquece por acaso quem é a Giovanna? Essa mulher não brinca em serviço.
-Justamente por isso. Em vez de deixar ela desconfiada de alguma coisa, não seria melhor esclarecer toda a verdade?
-Seria. Mas olha a nossa situação. Eu esperando um filho de um cara que me chamou de golpista pra baixo. Eu presa nesse mal entendido que seu pai fez questão de alimentar. Qualquer investigação mais apurada no meu passado chega nisso. E eu sou quem mais perde se o ódio da Giovanna se voltar contra mim. Será que agora você tem a dimensão de tudo?
-Tá, amor... eu sei que cê tem seus motivos pra ter medo... não é pra menos. Mas vem cá, isso não é um pouco de exagero?
-Ah, meu querido... quando se trata da Giovanna, nunca penso que é exagero. Eu vi a chama do ódio ardendo naqueles olhos. E posso te dizer que eu vi um vulcão ali. No pior sentido.
-Valéria... eu conheço a Giovanna há quase treze anos, não acho que ela seja esse monstro que cê anda pintando...
-Até outro dia, ocê jamais ia pensar que ela ia aprontar aquela pataquada diante da Cristina, né? Hugo... se aquilo ali não foi descontrole, eu não sei mais o que é... e do mesmo jeito que ela perdeu a linha ao perceber que não podia obrigar você e a Cris a se casarem, ela pode continuar se descontrolando por outras coisas, toda vez que perceber que não tem o controle de algo... ou alguém. Como você, por exemplo...
-Mas e se ela não se descontrolar?
-Amor... ela se descontrolou por perder o controle sobre o casamento que ela pensava que tinha arranjado p'rocê... só pensa no que ela pode fazer quando ela souber que perdeu completamente o domínio que pensava que tinha...
-É... boa que essa reação não vai ser.
-Ocê sabe que eu tou certa. E sabe que é melhor manter silêncio por enquanto. Pelo menos até o bebê nascer e a gente oficializar nossa união...
-Ainda falta tanto...
-Mas não tem outro jeito, Hugo. Arriscar não é uma opção.
CORTA A CENA.

CENA 2: Na manhã seguinte, Bernadete observa Flavinho fazendo o desjejum durante o café da manhã e vai até ele.
-Dormiu bem, querido?
-Muito bem... e você?
-Cada vez melhor. Impressionante como todo dia eu sinto que tenho mais fôlego e disposição!
-Que bom, Bernadete... fico tão feliz de te ver recuperada!
-E eu mais feliz ainda de poder ter essa oportunidade. Acima de tudo, pela possibilidade de ver a vida sob uma nova perspectiva... senão nova, pelo menos diferente.
-Diferente?
-Deixa pra lá, querido... às vezes eu devaneio e vou longe com as coisas que falo nessas divagações...
-Eu adoro essas coisas, Bernadete... pode falar essas divagações que eu adoro!
-Engraçado... por um momento me lembrou o Leo...
-Oi? Como assim?
-O seu jeito... a sua reação. Ele amava quando eu começava a filosofar aleatoriamente. Sempre pedia pra eu continuar até não poder mais... e você me lembrou ele, agora.
-Ah, mas é bom ouvir essas coisas, pensar nas coisas...
-Não é só por isso, Flavinho...
-E é o que?
-Seus gestos. Seu jeito de espalhar a margarina no pão, sempre começando pelos lados pra só depois chegar ao centro.
-Deve ser coincidência. Sei que não é uma forma convencional, mas deve ter mais gente que faz...
-Até seu jeito de se justificar lembra ele.
-Nossa... é pra tanto?
-Vocês eram amigos, né? Devem ter convivido um bocado.
-Sim, dividíamos a mesma casa.
-Deve ser por isso que me sinto tão afeiçoada a você. Você devia ser muito próximo dele... eu sinto isso.
-E eu era. Não foi fácil aceitar que ele morreu... mas a gente segue.
-Te deixei sem graça?
-Acho que me deixou um pouco, sim...
-Sem problemas, mudamos o assunto. Mas antes, me passa a geleia de pimenta, por favor?
CORTA A CENA.

CENA 3: José é surpreendido por Idina lhe servindo café na cama.
-Bom dia, meu querido!
-Bom dia, amor... isso nem é justo! Eu que deveria fazer isso por você...
-Ah, José... quer deixar eu mimar meu namorado de vez em quando, faz favor?
-Só não quero ficar mal acostumado.
-Não vai ficar. Sabe por que?
-Por que?
-Você tem consciência das coisas. Sabe muito mais do que pensa que sabe. E ainda vai descobrir isso.
-Nossa... esses damascos desidratados estão deliciosos! Não quer uns?
-Eu comprei porque sei que você gosta. Eles são todos seus.
-Depois não quer que eu fique mal acostumado, Idina...
-Sei que não vai. Sabe, amor... eu tou realmente admirada com o seu crescimento em tão pouco tempo.
-Como assim? Não entendi.
-Em tudo. Na sua disposição a desconstruir não só o racismo, mas todos os preconceitos que existiam e ainda existem aí...
-Ah, amor... não é mais que minha obrigação. Tenho que aproveitar enquanto sou jovem, ainda... quer dizer, nem tão jovem assim.
-Você fala como se ter trinta e quatro anos fosse o fim do mundo.
-Trinta e cinco mês que vem, esqueceu? Não é o fim do mundo, mas...
-Amor, eu sei que você não gostou quando falei disso antes, mas continuo achando que você leva muito jeito pra entra na política. A sua consciência social pode fazer uma diferença imensa nos dias de hoje nesse país...
-Sabe, quando eu era mais jovem eu cheguei a me envolver com movimentos sociais, de esquerda. Eu sempre fui e sempre vou ser de esquerda, mas... daí a encarar a vida pública? Há uma distância...
-Se você decidir pela vida pública, saiba que eu vou estar te apoiando sempre. E que isso não é apenas restrito a mim como namorada, noiva ou esposa: meus serviços de advogada e socióloga estarão completamente voltados pra isso...
-Desse jeito você me deixa até pensativo...
-Pois pense. Uma hora vai ser preciso deixar de hesitar...
CORTA A CENA.

CENA 4: Hugo acompanha Valéria em consulta pré-natal.
-Amor, não vai ser ruim pra agência ocê se atrasar assim?
-Por você eu nem iria se fosse necessário. Já avisei o pessoal. Eles dão conta tranquilamente, confia em mim que eu sei bem o que tou falando e com quem tou lidando...
-Bem, se você diz... ai, Hugo... eu tou com uma sensação de que hoje vai dar pra saber com certeza o sexo do meu filho... imagina só que lindo se a gente já tiver certeza e poder ir pensando num nome?
-Vai ser ótimo... e eu tou torcendo muito pra que a gente já saiba...
-Vamos torcer...
A médica se aproxima.
-Valéria Varela de Andrade, por favor... - fala a médica.
-Oh, me distraí aqui, desculpe doutora Laura... - fala Valéria.
Hugo acompanha as duas. A médica fica curiosa enquanto inicia o exame.
-É seu marido? - pergunta a médica.
-Namorado. A gente tá planejando casar... - esclarece Valéria.
A médica segue com o exame. Hugo e Valéria observam a tudo com expectativa.
-Então, doutora? Já dá pra saber o sexo do bebê? - pergunta Hugo.
-Sim. É um menino. Vocês conseguem ver? Eu vou destacar aqui pra vocês enxergarem com clareza... - fala a médica, indicando.
Valéria e Hugo se emocionam.
-Eu sempre soube... sempre senti que era um menino! Agora só falta pensar no nome dele... - emociona-se Valéria.
-A gente ainda vai ter tempo, amor... tem mais de cinco meses pela frente, ainda... - fala Hugo.
-Seu namorado tem razão, viu? Às vezes eu vejo os casais com uma pressa imensa de dar um nome aos filhos e sempre penso que a pressa pode gerar arrependimentos depois... - fala a médica.
-Verdade, doutora Laura... no mais, como vai a saúde do bebê? - pergunta Valéria.
-Tudo na mais perfeita ordem. Batimentos em conformidade com o que se espera pra esse estágio do desenvolvimento do feto, tamanho e peso dentro da normalidade também... tá tudo perfeito, não se preocupem! - fala a médica.
Valéria e Hugo seguem conversando com a médica. CORTA A CENA.

CENA 5: Horas depois, Valéria chega em casa e vai contar a novidade para Bernadete.
-Bernadete, ótimas notícias. O bebê não apenas tá ótimo como já deu pra confirmar o sexo!
-Não brinca... é mesmo? E o Hugo não deveria ter voltado com você?
-Nada! Falei pra ele se mandar pra agência que ia ser melhor. Mas ele ficou tão feliz, ocê tinha que ver...
-Fala logo, menina! É menino ou menina?
-Vai ser menino, Bernadete! Como eu sempre sonhei!
-Que lindo! Ai, me dá um abraço, vai!
Leopoldo chega nesse momento e estranha.
-Nossa, aconteceu algo de extraordinário pra esse momento ternura? - pergunta Leopoldo.
-Você podia pelo menos tentar ser mais agradável, Leopoldo... a Valéria tá esperando um menino e isso foi confirmado, sabia? Seu neto vai ser um meninão! - vibra Bernadete.
-Que ótimo! Quer dizer que vem mais um menino pra família... - fala Leopoldo.
-Nossa, amor! Cê podia ser mais empolgado com isso, não? Eu vou subir pra tentar arrumar uma câmera antiga minha, você trate de não ser grosso com a Valéria, viu? - fala Bernadete, subindo.
Leopoldo encara Valéria, aflito. Valéria estranha.
-Que aflição é essa na sua cara, seu Leopoldo?
-Medo que toda a farsa acabe sendo desmascarada.
-Não vejo porque disso acontecer agora. E não fui eu quem alimentou tudo isso. Agora, se ocê me dá licença, quem vai subir sou eu, porque quero tirar uma soneca.
CORTA A CENA.

CENA 6: Durante almoço, Gustavo percebe Flavinho triste.
-Ei, Flavinho... o que te deu? Cê mal tocou na comida...
-Memórias, Gustavo... aquelas que a gente não consegue evitar.
-Tem a ver com o Leonardo?
-Tudo a ver. Sabe... a minha vida era outra até cinco, seis meses atrás. Eu tinha tudo... um amor que eu sabia que podia ser pra vida toda, uma casa, planos pro futuro... de repente eu não tenho mais nada disso...
-Mas tem uma nova família, não?
-Eu sei que tenho. E sou muito grato por isso. Mas é difícil não poder desabafar com a Bernadete... fica a sensação de que tou sempre pisando em ovos, sabe?
-Será que ocê não tá se cercando de cuidados demais?
-Cuidados demais, Gustavo? A Bernadete nem sonha que o filho era gay! E a culpa dessa alienação foi do seu Leopoldo...
-Bem, justamente por isso, né! Ela não tem culpa... nem você, muito menos o Leonardo, que Deus o tenha...
-Mas tudo isso me consome, Gustavo... dificulta demais as coisas. Me suga as energias, me rouba a alegria de viver, muitas vezes...
-Cê não acha que tá focando as energias no lado errado?
-Fica difícil não pensar em tudo isso... eu mal tive tempo de viver meu luto pela perda do Leo. Eu choro escondido... com medo de acabar sendo flagrado por alguém. Eu controlo as coisas que converso com sua irmã sempre com medo de que a Bernadete escute demais e isso resulte em um grande trauma pra todos... entende agora?
-Entendo... mas talvez ocê não esteja enxergando as coisas com clareza. E se ela reagir bem ao saber que o filho era gay e que você era o grande amor dele?
-Eu queria que as coisas fossem assim, meu amigo... eu queria! Mas sei que, na prática, pode ser bem diferente. A Bernadete foi alienada e manipulada por anos a fio pelo próprio marido. É difícil romper essas barreiras. Eu queria poder ser sincero e honesto e falar sobre o amor lindo que eu vivi com o Leo... mas sei que não posso. E esse condicionamento me aprisiona...
CORTA A CENA.

CENA 7: Mônica elogia Alexandre após eles voltarem de mais um ensaio fotográfico.
-Rapaz, cê tá me saindo muito melhor que a encomenda, sabia?
-Ah, Mônica... eu só faço o que posso, mas no fundo ainda sou tri inseguro...
-Pois não devia, sabia? Você tem talento... mas é mais que um simples talento... é um jogo de cintura... é uma vocação pra estar ali, diante das câmeras ou desfilando. É como se você já tivesse nascido sabendo disso.
-Não exagera. Não é pra tanto. Com um pouco de foco, qualquer um pode fazer o que eu faço.
-Mas não com a sua maestria. Não com a sua desenvoltura. Isso é coisa de quem nasceu pra coisa. E não é pra qualquer um. O Bruno, por exemplo, ele tem um talento incrível e também nasceu pra coisa, problema é que não se foca o suficiente e acaba culpando fatores externos...
Bruno escuta a conversa e se incomoda.
-Ei, eu tou ouvindo essa conversa, viu? Eu sei que eu posso não ser o próximo supermodelo do Brasil, mas não é pra me esculhambar desse jeito, viu? - fala Bruno, indo da sala ao quarto.
Raphaela o segue.
-Ei, dava pra disfarçar melhor a inveja que cê sentiu do Alexandre?
-Ah, que foi agora, Raphaela? Eu tenho que engolir a Mônica babando ovo pro gauchinho e fingir que não tou sendo colocado pra escanteio? Francamente, pô!
-Invejosos acabam sendo esquecidos no mundo da moda. Com os seus anos de estrada, você devia saber disso, meu querido...
-Vai ver se eu tou na esquina e para de me encher de liçãozinha barata de moral, vai...
Raphaela deixa o quarto. CORTA A CENA.

CENA 8: Daniella almoça com Cristina e Cristina lhe questiona sobre relacionamento com Gustavo.
-Olha, mana... eu sei que não sou ninguém pra me meter na sua vida, mas...
-Como assim, ninguém? Cris, cê pode se meter o quanto quiser... eu sempre te dei essa liberdade.
-Eu andei pensando nessas idas e vindas suas com o Gustavo.
-Ah, mana... é difícil pra mim também. Eu sei que eu amo. Mas sei que não quero um compromisso agora...
-Mas assumiu esse compromisso antes. E agora diz que não quer mais.
-Sim, eu assumi esse compromisso. Mas foi algo de impulso, que eu deveria ter refletido melhor.
-Posso saber por que?
-Porque eu sempre tive claro pra mim que não ia me prender a homem nenhum nem modificar minha vida e meus planos por macho...
-Sim, isso é louvável. Mas em que momento isso impede um relacionamento?
-Ah... é que...
-Mana... se liga... cê pode estar perdendo a chance de estar do lado do amor da sua vida...
-Olha quem fala...
-Ah, é assim? Passa esse seu quiche agora que me deu desejo!
As duas riem. CORTA A CENA.

CENA 9: Horas depois, Gustavo procura Flavinho.
-Ei... tá ocupado agora?
-Não... acabei de trocar o medicamento da Virgínia.
-Ótimo... sabe o que é? Andei pensando num jeito de te deixar mais animado.
-Oi? Como assim, Gustavo?
-Pensei que a gente podia dar uma esticada, depois do trabalho. Beber alguma coisa, sabe?
-Nossa... faz tanto tempo que não bebo que tenho até medo de pagar mico.
-Aceita, vai! Sou eu, esqueceu? Não tem nada seu que eu já não tenha visto.
-Nem precisa lembrar. Intimidade às vezes é uma bosta, né?
-Aceita dar uma esticada comigo?
-Tá, eu aceito!
CORTA A CENA.

CENA 10: Horas depois, na saída do bar, Flavinho começa a passar mal e Gustavo o acode. Flavinho se envergonha.
-Viu? Eu disse que ia acabar pagando mico.
-Relaxa, Flavinho... quem nunca tomou porre que atire a primeira pedra...
-Eu preciso chamar um táxi.
-Nesse estado? Negativo. Cê vai pra minha casa e não se fala mais nisso!
-Mas e a Bernadete?
-Deixa que eu aviso todo mundo lá na sua casa.
-Isso é sério?
-E por que não haveria de ser? Nesse seu estado, você não consegue nem subir pro seu quarto.
Flavinho sente uma tontura e quase desmaia. Gustavo o segura e Flavinho sente atração por ele.
FIM DO CAPÍTULO 67.