CENA 1: Flavinho acaba sendo reanimado por Gustavo, que lhe dá leves tapas na cara.
-Colabora, Flavinho! Quer uma água com gás?
-Por favor...
-Acho bom você melhorar, porque não sei como eu te reboco até meu apê se você apagar...
Gustavo chega ao seu prédio, depois de pagar um táxi e leva Flavinho, com alguma dificuldade, ao elevador.
-Quer fazer favor de colaborar que tou vendo que ocê tá bem acordado?
-Mas bebi demais, Gustavo... desculpa esse trabalho todo.
-Não peça desculpas. Quem nunca tomou um porre, não é mesmo? Mas você vai pra debaixo do chuveiro!
-Que? Não... banho gelado?
-E se teimar eu te amarro sim! Vai pro banho gelado e vai tomar café sem açúcar sim!
-Nossa, desse jeito eu preferia ter ido pra casa...
-Ah, claro... pra não chegar nem ao seu quarto e vomitar o caminho todo? Tá bom, Flavinho, ia ser super melhor!
-Nossa, cê acha que tou tão mal assim?
-Não acho, tenho certeza. Cê mal consegue se manter em pé, cara!
Gustavo leva Flavinho ao chuveiro e tira suas roupas. Flavinho reluta em ir para o banho gelado, mas acaba desistindo de resistir. Gustavo sente uma súbita atração por Flavinho e procura disfarçar.
-Anda com esse banho de uma vez, Flavinho? Deus me livre, parece criança!
-Bêbado é meio criança, não é?
-Sem gracinha, daqui a pouco a água pro seu café ferve e eu não quero ferrar com a minha chaleira!
Instantes se passam e Gustavo empresta roupas suas para Flavinho vestir.
-Toma essas minhas roupas aqui. E vem tomar seu café logo que eu não aguento mais olhar pra essa sua cara de quem tá prestes a ter intoxicação alcoólica!
Flavinho acompanha Gustavo e bebe o café.
-Credo, isso aqui é amargo demais!
-E é pra ser! Pra ver se ocê volta um pouco mais a si.
-Desculpa essa trabalheira toda, Gustavo... eu não imaginava que tivesse ficado fraco assim pra bebida.
-Ei... sou o Gustavo, lembra? Não precisa pedir desculpa.
-Mas eu dei uma trabalheira danada... tudo isso porque passei meses sem beber e não me dei conta que podia ter ficado menos resistente.
-Deixa de bobeira, Flavinho... a gente é amigo, esqueceu? Já faz tanto tempo...
-Nem fala. A vida parecia ser tão mais simples lá em BH...
-Mas não era... a real é que a gente passava até por mais dificuldade...
-Mas sempre tivemos uns aos outros. Até mesmo a doida da Patrícia já segurou algumas barras...
-Disso você não tenha dúvida... assim como a gente sempre teve um ao outro, isso não mudou aqui no Rio...
-Sabe, por um tempo eu pensei que tivesse mudado. Que a gente tivesse se perdido no meio dessas coisas todas... da correria, das tragédias que eu e a sua irmã vivemos...
-A Valéria é uma fortaleza. E você também é, sabia disso?
-Acho engraçado, isso... todo mundo me diz que sou forte. Mas eu não me vejo forte. Eu não me sinto forte.
-A gente sempre duvida da própria força... até que ela é posta à prova.
-É, mas bem que as minhas podiam ter sido colocadas à prova menos vezes do que tem sido nesses últimos vinte e sete anos...
-Que exagerado, você! Do jeito que fala, parece que sua vida inteira foi um desafio imenso.
-E não foi? Eu sempre sabendo que era diferente. Eu vendo meu pai morrer quando eu era criança ainda... e a minha mãe casando com aquele cafajeste homofóbico do Mário... nunca foi fácil, ocê sabe disso...
-Mas você sempre teve a mim e à Valéria, não teve? Depois veio o Leo e... desculpa, eu não devia ter falado.
-Fala, sim... é tudo verdade. E o Leo foi importante nisso também. Me ajudou a crescer quando eu pude ver sob a perspectiva de outra pessoa.
-Ei... conta sempre comigo, viu? Quando eu digo sempre... é de verdade.
Os dois se abraçam. CORTA A CENA.
CENA 2: Daniella conversa com Cristina, antes de dormir.
-Eu sei que não devia ser tão intransigente com o Gustavo... eu realmente amo ele, mana...
-Se realmente ama, por que insiste nessa coisa de ser tão irredutível?
-Sabe o que é? É medo...
-Medo exatamente do que? De amar?
-Não! Disso eu não tenho mais medo... tanto que admito que amo o Gustavo como nunca amei ninguém... é maior que isso.
-Olha, pra alguma coisa ser maior que o amor... realmente, Dani...
-Olha só quem fala, né? Cê deixou o Fábio se mandar pro exterior e até agora nem pensou em falar pra ele que ele vai ser pai outra vez.
-Você quer realmente comparar uma coisa com a outra? Daniella, isso nem faz sentido! Cê tá grávida, por um acaso? Não! Quando estiver, vai entender que o corpo é seu e que quem decide se vai ou não falar sobre a própria gestação é a gestante!
-Ai, credo, não precisa se exaltar desse jeito, eu hein... vai me morder, também?
-Desculpa, mana... devem ser os hormônios...
-Tou vendo...
-Mas do que cê tem medo, afinal de contas?
-De que esse romantismo todo oculte coisas nada agradáveis.
-Cê tá falando de relações abusivas?
-Exatamente. Conheço muitas histórias, muitos relatos. E desconfio demais do romantismo, sabe? Quase sempre funciona como armadilha.
-Eu sei disso. Mas qual foi o indício concreto que o Gustavo deu até hoje de que ele pode se tornar abusivo?
-Bem... que eu possa afirmar... nenhum.
-Tá vendo como as suas convicções podem estar atrapalhando tudo? E se ele for realmente o amor da sua vida e você estiver deixando passar, por puro medo?
-E se o meu medo se justificar? Mana... eu não tenho medo da solidão... eu gosto da minha companhia.
-Mas talvez um dia você sinta falta de algo a mais.
-Até o momento eu não sinto que seja uma questão de sobrevivência na minha vida. Talvez nunca sinta.
-Só toma cuidado, mana... porque o amor pode passar pela sua vida e não voltar mais...
CORTA A CENA.
CENA 3: Na manhã do dia seguinte, Gustavo está tomando café da manhã quando Flavinho surge, bem disposto.
-Bom dia... nossa, que fome!
-Não se faça de rogado e coma o quanto quiser que aqui ocê tá em casa!
-Desculpa pelo trabalhão que te dei ontem.
-Ai, Flavinho, que chato você! Sempre com essa mania de pedir desculpa! Já te falei que tá tudo de boa! Ocê sabe que eu tomei altos porres na adolescência, não sabe?
-Eu sei, mas a diferença é que hoje a gente tá mais perto dos trinta do que dos vinte, então já viu...
-Deixa de bobeira.
-Tou impressionado que não tou nem com um pingo de ressaca... do jeito que eu passei mal ontem, era pra eu estar com a cabeça explodindo de tanta dor!
-Sabe o que foi isso? A minha receita infalível: banho gelado, mais café sem açúcar e depois uma bomba calórica cheia de carboidratos. Não tem erro: a pessoa acorda nova em folha!
-Você tem tantos truques, tantos segredos... às vezes me esqueço disso.
-Uai, eu não tenho segredo nenhum, sempre que as pessoas me perguntam eu falo as coisas. Só que se não perguntam, eu até esqueço de dizer. Como o fato de eu ser bissexual, por exemplo.
Flavinho quase engasga com o café.
-O que?
-Vish, ocê não sabia? Jurei que a Valéria tinha te contado...
-A Valéria? Que é mais avoada que ocê? Nunca, Gustavo... ela nunca me contou!
-Gente, que coisa, isso! Fica parecendo que eu tava me escondendo, fazendo segredo... mas juro que não tava, Flavinho! Que coisa, isso...
-Eu fiquei surpreso. Nunca imaginei que ocê pudesse gostar de meninos também.
-Uai, não lembra do Júlio?
-O que? Não vai me dizer que ocês dois...
-Exatamente.
-Chocado! Então a Patrícia dava piti e ataque de ciúme depois que...
-Exatamente. Depois que eu contei pra ela que eu tive um relacionamento com ele...
-Gente... bem, acho que a gente vai acabar atrasando pro trabalho se ficar se enrolando com esse café... melhor a gente se apressar.
CORTA A CENA.
CENA 4: Anoitece. Flavinho chega em casa do trabalho e vai diretamente ao quarto de Valéria.
-Valéria... cê tá ocupada?
-Não... o livro pode esperar mais um pouco.
-Ótimo... eu queria ter um papo com você.
-Uai, por que? Foi alguma coisa que eu fiz? Ói, se tiver a ver com alguma coisa que eu deixei passar, nem vem que eu já era avoada antes de engravidar, agora tou pior ainda...
-Não, boba... quer dizer, sim e não.
-Ocê tá me deixando ainda mais confusa. O que é?
-Sobre o seu irmão.
-Vish, mas o que eu posso falar sobre ele? Peraí... eu tou lembrando da sua empolgação quando descobriu o trabalho dele lá na...
-Não! Não viaja, Valéria...
-Se eu tou viajando, você é a Lady Di. Mas enfim... o que é que tem meu irmão?
-Ocê sabia que ele é bissexual?
-Mas que pergunta! Claro que sabia!
-E por que nunca me contou?
-Porque não achei relevante e porque esqueci, uai! Alguma coisa ia mudar?
-Bem, não ia... mas achei que ocê me contasse tudo.
-Mas eu conto, bobinho... de tudo o que eu lembro, claro.
-É, mas é estranho ocê nunca ter lembrado de falar sobre o Gustavo...
-Posso saber por que? Não vai dizer que ocê tá afim dele? Eu sabia! Desde aquele dia que ocê chegou com os olhos brilhando!
-Quer parar? Não é nada disso. Ele é meu amigo. E me contou que é bi. E quer saber de um negócio? Eu não ficaria com um bissexual.
-Uai, posso saber por que?
-Porque eu não confio em bissexuais.
Valéria se choca.
-Flavinho... ocê tá se ouvindo falando? Olha o tamanho do absurdo! Um viado com preconceito...
-Quem disse que é preconceito? Imagina eu conviver com a ideia de que eu posso ser trocado por uma mulher? Duvidar da fidelidade dele? Não, minha querida... comigo, bi não se cria. Ou se decide, ou cai fora.
-Flavinho, cê tá falando merda, na boa. Bissexual não é indeciso. Não é infiel. Porra, sério... vai dormir. Ocê tá todo errado e eu não quero discutir. Mas vê se pensa nesse monte de preconceito aí... bicha, melhore. Tá precisando e muito!
CORTA A CENA.
CENA 5: Patrícia caminha com Daniella pela rua enquanto elas conversam.
-Sabe, Dani... eu tou fazendo muito esforço pra melhorar. Pra parar com minhas crises de ciúme e possessividade.
-Eu sei que cê tá fazendo esforço. Só de você passar esse tempo todo sem se sentir dona do Gustavo, já é um puta progresso!
-Nem fala... mas sabe uma coisa que eu não consigo engolir ainda e me sinto mal por isso?
-O que?
-O fato de que ele pode acabar se apaixonando por um cara.
-A gente sabe que isso pode acontecer. Você sabe a mais tempo que eu... deveria ter se acostumado.
-Mas não consigo... pra mim é tranquilo saber que fui trocada por uma mulher. Mas por um homem... é muita humilhação.
-Por que humilhação?
-Eu me sentiria um fracasso como mulher.
-Tenta seguir adiante, mas completamente, amiga... de alguma forma, você ainda nutre uma ponta de esperança que vocês voltem...
-Conscientemente eu sei que isso não vai rolar... mas fala isso pro meu coração?
As duas seguem conversando enquanto caminham em direção à pensão que Patrícia mora. CORTA A CENA.
CENA 6: Elisabete é surpreendida por uma chamada de vídeo de Fábio.
-Me chamando a uma hora dessas? Já não é madrugada aí?
-É... mas te vi online e pensei que podia ligar. Tudo bem?
-Tudo certo... como vão as coisas aí?
-Não vão mais.
-Como assim, Fábio?
-Comprei mais cedo a passagem de volta pro Brasil.
-Como é que é? Gente... essa realmente me pegou de surpresa. O que mudou?
-Eu mudei. Melhor dizendo, pensei melhor sobre tudo.
-Tenho a nítida sensação de que isso tem diretamente a ver com a Cristina...
-E tem a ver. Eu acho que já esperei tempo suficiente.
-Ai, meu Deus... tenho até medo do que cê vai dizer depois disso... já te ocorreu que o seu tempo não é o dela?
-Sim... mas pra mim foi suficiente. E eu não quero passar mais um dia sem dizer que preciso dela.
-Fábio, meu querido... você precisa se preparar pra tudo... inclusive pra possibilidade de ela simplesmente resolver continuar rompida com você...
-Engraçado... do jeito que cê fala, parece que tá sabendo de algo e não quer me dizer.
-Eu? Mas que ideia... de onde que cê tirou uma coisa dessas?
-Da sua expressão. Eu sei quando você tá escondendo algo.
-Que ideia de jerico, que coisa mais sem pé nem cabeça... não tou escondendo nada. Você sabe que sempre falo das minhas coisas pra você...
-E se não forem suas? E se alguém tiver pedido pra guardar segredo? Você guarda segredos como ninguém, sempre foi assim...
-É, mas dessa vez não tem nada. Fábio, meu querido... eu vou precisar desligar porque meu dia ainda não acabou e parece que não vai acabar tão cedo. Que você faça uma boa viagem, voltando pro Brasil. Beijo!
-Beijo, Bete...
CORTA A CENA.
CENA 7: Ao preparar um café, Elisabete é surpreendida por Maurício.
-Gostei de ver, mãe! Sua postura com o pai foi excelente!
-Ai que susto, menino! Já falei tantas vezes pra você não ouvir a conversa dos outros atrás da porta...
-Mãe... você não é os outros. E eu me importo com você. E quer saber de uma coisa? Tou cheio de orgulho.
-Eu, hein... eu que tomo café pra esperar mensagem da Susi e você que fica muito ligadinho? Orgulho do que, menino?
-De ver você cada vez mais livre.
-Mas livre eu sempre fui... só não tinha a consciência disso.
-É justamente por isso, mãe... que eu acho que tá na hora de uma revolução.
-Revolução do que, Maurício? Eu sei que você torce pra eu encontrar alguém, mas não força uma barra.
-E eu preciso forçar? Você já encontrou alguém. Só não quer admitir.
-De novo esse papo de atirar a Susi pra cima de mim? Francamente, Maurício... entende uma coisa, meu filho mais amado...
-Claro, sou seu único filho...
-Não brinca que cê entendeu o que eu quis dizer... prosseguindo: entende que as coisas às vezes precisam de tempo. Eu preciso entender o que tá acontecendo...
-Pelo menos temos um começo. Vou pro meu quarto. Mas se eu fosse você, não demorava muito pensando, viu?
CORTA A CENA.
CENA 8: Elisabete está quase se preparando para dormir, quando seu telefone toca.
-Até que enfim, Susi! Você ficou de me ligar mais cedo e eu achei que você tinha esquecido...
-Desculpa, Bete... acabei me enrolando com alguns afazeres. Coisas de mãe, se é que você entende...
-Se tem uma coisa que entendo, é disso... foi muito corrido o dia, hoje?
-Foi. Mas não suficiente pra me deixar cansada. Eu tava pensando em dar uma passada no Cantinho Francês, sabe? O pub da atual do meu ex... gente, aquele lugar é maravilhoso! Cê quer ir comigo?
-Ai... faz tanto tempo que eu não saio de noite...
-Topa, vai! Vai ser ótimo!
-Tá certo... a gente se encontra lá...
-Em quanto tempo?
-Acho que levo uma meia hora pra chegar.
-Perfeito, querida... a gente se vê lá. Beijo!
CORTA A CENA.
CENA 9: Bernadete conversa com Hugo e Valéria sobre a expectativa sobre o bebê.
-Cês não tem essa curiosidade? Todo dia eu penso em como vai ser a cara do meu neto... - fala Bernadete.
-Não pensei muito nisso... mas imagina se sai parecido com o Leo? - despista Hugo.
-Eu penso nisso todos os dias. Algo me diz que ele vai ter olhos verdes, como os do Leo... - fala Valéria.
-Mas sabe, gente... eu fiquei pensando numa coisa, agora. Tá certo que a Giovanna não é nem nunca foi santa, que ela teve um caso com você, filho, mas... eu fico com a impressão de que vocês se escondem dela. Que não assumem publicamente o amor de vocês por medo dela. Como se ela representasse algum risco... - fala Bernadete.
-Então, Bernadete... sabe o que é? É que eu tive um pouco de medo dela, desde o começo... daí o Hugo respeita isso em mim, mesmo achando meio bobo que eu tenha medo de uma pessoa sem nem conhecer direito... mas eu juro que não tem nada com ciúme aqui, sou supertranquila... - fala Valéria.
-Tranquila até a página dois, né? Mas enfim... mãe, a gente vai subir. Eu tou exausto e imagino que a Val também esteja... - fala Hugo.
CORTA A CENA.
CENA 10: Elisabete e Maria Susana se divertem e dão risadas, bebendo cerveja.
-Que horror, eu achei que ainda tinha fôlego pra dançar três músicas... tou quebrada!
-Quebrada você, Bete? De jeito nenhum! Cê tá é enferrujada, mas tá muito jovem ainda... tem muito o que aproveitar e dançar nessa vida, viu?
-Você fala isso porque tem menos de quarenta...
-Nossa, grande diferença! Só temos oito anos de diferença, nem é tanta coisa...
-Ah, mas isso faz diferença pra disposição. Eu estou ficando velha. Daqui a pouco, tudo isso cai...
-Que exagero, Bete... você ainda é jovem. E linda. Linda de verdade!
-Você acha? Logo você, Susi... tão elegante, tão bonita... tão dona de si...
-Você realmente acha tudo isso de mim?
-Acho sim... você é incrível!
As duas se sentem atraídas uma pela outra.
-Eu não sei o que tá acontecendo aqui, Bete... mas eu...
Elisabete e Maria Susana se beijam.
FIM DO CAPÍTULO 68.