quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

CAPÍTULO 88

CENA 1: Bernadete escuta gritos de Flavinho e vai ao seu quarto, correndo.
Flavinho segue chorando e Bernadete se aproxima, abraçando-o.
-Ei, Flavinho... foi só um pesadelo! Passou... eu tou aqui, viu?
-Foi horrível, Bernadete... foi horrível!
-Se acalma. Tá tudo certo. Tá tudo seguro... eu tou aqui, não se esquece disso nunca. Vem comigo que eu te faço um chá, tá?
Flavinho acompanha Bernadete, amparado por ela.
-Foi horrível...
-Ei... se acalma. Tá tudo certo. Tudo em ordem e seguro. Vem comigo que tá tudo bem.
Os dois chegam à cozinha e Bernadete prepara um chá para Flavinho, que toma o chá.
-Tá se sentindo mais calmo, querido?
-Mais calmo eu não sei, mas um pouco mais em mim, sim.
-Quer falar sobre o pesadelo? Você ficou apavorado de verdade, nunca vi uma coisa assim... mas se não quiser falar, eu vou entender...
-É duro falar o que eu vi...
-Tudo bem, querido... eu entendo.
-Mas é melhor que eu coloque isso pra fora. Seria pior deixar isso me comendo por dentro...
-Então fala... mas procura manter a calma, tá?
-Eu acho que tou calmo... enfim... foi horrível, tudo. De verdade, foi o pior pesadelo que tive na vida.
-Por que?
-Em um momento eu tava aqui. Daí eu abria uma porta secreta...
-Gente... e daí?
-Daí eu tava de repente na minha casa de BH, pode uma coisa dessas?
-Nossa...
-Daí que eu via... bem, eu nem sei como te dizer isso... espero que ocê não leve a mal...
-Não tem como eu levar a mal. Desabafa, meu filho... desabafa...
-Ocê tava abraçada com o Leo. Ele tava vivo no pesadelo. Eu tentava chegar perto d'ocês, mas tinha uma barreira. Uma força invisível que não deixava eu me mexer.
-Gente...
-Essa barreira sumia, depois... assim, do nada. Daí aparecia a Valéria, o Hugo, seu Leopoldo, enfim... todo mundo. Eu tentava chegar perto de vocês, mas... primeiro ocês se afastavam, depois viraram as costas. Era como se eu não existisse. Ou como se ninguém se importasse de verdade comigo. Eu tentava ir atrás, mas um horizonte sombrio se abria diante de mim. Como se fosse um abismo, sem ser um abismo. Todo mundo desaparecia dentro daquela coisa escura... e eu ficava sozinho na minha casa de BH, desesperado. Gritando por vocês. Ninguém voltava. Foi horrível, Bernadete... a pior coisa que já tive como pesadelo na vida!
Flavinho chora e Bernadete o ampara.
-Tá tudo bem, meu querido... foi só um pesadelo...
-As sensação era tão real... deu medo, de verdade.
-Eu sei que a gente acorda assustado de pesadelo. Mas tenta esquecer disso, agora...
-Quero esquecer... mas ainda tou impactado com tudo. Querendo ou não, meu maior medo é que esqueçam de mim. Que por algum motivo deixem de gostar de mim, que me deixem sozinho, abandonado...
-Querido... isso nunca vai acontecer. Eu te prometo.
-Promete?
-Claro que sim. Você é um filho pra mim. Eu sinto isso de coração, sem exagero nenhum nisso, viu?
-Isso me tranquiliza...
-E é pra tranquilizar, mesmo.
-Meu querido... confia em mim: cê nunca vai ficar só. Eu posso não entender muito sobre várias coisas, mas ando dando meu melhor...
-Eu posso te abraçar?
-Sempre...
Flavinho abraça Bernadete e os dois se emocionam. CORTA A CENA.

CENA 2: Na manhã do dia seguinte, Mauro consegue fazer uma chamada de vídeo para William.
-Oi, filho! Atrapalho?
-Nada, pai... hoje tirei o dia pra ficar aqui sem nem colocar o nariz pra fora.
-Dia da preguiça, é?
-Antes fosse... é dia do desânimo, mesmo...
-Pena, William... eu folgaria em saber que ocê tá bem...
-Não consigo... ainda não esqueci dela...
-Não acha melhor a gente mudar de assunto, filho? Como andam as coisas aí em Londres?
-Monótonas. Sinto falta do Brasil... de BH... até do Rio, acredita?
-Acredito... mas deixa eu te contar, sabia que o Hugo, o filho do Leopoldo e da Bernadete, é pai agora?
-Não brinca. Sério mesmo que aquele coxinha virou gente?
-Sempre com essa implicância. O rapaz só era bem alinhado desde sempre, uai.
-Num tou falando? Bem tipinho elite carioca.
-Ocê fala como se a gente também não fosse...
-Tá, me conta mais: a criança já nasceu?
-Nasceu esses dias. Um meninão, chamado Leonardo.
-Peraí... Leonardo não é o nome do irmão dele que morreu?
-É isso mesmo.
-Que bonita a homenagem...
-O mais doido ocê não sabe, filho...
-O que?
-A criança é a sua cara quando nasceu, dá pra acreditar?
-Eu hein... isso que eu não tenho nada a ver com ele...
-Quer ver a foto?
-Claro! Adoro criança!
Mauro mostra pelo vídeo a foto que tirou com seu celular e William percebe que há um quadro de Valéria junto de Hugo atrás de Leonardo.
-Peraí... quem é aquela moça abraçada com o Hugo ali no quadro atrás do bebê?
-Ah, sim... é a noiva do Hugo. Eles vão casar em breve, acredita?
-Tá, pai... sem enrolar. Como ela se chama?
-Ficou interessado nela? Já tem dono, seu safado...
-Não, pai... só me diz o nome dela.
-Valéria, por que?
William fica perplexo e com a certeza de que o bebê é seu filho, mas nada diz a seu pai.
-Pai... a gente se fala mais tarde ou amanhã, tá? Pintou uma coisa aqui, que eu tinha esquecido de fazer, beijo... fica com Deus.
William encerra a chamada rapidamente e segue perplexo.
-Ela tava grávida mesmo... e mentiu pra mim porque eu fui escroto com ela. Meu Deus do céu... eu tenho um filho!
CORTA A CENA.

CENA 3: Ricardo desabafa com Glória, aproveitando ausência momentânea de Giovanna.
-Sabe, Glória... eu não sei exatamente que tipo de problema você teve com a Giovanna... mas às vezes eu fico pensando em tudo.
-Em tudo o que?
-Que talvez cê tenha uma pontinha de razão nessa implicância toda.
-Ué, mas ela não é a sua esposa maravilhosa, a que nunca decepciona?
-Já ouviu falar que quando a esmola é demais, o santo desconfia?
-Ah, meu amigo! Precisou passar todos esses meses de casado com ela pra você começar a cair na real?
-Não sei se é na real que eu tou caindo... mas eu fico cabreiro...
-Cabreiro com o que, exatamente? Até agora, tudo o que cê fez foi dar voltas e chegar a lugar algum...
-Bem... basicamente foram anos e anos levando toco dela.
-Isso eu e a torcida do flamengo, do vasco e do fluminense sabemos desde sempre... mas por que isso tá sendo levantado agora?
-Porque eu me pergunto até que ponto a súbita mudança dela não foi conveniente.
-Ih, meu amigo... vai por mim: junte esses pontos sozinho.
-Mas você não desconfia de algumas coisas?
-Não desconfio, tenho certeza. Só que, ao contrário do que a sua excelentíssima esposa diz, eu não sou fofoqueira, nem gosto de me meter na vida dos outros.
-Mas eu tou pedindo pra você me ajudar...
-Você precisa descobrir por si próprio, qualquer coisa que tenha a ser descoberta. Não foi você que decidiu se casar com ela? Pois então... eu não posso me meter nisso. É algo entre vocês... sinto muito se isso te decepciona.
-Me frustra, mas não me decepciona. Na verdade, faz eu admirar cada vez mais sua retidão, seu caráter.
-Deixa de besteira. De qualquer forma, relaxa, né? Pelo menos procura pensar que o que não tem remédio, remediado já foi...
-Grande apoio, esse...
-Tou sendo realista, meu amigo... só isso.
CORTA A CENA.

CENA 4: José se reúne em particular com a diretora do colégio de Miguel.
-Dona Marta, eu vou direto ao ponto: cê deve saber muito bem o motivo de eu estar aqui, não sabe?
-Sei sim, José. Já esperava por você.
-E o que você tem a me dizer como posicionamento oficial em relação aos incidentes envolvendo os coleguinhas do meu filho?
-Veja bem, José... é preciso que se entenda que não podemos controlar as relações interpessoais entre os alunos do colégio.
-Dona Marta, não me faça perder a paciência. Eu e você sabemos muito bem que essas crianças estão sendo homofóbicas com Miguel. Tudo isso porque se espalhou que minha ex esposa, mãe dele, namora com uma mulher. Aliás, você sabe me dizer como isso se espalhou? Porque essa é uma das perguntas que me faço todos os dias...
-Eu não faço a mínima ideia...
-Pois devia fazer. Afinal de contas, a gestão desse colégio é responsabilidade de quem, mesmo?
-Você precisa entender que esse é um cargo praticamente político... eu preciso estar atenta a todas as reivindicações...
-Não é praticamente político, é político. E você precisa se posicionar com firmeza em vez de fazer média. Nada se investiga, em tudo se coloca panos quentes e enquanto isso os alunos que deveriam encontrar um ambiente seguro, sem violência física ou psicológica, encontram o que? Uma escola largada às moscas por uma gestora que simplesmente prefere sentar o traseiro na cadeira e fazer pose? É isso mesmo?
-Por favor, José... não seja indelicado. Eu sei que é homofobia. Mas não é minha responsabilidade isso, é dos pais que educam seus filhos.
-Dona Marta, dentro desse colégio a responsabilidade é em primeiro lugar sua. Em segundo lugar vem os professores. Ou você convoca uma reunião de pais, com todos os pais de todos os meninos envolvidos nesse incidente, ou eu denuncio publicamente essa sua omissão. Acredite: eu tenho mais influência do que você imagina, então é melhor não bater de frente comigo, viu?
-Tá certo... eu convoco essa reunião.
-Pra quando?
-Amanhã.
-Ótimo. Sabe, é uma pena que eu tenha que ter apelado pra isso tudo. Mas obrigado, mesmo assim...
CORTA A CENA.

CENA 5: Gustavo percebe que Flavinho está tenso e distante durante o trabalho e o segue até o corredor quando Flavinho senta-se em uma cadeira.
-Ei, Flavinho... vem cá...
-O que foi agora, Gustavo?
-Calma... deixa eu te abraçar. Tou sentindo que ocê tá todo nervoso...
Flavinho suspira.
-Obrigado, Gustavo... por tudo.
-Não precisa agradecer... eu senti que ocê não tá legal... o mínimo que posso fazer é tentar fazer algo pra te fazer sentir melhor.
-Ai, Gustavo... sabe o que é? Tudo o que eu tenho na vida é tão pouco... e às vezes eu sinto que é tão frágil...
-Por que isso, agora?
-É medo, Gustavo... medo de perder o pouco que tenho e ficar sem nada. Sem referência... sem eira nem beira.
-Para com isso, Flavinho... ocê tem que se acalmar... eu tou sempre do seu lado, viu?
-Eu sei disso...
-Sabe mesmo? Parece que esquece... vem, vem comigo fazer os pequenos felizes mais um pouco? Aposto que vai te fazer bem...
Flavinho segue Gustavo. CORTA A CENA.

CENA 6: Idina fica admirada e orgulhosa de José quando ele lhe conta sobre como enfrentou a diretora do colégio de Miguel.
-Você não percebe o quão incrível você foi, amor?
-Ah, Idina... isso é bondade sua...
-Acredite, não é: você foi firme e combativo. Isso não é algo que possa nem deva ser ignorado.
-Em que sentido?
-No sentido da política, seu bobo...
-Gente, cê tá mesmo empolgada com isso, né?
-Não é pra estar, amor? Você nasceu pra isso. Esse ativista, esse militante que tá surgindo agora, sempre existiu dentro de você... e estava adormecido. Me enche de orgulho a sua coragem de enfrentar as coisas de frente, de peito aberto, por uma sociedade mais justa. É esse tipo de coisa que faz as lutas da vida valerem a pena, sabe?
-Do jeito que você me coloca pra cima, eu até acredito nessas coisas todas.
-É bom que acredite mesmo, Zé... eu sinto que você vai ser um político como poucos que esse país já viu...
-Tenho medo, sabe?
-Do que?
-De acabar me deixando corromper.
-Duvido que isso aconteça, amor... a sua atitude hoje com a dona Marta provou mais sobre a sua firmeza de caráter do que você possa perceber ou imaginar.
-Você acha?
-Tenho certeza, amor... assim como tenho certeza de que cê vai levar tudo isso pra sua vida pública. E em tempos temerosos como os de hoje, estamos precisando demais de gente transparente...
José se empolga. CORTA A CENA.

CENA 7: Hugo percebe Valéria apreensiva.
-Ah, amor... eu não acredito que cê tá pensando de novo naquela coisa toda do seu Mauro...
-Tá dando tanto assim na cara?
-Valéria... de mim você não consegue disfarçar mais nada. O convívio faz dessas coisas...
-Eu tou apavorada. Não pelo que aconteceu concretamente até aqui, mas pelo que ando pressentindo...
-Será que isso é pressentimento ou pessimismo?
-Não sei mais. Eu fico confusa, Hugo... já não sei mais o que é intuição ou paranoia da minha mente...
-Tá com medo de alguma coisa que o Mauro possa contar ao William?
-Sim. Eu não sei até que ponto ele sabe de mim. Dá a entender que não sabe quem eu sou, mas ele pode fingir bem...
-Amor... relaxa. Independente de qualquer coisa, o Leo é meu filho diante da lei. E isso nos assegura direitos.
-Direitos que podem se colocados em xeque com um simples exame de DNA. Quanto menos o William souber, melhor...
-O que tiver de ser vai ser de qualquer jeito, Valéria... não adianta sofrer por antecedência...
CORTA A CENA.

CENA 8: Fábio bate na porta da sala de Cristina.
-Oi, Fábio. Como vai?
-Espero que dessa vez não esteja sendo demais...
-Nunca vai ser demais se me avisar antes de vir. Dá tempo de eu me preparar psicologicamente, pelo menos.
-Desculpa qualquer coisa. Cristina, eu nunca quis roubar a sua paz.
-Eu sei disso. Mas é preciso pensar antes de agir.
-Me acostumei até a pensar demais...
-Será por isso que de vez em quando você perde a medida?
-Eu quero que você tenha um final de gravidez tranquilo... eu juro que vou fazer o possível pra não te tirar a calma. Só que eu não consigo ficar muito tempo longe, sem saber como anda tudo, como a nossa filha tá se desenvolvendo aí dentro...
-Fábio... não posso, não quero e não vou te impedir de se aproximar. De coração. Mas só como amigo. E como pai da nossa filha, nada além disso, porque é exclusivamente a isso que nossa relação deve se resumir. Por mais que doa em você...
CORTA A CENA.

CENA 9: Ao anoitecer, Patrícia desabafa com Daniella sobre seus problemas.
-Eu juro que queria encarar as coisas mais leves, Dani...
-Ainda não tem conseguido?
-Só de vez em quando. Não totalmente... queria poder levar uma vida normal, sabe? Sentir mais igual ao que todo mundo sente. Dormir antes da madrugada. Até mesmo lembrar dos meus sonhos faz falta, sabia?
-Será que isso não é porque cê tá apegada demais à ideia de que precisa ter controle de tudo, o tempo todo?
-Tenho certeza que é isso, Dani...
-Então? Já é meio caminho andado.
-Queria que fosse todo. Tudo isso me custa muita inquietude e uma quantidade bem grande de sofrimento.
-Ninguém disse que renascer dentro de si mesma ia ser algo fácil...
-É, mas eu podia vencer de uma vez essa vontade de querer controlar tudo. Eu não quero isso pra mim. Agora veja a contradição: eu tou sendo controladora comigo mesma querendo determinar meu tempo baseada nesses padrões repetitivos que criei faz tanto tempo...
-Calma, querida... tá tudo certo. É mais que compreensível que você esteja sempre tateando no escuro até encontrar os pontos de luz. É assim com todo mundo. Com a diferença que tem gente que se diz normal...
CORTA A CENA.

CENA 10: No dia seguinte, Mauro escuta a campainha de sua casa tocar.
-Mas será o benedito? Quantas vezes eu tenho que avisar pro pessoal da segurança pra me avisar antes quem é que tá vindo! Mas que saco! Cabeças vão rolar, cabeças vão rolar... - resmunga Mauro, consigo mesmo.
A campainha continua tocando insistentemente e Mauro se impacienta.
-Já vai, caramba! Ninguém deu educação, não? Seja quem for, vai ter que me explicar como os meus seguranças não pediram identificação. Já vai, caramba! Já disse que já vou!
Ao abrir a porta, Mauro se depara com William e fica surpreso.
-Filho?
-Já tá soltando os cachorros? Esse é meu velho pai de sempre, né não?
-Mas você...
-Dá cá um abraço, meu véio! Não ficou feliz de ver que o bom filho sempre torna à casa?
Mauro segue perplexo enquanto seu filho lhe abraça. FIM DO CAPÍTULO 88.

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