sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

CAPÍTULO 71

CENA 1: Flavinho permanece sem saber o que responder e Valéria insiste.
-Vai ficar com essa cara de quem não entendeu o que eu disse, Flavinho? Nem vem com essa de se fazer de lerdo porque você não tem nada de lerdo.
-Valéria... eu só fiquei espantado com a sua insistência, só isso.
-Sei... por que será que eu não consigo acreditar nem um pouco nisso?
-Uai, o que eu tenho a ver se ocê não acredita?
-Tudo. Flavinho, eu te conheço faz muito tempo. E sei quando ocê tá começando a gostar de alguém.
-Pois errou feio dessa vez. E logo do Gustavo? Sério mesmo que ocê acha que eu ia perder tempo com um bissexual?
-De novo esse papo, Flavinho? Em que ano que ocê tá vivendo, viado? Com certeza, em 2017 que não é... melhore, bixa... melhore.
-Fácil p'rocê falar, né? É seu irmão. Sempre vai defender.
-Flavinho... o que é que há com isso tudo? Ontem mesmo ocê pediu desculpas pro Gustavo e agora começou com tudo isso?
-Uai, pedi desculpa como amigo. É o que eu sou dele.
-Mas bem que gostaria de ser algo a mais, não gostaria?
-Valéria... vai se ferrar, sério. Que insistência!
-Eu não insistiria se não visse que ocê se incomoda com isso. Eu sei bem o que essas negações significam.
-Pois dessa vez não sabe mesmo! Não tem nada a ver com qualquer coisa que ocê pensou.
-Eu posso saber por que ocê tá quase tremendo, então?
-Eu... não sei dizer.
-Sabe sim. Só não quer admitir nem pra si mesmo. Não sou eu que vou forçar que você admita. Mas procura lembrar que você tá vivo e precisa aprender a seguir adiante.
-Quem dera fosse fácil assim, amiga... quem dera.
-Mas pode ser. Quem decide o grau da dificuldade é ocê mesmo, uai.
-É sempre mais fácil pra quem olha de fora, por mais próximo que seja.
-Falo isso porque quero seu bem. Porque você já me fez muito bem! E viu antes de mim mesma que eu tava apaixonada pelo Hugo. Sinto que te devo essa, entendeu?
-É, mas empurrar o seu irmão pra cima de mim é uma forma de compensação?
-Não... eu não insistiria se não percebesse que existe algo de verdadeiro nascendo nisso.
-De qualquer forma, a memória do Leo é viva demais dentro de mim.
-Mas não deveria.
-O tempo do luto é meio imprevisível, amiga...
-Mas ocê acha justo sofrer por tanto tempo desse jeito?
-Sofreria menos se eu tivesse me preparado pra tudo. Se ele tivesse adoecido, sei lá... mas do jeito que a morte dele foi, um acidente, tão repentino... me marcou, sabe?
-Eu sei, Flavinho... mas independente de como foi tudo isso, já passou da hora de você aprender que a vida e o tempo não vão te esperar. Eles seguem passando independente da sua vontade.
-Mas não é fácil.
-E quem disse que ia ser? A vida tem dessas coisas. Desafios pra gente aprender.
-É, mas precisava ser tanta coisa?
-Uai... e se fosse menos? Você teria se tornado quem se tornou?
-Pensando por esse lado...
-A gente nunca recebe um fardo que não possa carregar. Entende isso.
-Tomara que seja isso...
-E tem mais uma coisa: larga de ser preconceituoso. Ocê tá perdendo um tempo precioso. E se continuar de mimimi, vai deixar muito mais coisa passar por medo de arriscar.
-Tá, tá... eu vou tentar melhorar.
-Mas faça isso por si mesmo, viu?
-Tá...
-Tá bravinho, é? Acho que tá precisando de uma lição...
Valéria faz cócegas em Flavinho e os dois se divertem. CORTA A CENA.

CENA 2: No dia seguinte, Fábio conversa com Elisabete sobre últimos acontecimentos.
-Sério que você tá se envolvendo com a Maria Susana? Confesso que nunca pensei nisso...
-E eu, então? Mais de quarenta anos pra perceber que a coisa podia ter sido mais simples desde o começo...
-Ah, tudo isso teve o tempo certo de acontecer, Bete. Depois, você me amou, não amou?
-Demais! Se a gente não tivesse se casado, eu provavelmente não teria passado por essa transformação... por esse despertar. Ia passar o resto da vida meio ignorante em relação a mim mesma.
-Sem falar no Maurício, né?
-Nosso filho é maravilhoso, Fábio. Ele viu antes de mim que eu tava me envolvendo com a Susi, pode uma coisa dessas?
-Pode. Almas livres são assim. Uma pena que tenhamos esquecido de ser livres por tanto tempo.
-Querido... sempre vai haver tempo enquanto houver vida. Eu só fui entender isso depois de tentar suicídio, por mais contraditório que isso seja e pareça.
-É... eu, que sempre me achei mais corajoso que você, levei um baile... e que lição bonita, Bete...
-Ué, mas o que te impede de ser corajoso?
-Medo de ser rejeitado.
-Depois de quarentão um troço desses? Francamente, Fábio... francamente! Vai procurar a Cristina! Melhor acabar com a dúvida do que morrer com a dúvida te comendo por dentro, eu hein... parece que bebe!
-Eu sei que eu devo ir... foi pra isso que eu voltei pro Brasil. Mas eu não sei ainda como ela vai me encarar. Se ela quisesse falar comigo, ela teria dado um jeito. Ela tem meus contatos. Não me procurou porque não quis.
-Já te passou pela cabeça que isso pode ser orgulho besta dela?
-Claro que sim, mas... não sei.
-Exatamente por isso... você acha justo morrer na dúvida? Fábio, você não é mais um garoto pra brincar tanto assim com o tempo. Daqui uns anos, já vai estar com cinquenta... na hipótese mais otimista, mais da metade da sua vida já foi pelo ralo. Vai desperdiçar mais ainda?
-Engraçado... o jeito que você fala dá a entender algumas coisas.
-Que coisas? Tá pensando exatamente o que Fábio? Quando você sobe a sobrancelha esquerda, tá desconfiado...
-E tou mesmo. Bete, por acaso cê tá sabendo de alguma coisa que eu não sei? Sei que você e a Cris ficaram amigas...
-Eu? Mas que ideia... por que eu esconderia?
-Cê tá escondendo. Sua voz muda. Mas você prometeu segredo, não foi? Não vou te pressionar... mas vou descobrir do que se trata.
CORTA A CENA.

CENA 3: Raphaela chama Alexandre.
-Ei, Alexandre! Quer fazer o favor de ser menos pisciano e voltar à Terra, por favor?
-Desculpa, eu tava aqui pensando nas lições que andei ouvindo num podcast.
-Podcast do que, Alexandre?
-Ah, é que eu tenho interesse por instruções de meditação transcendental e...
-Puta que pariu, cara! Cê tem um talento maravilhoso, mas acima de tudo, uma sorte do caramba, porque vou te contar! A Mônica já não tinha te falado pra largar essas coisas místicas por um tempo?
-Mas eu não vejo problema em conciliar as coisas...
-Se você não fosse avoado, não seria problema.
-Tu que tá dizendo isso. Eu não sou avoado, não...
-Não, imagina... só se acidentou no banheiro, que tal se fosse avoado, tava sem a cabeça, já...
-Tá... eu vou tentar focar.
-Vai ter que se focar. Não tem essa de tentar. Você tá se tornando um rosto conhecido. Precisa prestar atenção no que eu vou dizer, ok?
-Não... tá tudo certo, pode falar...
-Assim, em primeiro lugar, não é sempre que você precisa responder as pessoas. Nem tudo o que soa como pergunta é, de fato, uma pergunta...
Bruno assiste Raphaela passando instruções para Alexandre e olha com inveja. Mônica, que está de saída, vê e para.
-Segura a onda que daqui a pouco se você morder a língua, morre envenenado pela própria peçonha...
-Nada a ver, Mônica... do que cê tá falando?
-Bruno, pega leve nas expressões? Tá dando muito na cara que você ainda tem inveja do Alexandre.
-Ah tá, não posso olhar pra ele agora?
-Se soubesse disfarçar, eu não te diria isso.
-Ah, Mônica... eu me sinto rejeitado, sabe? Sempre descartado, colocado pra escanteio, como segunda opção.
-Nem preciso te lembrar que você mesmo cavou isso pra si, né? E digo mais: cê tem que agradecer a mim, mas principalmente Geórgia, por ainda estar aqui. Então trata de superar esse recalque aí e de fazer as coisas por si e para si, pode ser?
-Eu tenho tentado.
-Não tente: consiga. Bruno, eu tenho de ir, mas deixei meus olhos aqui e você sabe bem disso.
CORTA A CENA.

CENA 4: Hugo chama Glória à sua sala.
-Mandou chamar, Hugo?
-Sim. Mas não pra falar de trabalho... quero saber de você.
-Oi? Como assim, Hugo? Se foi alguma coisa que a Giovanna andou falando e espalhando de eu ser fofoqueira, cê sabe muito bem que não é verdade...
-Calma, Glória. Eu quero saber justamente o motivo que anda te deixando com essa cara de preocupada, se defendendo de tudo.
-Medo, Hugo... mas se eu dissesse, você não entenderia. Ou até entenderia, mas minimizaria.
-Vou tentar não fazer isso. Só quero que você confie em mim e diga o que te aflige.
-É sobre a Giovanna... falta pouco pra ela voltar. Isso tá me deixando bem tensa, porque nossos dias de paz podem estar chegando ao fim...
-Sério mesmo que cê acha que ela vai voltar igual dessa temporada na Finlândia? Eu duvido...
-Pois eu duvido que ela tenha capacidade de mudar. Conheço um lado dela que talvez nem você conheça, Hugo...
-Talvez você esteja exagerando um pouco...
-Não disse que cê ia acabar minimizando a coisa toda? Taí...
-Calma... não foi essa a minha intenção.
-Toma cuidado com essa mulher, Hugo. Ela pode destruir a sua vida, se você der bobeira. Ou te tirar a agência.
-Impossível. O dono ainda sou eu, sou sócio majoritário, esqueceu?
-Não, mas não se esqueça que ela é uma das fundadoras. Não seria uma boa ideia colocar isso na justiça, tramposa do jeito que ela é...
-Glória... isso não vai acontecer. Mesmo. Fica tranquila que com a Giovanna eu me entendo.
-Eu realmente espero que cê tenha esse jogo de cintura. Porque a minha única certeza é que cê vai precisar... e muito.
CORTA A CENA.

CENA 5: Cristina, em sua sala na clínica e acompanhada de Daniella, se distrai na frente do computador, lembrando de Fábio. Daniella nota.
-Cris... volta. Planeta Terra chamando Cristina Blanco Oliveira!
Cristina volta a si.
-Desculpa, Dani... acho que a gravidez tá me deixando mais avoada do que de costume.
-Pra cima de mim, mana? Isso não foi distração. Cê sabe disso.
-Ai Dani, na boa? Cê anda vendo novela demais.
-Mais um indício: defensiva tentando virar o jogo e desviar o foco. Mana... é óbvio, tá na cara que cê tava pensando no Fábio.
-Tá... eu tava... satisfeita? Mas não devia.
-Posso saber por que?
-Você ainda pergunta, Daniella?
-Claro que pergunto! Essa sua insistência em se esconder já passou dos limites. Cê sabe que ele voltou pro Brasil.
-Mais um motivo pra eu não procurar ele. Se ele quisesse me procurar, já teria feito isso.
-Desde quando você se tornou uma mulherzinha fresca e passiva? Cadê a sagitariana que sempre tomava a frente de tudo?
-Mana, eu preciso mesmo repetir pra você que as coisas não são nada simples? Ele me enganou.
-E nem te passa pela cabeça que a intenção nunca foi te enganar, né?
-Quem te viu e quem te vê, Daniella... defendendo macho? Tou passada.
-Tou vendo que esse papo não vai dar em nada.
-E nem é pra dar, mesmo. Se esqueceu que a gente tá cheia de trabalho, fofíssima?
-A gente vírgula, querida. Eu não trabalho aqui. O trabalho é seu.
As duas riem. CORTA A CENA.

CENA 6: Em horário de almoço, Flavinho lancha com Gustavo.
-Gustavo... eu preciso te agradecer por tudo.
-Uai, que papo mais sem sentido é esse? Agradecer pelo que. Flavinho?
-Pela sua compreensão comigo. Eu queria ser tão compreensivo quanto você.
-Que besteira, querido... que besteira! A gente se conhece faz quanto tempo, mesmo? Treze anos ou treze dias? Eu, hein...
-É que eu acho que só agora, depois de tudo, que me dei conta do tanto que ainda tenho pra aprender contigo.
-Aprender?
-Sim. Com você, seu jeito de viver, de encarar as coisas, sabe? Eu sempre complico tanto, mesmo sem querer e você, apesar de ser fechado em si mesmo, consegue descomplicar tudo de uma maneira que me deixa admirado.
-Ah, Flavinho... acredite em mim: não sou tão descomplicado assim. Só não gosto de levar problema pro travesseiro. Se ocê soubesse o tanto que sou ansioso... nossa!
-Mas pelos menos ocê resolve as coisas na hora. Não tem a minha mania de ficar remoendo nada.
-Ah, isso eu não tenho mesmo. Deus me livre de remoer. Se eu posso resolver uma coisa hoje, pode ter certeza que eu vou resolver hoje e nada de deixar pra depois.
-Acho que eu era assim antes... mas a vida me cobrou muita coisa. De um jeito ingrato. É duro pra mim sorrir às vezes. Às vezes tudo me dói. Às vezes só sinto tristeza... uma vontade de desistir, sabe?
-Para com isso, Flavinho... você só tem vinte e sete anos. Tem uma vida maravilhosa pela frente. Só precisa aprender a descomplicar. E acredite: isso tudo tá aí dentro. Não me use como exemplo porque eu sou cheio de defeitos. Se precisar de um exemplo, meu querido... se olhe no espelho!
CORTA A CENA.

CENA 7: Daniella visita Patrícia e as duas conversam.
-Dani, você se incomoda se eu fizer mais perguntas sobre como funciona o movimento feminista?
-De jeito nenhum, Pati... sou sua amiga pra isso também! Se você tem o interesse espontâneo de aprender, eu vou ter o maior prazer em te explicar algumas coisas.
-Espero não te cansar muito...
-Deixa de bobeira. Eu vou indicar livros, sites... tudo o que cê precisa pra se posicionar melhor.
-Me posicionar?
-Vish, claro, menina! Existem vários feminismos. Do radical ao que dialoga com todos na busca da educação.
-Fala mais sobre isso, amiga...
-Por exemplo, mesmo entre as feministas radicais, existem derivações internas do movimento.
-Sério?
-Nossa, cê nem faz ideia. Me empresta rapidinho seu smartphone? Vou te mostrar um negócio...
As duas seguem conversando. CORTA A CENA.

CENA 8: Leopoldo se anima de ver Bernadete cada vez melhor.
-Que coisa boa te ver assim, Dete... além de totalmente recuperada, cada vez mais disposta, cheia de vida, até mais corada...
-Ah, amor... eu decidi me apaixonar de novo pela vida que eu tenho. Afinal de contas, gastei um tempinho considerável desperdiçando, né...
-Como assim, querida?
-Ué, remoendo angústias e dores.
-Tem a ver com a morte do nosso filho?
-Não... veio de antes. Tem a ver com o Leo sim, mas o negócio vinha desde que ele saiu de casa, sabe?
-Sei...
-Então, Leopoldo... eu já andava adoentada. Acho que eu me entreguei, sabe? Meu estado emocional deve ter acelerado o meu problema.
-Sim, mas agora cê tá curada.
-Eu quase morri, Leopoldo. Eu conversei com nosso filho.
-Como é que é?
-Sim... não contei isso pra ninguém. E ele me pediu pra seguir firme. Que tinha muita coisa pra aprender e ensinar ainda. Sabe, eu sempre soube que o Leo era um menino diferente. Teve as lutas dele... eu só sinto muito de não ter tido mais tempo de saber como foram os últimos três anos da vida dele lá em Minas Gerais... mas tou leve, sabe?
Leopoldo sofre por ocultar verdade de Bernadete. CORTA A CENA.

CENA 9: Idina aconselha José a apoiar Maria Susana.
-Amor... acho que você tinha que procurar a Maria Susana pra conversar sobre tudo.
-Por que?
-Ela não tá reagindo da melhor forma com a descoberta de que também ama mulheres. A Elisabete tá visivelmente mais à vontade. Eu testemunhei isso aquela noite no pub.
-Mas como cê acha que eu posso ajudar?
-Sendo presente nesse momento. Amigo você já é...
-Mas como?
-Preciso mesmo te dizer, Zé? Estimulando ela... dizendo que ela deve vencer os próprios medos, as amarras... essas coisas, sabe?
-Bem... isso é verdade. Amor é amor.
-É... e ela precisa lembrar disso, antes que acabe mandando a Bete pastar sem motivo...
-E eu conheço a Susi... é bem capaz de ela fazer isso.
-Então trate de conversar com ela sobre isso.
CORTA A CENA.

CENA 10: Cristina chega em casa, do trabalho, se sentindo exausta, porém satisfeita. Ao descer do carro, ela se olha pelo espelho da garagem e imagina sua barriga crescendo.
-Já tá quase dando pra perceber alguma coisa aqui... imagina quando a barriga começar a crescer? Será que vou ficar muito grande até o bebê nascer? - fala Cristina consigo mesma.
Cristina fecha seu carro e, ao entrar em casa, não encontra ninguém.
-Ué... cadê a mãe? Nem a Dani aqui? E nem me avisaram de nada!
Cristina acaba encontrando Nicole saindo da cozinha.
-Nossa, achei que não tinha ninguém em casa...
-Na verdade tem até mais alguém, filha... te esperando lá em cima. - fala Nicole.
Cristina sobe e ao chegar em seu quarto, se depara com Fábio.
-Você?
-Cristina... a gente precisa ter uma conversa séria.
Cristina paralisa. FIM DO CAPÍTULO 71.

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