CENA 1: Elisabete espera pela reação de Maria Susana.
-Tá me deixando nervosa, Susi... eu acabo de te dizer que tou apaixonada e você fica me olhando com essa cara de boba?
-E eu fico boba... boba de amor, sim. Eu te amo, Bete. Muito mais do que você possa pensar.
As duas se beijam. Maria Susana recua.
-Calma... Miguel pode acabar vendo.
-Acho que cedo ou tarde seu filho vai precisar se acostumar. Aliás... que eu mal te pergunte: nós estamos namorando?
-Bem, eu... acho que sim. A gente tá gostando uma da outra. Somos livres e desimpedidas... acho que estamos namorando, sim.
-E você quer?
-Oi?
-Isso mesmo: você quer namorar comigo?
-Claro que eu quero!
-Eu nunca pensei que ia ficar tão feliz com tudo isso. Ainda é tudo muito surreal pra mim. Novo de um jeito que eu nunca imaginei...
-A gente tem que ir com calma. Eu ainda fico assustada com tudo isso...
-Não me sinto assustada... mas consigo te entender.
-Sabe o que é? É que eu nunca na vida pensei que pudesse viver um amor ao lado de uma mulher... que pudesse me apaixonar por uma.
-Nem eu cheguei a pensar nisso. Acho que estamos nesse mesmo momento, onde tudo é novo pra nós...
-A gente vai precisar descobrir muitas coisas ainda...
-E o melhor disso é que juntas a coisa fica bem mais fácil, né?
-Disso eu não tenho dúvida.
-Maurício vai gostar de saber. Ele torceu por isso.
-Você tem sorte de ter criado um filho maravilhoso assim. Espero que o Miguel siga esse caminho.
-Eu tenho certeza que vai ser. Você não me disse que o seu ex tem melhorado demais como pessoa desde que começou o namoro com a advogada que é dona do pub? Gente, quase nunca lembro que o nome dela é Idina, isso que tá na fachada do pub, socorro!
-Sim, menina! José tá num progresso que dá orgulho de ver! Mas mesmo assim... ele é pai do Miguel, entende?
-E daí? Você é mãe. Mãe é sempre algo maior. Mas... se você tá pensando que ele pode encrencar... eu duvido muito.
-Mas eu não duvido.
-Posso saber por que?
-Eu sei como foram nossos tempos de guerra silenciosa. Nada era dito... mas o clima era pesadíssimo. Olhares, julgamentos que saltavam pelos olhos, desconfianças...
-Mas isso tinha a ver com o racismo dele, não?
-Sim.
-E ele não tem superado?
-Também.
-Então posso saber qual é o seu medo, Susi?
-Medo que ele, como pai do Miguel, queira disputar a guarda dele.
-Duvido. A... Idina, ela não deixaria ele fazer uma coisa dessas.
-Nela eu confio. Mas será que ela consegue segurar o Zé?
-Você não me contou que ela tem feito uma revolução na vida dele?
-Sim...
-Eu acho que é perfeitamente possível que tudo seja numa boa. E sinceramente, o seu ex não parece ser alguém que encrencaria, de forma alguma. Entendo seu medo, mas não concordo com ele...
-Bem... eu vou tentar me acalmar. Cedo ou tarde, ele vai ter de saber.
-Fica aqui, calminha. Juntinho de mim... não é hora de pensar nos problemas que podem vir...
CORTA A CENA.
CENA 2: Gustavo chega em casa e se flagra pensativo sobre conversa que teve com Daniella.
-Será que a Dani e a Valéria tem razão, no final das contas, gente? - murmura Gustavo, consigo mesmo.
Gustavo segue lembrando dos momentos com Flavinho e fica dividido.
-Se eu ligar pra mana agora, é capaz dela me cobrir de xingamento até a próxima geração porque ela odeia ser acordada... será que a Dani ainda tá acordada? Acho que vou mandar uma mensagem de voz, antes...
Gustavo pega seu celular e manda uma mensagem de voz para Daniella.
-Dani... ainda tá acordada? Se estiver, a gente pode falar? Ando pensando naquelas coisas que a gente conversou... beijo.
Poucos instantes depois, Gustavo recebe a resposta por escrito.
“Estou acordada, sim. Vou te ligar, pode esperar”.
O celular de Gustavo toca. Ele atende.
-Oi, Dani... espero não ser incômodo.
-Vai se catar que você nunca vai ser incômodo pra mim, Gustavo? Então... quer dizer que andou pensando no que a gente falou?
-Sim, Dani... e eu ando meio dividido com tudo isso, sabe?
-Tá... espera aí... dividido em que sentido? Isso ainda não me diz muita coisa.
-Bem... eu nem sei por onde começar a te dizer isso...
-Que tal pelo começo? Eu hein... parece que não me conhece, rapaz! Não tem nada que cê não possa falar comigo. Vai em frente!
-Eu andei pensando em tudo. Primeiro no que a mana conversou comigo. Depois, no que ocê me disse.
-Fala logo que cê tá meio balançado pelo Flavinho, não vai cair pedaço admitir.
-O difícil não é admitir. É não saber onde tudo isso vai parar. Não quero estragar nada.
-Posso saber o que seria estragado, Gustavo? Eu e você somos amigos antes de mais nada, certo? Isso não se perde. Ou será que cê não tá preocupado comigo?
-Sim. Não é com você. Tenho receio de... sei lá, estar confundindo as coisas, envolver o Flavinho nessa confusão e acabar abalando a nossa amizade.
-Entendi... mas me responde uma coisa: você está disposto a correr esse risco?
-Não.
-Que? Deu pra ser covarde, agora?
-Não é questão de covardia, amor... é questão de preservar a nossa amizade de anos. Eu não suportaria viver com a ideia de que posso machucar os sentimentos de alguém tão puro como ele.
-Vish. Gustavo... eu sinto te dizer, mas acho que cê tá se apaixonando de verdade por ele.
-Não é pra tanto.
-Se ouve falando, meu amigo! Você se preocupa em não fazer ele sofrer. Se isso não for amor, eu não sei mais o que é...
Gustavo fica pensativo. CORTA A CENA.
CENA 3: No dia seguinte, Elisabete chega em casa e Maurício a recebe.
-Nossa, mãe! Tá andando tão leve que chega a quase flutuar. Qual é a boa?
-Filho... cê não vai acreditar, mas...
-Até posso imaginar...
-Sim, mas ouvindo de mim eu aposto que vai ter muito mais emoção.
-Então fala logo que já tou me coçando aqui!
-Eu e a Susi estamos namorando!
Maurício abraça a mãe, empolgado.
-Finalmente, mãe! Parabéns pela coragem! Aliás, parabéns pra vocês duas, né? Não deve estar sendo um processo fácil pra ela, nesse momento...
-Nem um pouco. Mas sabe que tenho um pouco de receio?
-Do que?
-Do seu pai.
-Ah, me poupe! O pai não tá nem aí pra isso... quer mais que você seja feliz.
-Na teoria. Mas na prática a coisa pode ser diferente. Agora eu assumi um relacionamento sério com outra mulher. Isso muda as coisas... pro bem e pro mal.
-Não acho. Na verdade, eu penso que cê tá exagerando nesse medo todo, mãe...
-Sei lá... vai que o Fábio resolve encrencar.
-E se ele resolvesse, o que eu duvido, o que aconteceria?
-A nossa amizade poderia sair abalada...
-Besteira. Duvido que isso aconteça. Depois, eu sou o único filho de vocês, sou maior de idade e vacinado. Você não tem nada a perder, mãe.
-Tá... é que eu talvez precise de algum tempo pra ir falando pro seu pai, pras pessoas num geral. É tudo muito novo pra mim, sabe? Nunca na vida eu pensei que pudesse ser bissexual. E de repente me vejo apaixonada pela Maria Susana... no meio disso tudo, a gente começa a namorar.
-Feliz de você, mãe... amor não é pra qualquer um nessa vida, não...
-Ai, filho... eu sei disso. Mas dá medo. Não do amor... mas das pessoas.
-Daí seria um problema delas, não seu.
-Seria só delas se isso não nos colocasse em risco.
-Acho que não é hora pra pensar nisso.
-Se não for agora, vai ser quando? Eu amo amar. Mas sei que existe ódio nesse mundo e não é pouco...
-Fica tranquila, mãe... nada nesse mundo há de ser maior que o amor...
CORTA A CENA.
CENA 4: Durante café da manhã, Idina estimula José a se envolver em movimentos sociais.
-Olha, Zé... eu sei que você pode achar tudo isso meio fora da sua realidade agora... mas eu ando percebendo que isso tá chegando cada vez mais perto de você...
-Idina... eu sei do seu engajamento. Sei da importância que tudo isso tem pra você. Mas tenho medo.
-Medo de que?
-De não conseguir parar.
-Tá vendo? Eu sabia, meu amor... eu sabia! Essa vocação nasceu com você. Tava no seu DNA, no seu sangue, você só não sabia... e agora tá vindo essa vontade de lutar por uma sociedade mais justa e igualitária, não tá?
-Eu não pensei que fosse dizer uma coisa dessas há dois meses, mas... sim. Eu tou descobrindo a mim mesmo nisso tudo. Mas dá medo...
-Além do medo de não conseguir parar?
-Sim. Dá medo de ser perseguido.
-Ah, isso você tiraria de letra. Tenho certeza disso.
-Mas ainda não sei se entro nos movimentos sociais, amor...
-E por que não? Num primeiro momento você só se agrega. E pode passar o resto da vida sem se lançar a candidatura nenhuma, se não quiser. Mas pensa no Miguel... no quanto ele pode se beneficiar se você se somar à luta...
-Nem fala, Idina... penso no meu filho todos os dias. Eu pensei que não existisse mais tanto racismo e eu mesmo era racista.
-Você não acha justo que o Miguel tenha um mundo mais igualitário e menos feio pra quando ele crescer?
-Acho... mas ninguém muda nada sozinho...
-Concordo. Mas quanto mais gente estiver unida nessa luta, mais rápido vem a mudança, entende?
José fica pensativo. CORTA A CENA.
CENA 5: Idalina, na casa de Maria Susana e brincando com o neto, nota a ex nora preocupada.
-Querida... desde que eu cheguei cê tá com uma cara de preocupação... se precisar desabafar, eu tou aqui, você é uma filha pra mim... lembra?
-Ai, Idalina... eu nem sei por onde começar. Não dá pra falar na frente do Miguel...
-Miguel, meu querido... pode ir jogar lá no seu quarto? Vovó precisa falar com mamãe, tá?
Miguel atende prontamente. Maria Susana começa a falar.
-Sabe o que é, Idalina? Eu tou namorando uma mulher...
-Você acha que eu não sei? Eu percebo as coisas. É a Elisabete, não é?
-É... e eu tou morrendo de medo de contar isso pro seu filho.
-Não entendo o motivo. O Zé anda tão mudado, sabe?
-Eu sei. Mas ainda assim eu fico desencorajada a falar pra ele que eu tou amando uma mulher, sabe? Ainda mais que agora é namoro, é coisa séria...
-Francamente, Maria Susana... francamente. Vocês são só amigos. Marido e mulher ficaram lá atrás... pra que esse medo todo?
-Vai que ele tem alguma homofobia, lesbofobia... sei lá como é que chama?
-Cê acha que o Zé seria capaz disso?
-Não sei. Tem a Idina, né?
-Exatamente. Essa mulher mudou a vida dele, querida... acaso você tá pensando que ele pode querer a guarda do Miguel?
-Não vou mentir... pensei exatamente nisso.
-Vish, minha filha... pode tirar isso da cabeça. Conheço minha cria. Ele não seria capaz disso... cê tá fazendo tempestade em copo dágua... mesmo.
-Ai... me abraça?
CORTA A CENA.
CENA 6: Armênia observa Humberto guiar uma senhora travesti idosa até a saída da lanchonete. Quando a senhora pega um táxi, Armênia abraça Humberto.
-Ei, amor... que foi? Surto de ternura a essa hora da manhã?
-Você tá me enchendo de orgulho, sabia disso?
-Que conversa é essa, Armênia?
-Não se faça de desentendido. Aquela senhora, a dona Valquíria... você sabe que ela é uma travesti, não sabe?
-Tem como não saber? É nossa cliente há anos. E mesmo hoje ainda vem, mal pode se locomover, mas ainda vem fazer o lanche sagrado dela...
-Sabe o que é? Eu nunca te vi tratando uma senhora como ela ou qualquer LGBT com tanta gentileza. Você tá mesmo mudando pra melhor, Humberto... e eu me orgulho demais de perceber que isso tá sendo espontâneo...
-Ah... esses incidentes com nosso filho andam me ensinando um bocado sobre a vida. E acho que dessa vez é pra valer, viu? Eu comecei a perceber como a dona Valquíria sempre é sozinha, por exemplo... enquanto a mãe dela ainda era viva, ainda fazia companhia. Mas e nos últimos vinte anos, como ficou a pobrezinha? Sem marido, sem referencial... e ainda levando pancada da sociedade todo dia. Não sei como ela resiste.
-Essa solidariedade que surgiu em você é justamente o que me comove, meu querido...
-Eu deveria ter percebido antes. Pessoas como ela às vezes só precisam de amigos. De gente que não julgue, que ame e acolha...
-Exatamente, meu querido... exatamente. Meu orgulho!
Armênia abraça Humberto. CORTA A CENA.
CENA 7: Carla resolve desabafar com Margarida.
-Ai, mãe... cê tem um tempinho pra mim?
-Sempre, Carla... tá precisando desabafar?
-Ai... sim. Eu tenho andado bem triste, sabe?
-Eu percebi isso, filha... mas por que?
-Acho que me apaixonei pela pessoa errada.
-Mas de novo?
-Ai, mãe... não me julga, vai! Coração é meio burro, às vezes. Eu bem que podia ser menos canceriana, mas fazer o que... é a vida...
-Quem é ele?
-O Gustavo, acredita? Entende por que eu tou sofrendo agora?
-Mas filha! Ele não é o namorado da Daniella?
-É... ou era, sei lá. Tá percebendo como eu tenho essa vocação pra me meter em roubada?
-Filha... será que você não fica buscando inconscientemente esses amores impossíveis?
-Como assim, mãe?
-É sempre alguém comprometido... ou se não, amando outra pessoa. Ou ainda alguém que mora longe... assim fica complicado de achar alguém, Carla...
-Eu não consigo evitar, mãe... e isso me faz sofrer. E o pior é que chega a doer o tanto que eu amo o Gustavo, sabe?
-Oh, meu bebê, vem cá...
Margarida afaga Carla. CORTA A CENA.
CENA 8: Flavinho percebe Gustavo distante.
-Ei! Hoje não era dia de você contar história pras crianças?
-Até era... mas não ando muito no clima. Quer contar no meu lugar?
-Até quero. Mas antes quero entender o que tá pegando.
-Nada...
-Será que é nada, mesmo?
-Tou dizendo, Flavinho... fica de boa.
-Não sei. Eu te conheço, Gustavo... e quando ocê fica nessa de falar quase nada, de resposta curta, é porque tem alguma coisa acontecendo.
-Se estiver acontecendo, ocê também sabe que eu não vou falar agora, não sabe?
-Eu sei. Só queria deixar claro que tou aqui, tá?
-Flavinho... eu sei disso. E não tenho palavras pra agradecer. Mas vai por mim... não é hora pra eu falar muito...
-Não vou insistir. Só que me aperta o peito te ver assim.
-Eu tou bem.
-Sua boca diz. Mas não os seus olhos.
-Só preciso de um pouco de sossego. Vai ficar tudo certo.
-Qualquer coisa, só me chamar que a gente conversa, tá?
-Tá...
CORTA A CENA.
CENA 9: De noite, Bernadete estranha quando entra em seu quarto e vê tudo escuro.
-Credo! Esqueci até de ligar o abajur!
Bernadete então é surpreendida por Leopoldo, que acende as luzes e coloca música para tocar. Bernadete vê que a cama está cheia de rosas.
-Sabe, amor... andei pensando no que a gente andou falando... que não tinha mais paixão... que tal a gente tentar resgatar isso?
-Leopoldo! Eu nunca esperava isso de você...
-E aí, gostou?
-Tou adorando! Parece que voltamos a oitenta e cinco! Que maravilha!
-Sabe o que é? É que eu te amo. E acho que me esqueço de te dizer isso.
-Esse ambiente, essa música... tudo isso tá me dando ideias... e vontades...
-A intenção é justamente essa, querida...
-Quem diria, hein? Logo você...
-A gente faz o que pode, né? Mas se alguma coisa estiver incomodando, é só me dizer.
-Deixa de bobeira, Leopoldo... tudo isso aqui tá ótimo. Tá lindo, tá perfeito... e me deixando cheia de desejo.
Os dois se amam. CORTA A CENA.
CENA 10: Adormecida ao lado de Hugo, Valéria se vê transportada em seu sonho para Belo Horizonte. Na casa, está ela, Hugo, o bebê e Flavinho. Valéria escuta a campainha tocar e quando abre, se depara com Giovanna, que entra como um raio na casa.
-Alguém me ajuda! - grita Valéria.
De repente, Hugo, o bebê e Flavinho somem. Giovanna, cheia de roupas na mão, surge na sala.
-O que cê fez com eles, sua demônia?
-Eles são meus, Valéria. Tudo o que você pensa que é seu nessa vida é meu! Meu! Só meu! Eu vim buscar tudo o que você tirou de mim!
-Cê tá louca, Giovanna... o Hugo se apaixonou de verdade por mim!
-Ninguém tem querer! Eu sou a dona disso tudo aqui! Se eu disser que é meu, então é meu! E fora dessa casa!
-Não saio.
-Ah, não sai? Então eu chamo a polícia!
Valéria se acorda assustada. FIM DO CAPÍTULO 76.
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