CENA 1: Giovanna ignora perplexidade de Hugo e segue a falar.
-Temos que ser práticos, não adianta fazer essa cara de puritano, que você está bem longe de questionar a moral de qualquer pessoa.
-Giovanna... do que você é feita?
-De carne e osso, ué. Que pergunta mais imbecil...
-Não me subestime, Giovanna. Nem zombe da minha inteligência. Afinal de contas, qual é o seu grande interesse nesse meu casamento com a Cristina?
-Pensei que você fosse mais esperto, Hugo. As coisas ficam mais excitantes assim.
-Como é que é?
-Óbvio que ficam. Levamos sempre as coisas desse jeito nos últimos anos.
-É, só que até então eu não tinha marcado casamento com ninguém.
-Justamente por isso. Estamos há muito tempo nessa coisa. O nosso relacionamento foi caindo na mesmice, foi ficando sem graça. Eu gosto da novidade, da adrenalina, de me sentir viva, com o sangue correndo nas veias. Gosto de me sentir clandestina.
-Você gosta é de ser a outra, isso sim.
-Nunca neguei isso, meu querido. Não nasci pra me casar, nem pra ter filho, nem pra lavar roupa suja de marido folgado que deixa a cueca freada cheirando a bosta. Nasci pra ser a outra, mesmo.
-Mas isso não vai mudar, se você não quiser.
-Você não percebe a gravidade das coisas, Hugo? Será que tenho que desenhar? Sem casamento, eu deixo de ser a outra. Ou você esqueceu que chegamos ao ponto de passarmos um fim de semana inteiro juntos, antes da Cristina aparecer? Isso seria nosso fim, Hugo. E a menos que você não me queira mais, é bom dar um jeito de perdoar a Cristina e dar um jeito de se casar com ela.
-E por que tem de ser ela? Não pode ser outra?
-Não, não pode. A Cristina é a mulher perfeita pra você. Não é uma tonta apaixonada que acredita em romance ou príncipe encantado. É focada nela mesma, na carreira, em tudo o que se propõe a fazer. Continuaríamos tendo tempo pra sermos amantes. Seria perfeito pra todos nós.
-Tão focada nela mesma que fugiu com o Vitório.
-Alguma coisa me diz que isso não vai longe. Cedo ou tarde a mágoa que existe entre eles vai falar mais alto. E é aí que você entra como o cara compreensivo, que perdoa e releva tudo. Você pode ser a tábua de salvação dela. E ela, a nossa.
-Sabe, Giovanna... às vezes me pergunto qual é a linha que divide essa sua postura entre modernidade e maquiavelismo. Se é que existe alguma linha dividindo.
-Você é sentimental demais, Hugo. Precisa classificar as pessoas em boas ou más. Esperava mais da sua maturidade. Existe uma linha... tênue, é verdade. Mas existe. Não me julgue.
-Não te julgo, Giovanna. Só é difícil te acompanhar às vezes.
-Pode ser fácil, se você deixar de buscar explicação pra cada coisa que eu mando você fazer.
-Já parou pra pensar que não é todo mundo que gosta de ser mandado assim?
-Pra cima de mim, Hugo? Me poupe. Você sempre concordou com as regras desse jogo. Vai arregar agora?
-Claro que não!
-Então essa discussão nem faz sentido. Vamos aproveitar esse tempo livre aqui na sua casa. Fazer um amor gostoso enquanto seus pais nem suspeitam de nada...
-Não, Giovanna. Isso já é loucura.
-Engraçado... você não dizia isso antes.
-Giovanna, eu ainda preciso pensar em tudo o que você me disse. E pra pensar, eu preciso ficar sozinho. Não quero ser grosso, mas por favor... vá embora. Amanhã nós conversamos melhor.
-Tudo bem. Mas esteja certo que nós ainda vamos voltar nesse assunto.
Giovanna parte. CORTA A CENA.
CENA 2: Na manhã do dia seguinte, Cristina acorda-se preocupada e Vitório nota sua expressão.
-Dormiu bem, amor? Que cara é essa?
-Demorei a dormir. Acordei duas vezes... não conseguia parar de pensar naquela coisa que me deu aquele dia.
-Ah, o estresse? Não sei pra que pensar nisso, Cris... já passou. Estamos bem... relaxados na medida do possível.
-Não é normal o que me deu, Vitório...
-Você nunca antes viveu uma situação de estresse da maneira que nós vivemos nesses últimos dias.
-Não, amor... aquilo ali não é normal. Nunca vi isso de perder parcialmente a visão por conta de estresse.
-Você deve saber do que está falando. Mas acha que já é pra ficar preocupada desse jeito?
-Sabe... eu tinha uma parente distante, já falecida, que minha mãe conta que tinha um problema sério nas vistas. Morreu cega. É isso que me preocupa. Na época ninguém soube dizer porque ela, uma mulher saudável, simplesmente perdeu a visão em pouco tempo. Ela acabou entrando em depressão e não durou muito depois da cegueira.
-Que coisa pra se falar, amor! Faz tanto tempo, é parente distante! Se Deus quiser você só teve uma reação corporal ao estresse que a gente andou vivendo, nada além disso.
-Você consegue me deixar tranquila mesmo quando eu tou morta de preocupação...
-É o mínimo que posso fazer. Não aguento te ver com essa carinha...
-Quero poder esquecer de tudo isso. Mas a história dessa minha parente não para de pipocar na minha cabeça faz dois dias...
-Tá vendo? Você precisa pensar mais positivo.
-Só quero esquecer de tudo isso.
-Basta querer.
-Com você ao meu lado, fica mais fácil. Inclusive, tenho uma tarefa pra você.
-Ih, lá vem bomba...
-Tou brocada de fome. Você sabe o que isso significa.
Cristina e Vitório riem.
-Tá bom, general! Eu vou preparar o seu café da manhã com tudo o que a senhora minha patroa tem direito!
-Vou com você.
-Que? Vai me ajudar? Meu Deus, vou olhar lá fora pra ver se não caiu algum meteoro!
-Quem, eu? Ajudar? Nada disso! Vou é fiscalizar pra ver se você tá fazendo tudo direito, isso sim!
-Boba. Te amo, sabia?
-Não sabia. Pode repetir?
-Te amo, te amo, te amo!
Os dois se beijam, apaixonados. CORTA A CENA.
CENA 3: Daniella chega com Gustavo à clínica e ele vai à sua sala.
-Desculpa incomodar, mas... queria continuar aquele nosso papo.
-Gustavo... eu entendo que você queira esclarecer algumas coisas, mas a gente podia aproveitar o horário do intervalo, alguma coisa assim. Os pais já estão vindo com as crianças para começarem as sessões de quimio...
-Eu sei disso. Não vou fugir à minha responsabilidade. Nem eu nem o restante do pessoal.
-Entenda, querido: não quero ser grossa. Mas acho que seria melhor você sair daqui.
-Tá... eu saio. Mas não antes de conversar rapidinho com você. Temos uns 5 minutos, não temos?
-Você é insistente, rapaz. Tá, não custa nada a gente conversar agora. Mas se for o que eu tou pensando...
-Sabe o que é, Daniella? Você sempre pensa que sabe tudo o que a gente quer.
-Não é que eu saiba, Gustavo. É que o filme que tou prestes a ver aqui diante dos meus olhos, eu já vi outras vezes. É como se fosse um jogo de cena, com todas as falas e marcações parecidas.
-Só que você não é atriz aqui.
-Você entendeu direitinho onde quis chegar.
-Não, não entendi. Podia ser mais clara?
-Eu sei, eu sinto que você não se conforma de alguma maneira com o meu modo de viver e aproveitar a vida. Não estou me achando, não pense isso de mim.
-Eu não pensei nada, Daniella.
-Pensou. Eu gosto de você, Gustavo.
-Se você gosta, por que não tentar?
-Não é essa a questão. A gente mal se conhece, entende? Depois, se não foi diferente com os outros caras, por que haveria de ser com você?
-Você tá colocando palavras na minha boca, Daniella. Até agora eu não disse nada.
-Então fala o que você quer falar.
-Tá... você tem razão: eu gosto de você. Você tá me conhecendo agora, mas tem um bom tempo que te observo, que sonho com você.
-Viu? Mais um motivo pra gente ir com calma. Você pode acabar se decepcionando comigo. Não que eu te deva alguma coisa, mas você pode acabar decepcionado quando perceber que eu não sou a imagem que você criou de mim. Quando vir suas expectativas irem pelo ralo. É isso que quero evitar entre a gente. Ficar com a parte boa, sem o desgaste, entendeu?
-Eu queria tentar um namoro com você. Acho que me apaixonei.
-Precisamos de calma. Você, mais que ninguém, precisa de calma. Não adianta forçar a barra. Vamos deixando acontecer... naturalmente, com o tempo a nosso favor, não contra nós.
-Você fala tão doce que convence qualquer um.
-Acredite, meu querido: vai ser melhor assim. Sobretudo pra você. Agora vai trabalhar, afinal de contas, aquelas crianças precisam de você.
CORTA A CENA.
CENA 4: Flavinho insiste em conversar com Valéria sobre possível gravidez.
-Amiga... se eu fosse você, tiraria essa dúvida sobre a gravidez agora mesmo.
-Para com isso, Flavinho. Minha menstruação sempre dá uma atrasada, isso é normal.
-Isso pode até ser normal, mas e aquela tontura que ocê sentiu do nada, me explica de onde veio?
-Você tá se deixando levar pela teoria maluca que o Leo criou, só pode. Onde já se viu eu engravidar a essa altura da vida...
-Se fosse teoria maluca, você não ficaria tão preocupada.
-Dá pra ver que tou preocupada?
-Tá estampado na sua cara.
-Ai, amigo... eu tento não pensar nisso. Só que uma gravidez agora seria um problema.
-Posso saber por que? Você trabalha, é uma mulher dona do próprio nariz...
-É, só que filho não se faz sozinho, esqueceu?
-E o que é que tem?
-O que tem é que não sei como vou jogar essa bomba pro William caso eu esteja realmente grávida. Ele é mais duro que eu, gente! Como que ele vai se virar pra ajudar nas coisas que precisa? Deus é pai... e eu não vou estar grávida.
-Ele não faltaria com a responsabilidade dele. Ele não é mais nenhum garotão.
-Você fala como se tivesse certeza que tou grávida. Com um amigo desses, não preciso de inimigo, credo...
-Valéria, amor da minha vida... entende uma coisa: você tá diferente.
-Claro, né! Como é que não vou ficar diferente se tou apavorada com isso?
-Será que é com isso ou com outra coisa?
-Ih, nem vem, Flavinho. Se for sobre o que o Leo disse dia desses, pode esquecer.
-Mas você ficou pensando nisso.
-Ai viado, a gente não tá se atrasando pra trabalhar, não? Daqui a pouco eu já tenho que pegar no salão.
-Depois diz que não tá desconfiada e nem fugindo do assunto...
-Ai, Flavinho... agora não. Sério. A gente pensa nisso outra hora.
-Essa hora vai ter que chegar, minha amiga. E logo.
CORTA A CENA.
CENA 5: Guilherme sai apressado antes de terminar o café da manhã e Armênia percebe o olhar desconfiado de Humberto.
-Que cara é essa, Humberto? Nem adianta me esconder que eu sei que você pensou besteira.
-E não é pra pensar? Justo hoje que o nosso filho pega a faculdade mais tarde?
-O que é que você tem a ver com isso, posso saber? Ele não vive só em função de estudar.
-Claro. Deve viver em função de fazer libertinagem também.
-Não consigo acreditar que você foi capaz de dizer uma coisa dessas... outra vez, ainda por cima!
-Tou falando alguma mentira?
-Na sua cabeça, não é mentira. E isso é o que mais me deixa indignada.
-Pois você deveria se indignar é com essas saídas dele.
-Você definitivamente não conhece o Guilherme. Não sabe quem é seu filho de verdade. Prefere ver sacanagem em tudo. Sabe, eu me pergunto às vezes: de onde vem essa sua mania de ver malícia em tudo? Será vontade reprimida?
-Nunca mais repita isso! Você sabe que sou um homem honrado!
-E por acaso nosso filho não é? Ele não ajuda as pessoas? Ele não faz caridade? Me diz!
-Sei bem o tipo de caridade que ele faz.
-Não sabe, não senhor! Você pensa que sabe. Parou no tempo, em algum lugar da juventude lá nos anos setenta ou coisa parecida. Sabe o que você se tornou? Um velho lamentável.
-É, mas você ainda tá casada comigo.
-Não deveria. Mas sei que você tem capacidade de vencer tudo isso. No dia que você perceber o mau juízo que faz do nosso filho, talvez já seja tarde.
-O que você quer dizer com isso?
-Entenda como quiser. Vamos abrir o Ilha de Malta, está na hora.
CORTA A CENA.
CENA 6: José pede para conversar com Maria Susana.
-Por favor, meu amor! Faz dias que você mal troca palavras comigo!
-Você está careca de saber o motivo, José. Mas se você quer falar, aproveita enquanto eu não acordo o nosso filho pro colégio.
-Você vai mesmo insistir em me punir por isso?
-Quem me pune é você, José. Todos os dias. Me pune por algo que eu nem fiz.
-Não é assim. Você sabe que não é.
-Então é como, explica aqui pra mim, vai.
-Juro que quero parar de desconfiar.
-Viu? Pelo menos você admite que essa desconfiança existe. Só que você tem a dimensão do que isso significa?
-Não, Maria Susana... eu não duvido da sua fidelidade.
-Então duvida do que? Você sabe como tentei engravidar. Até a inseminação artificial não funcionou. Você pensa que eu tentei com outro cara?
-Não, eu nunca disse isso!
-Precisa dizer? Tá na sua cara. Nesse seu desconforto. Meu pai era negro, poxa! Dá pra entender isso?
-Mas eu entendo!
-Entende tanto que faz anos que essa desconfiança cresce dentro de você. E essa situação já está ficando insuportável em todos os sentidos pra mim. O maior estrago que você poderia fazer entre nós, já está feito.
-Isso significa o que?
-Talvez o nosso casamento esteja acabado. Mas preciso acordar nosso filho. Você acreditando nisso ou não, Miguel é seu filho. Agora me dê licença.
CORTA A CENA.
CENA 7: Maurício questiona mãe durante café da manhã.
-Posso saber por que você ainda não assinou a sua parte na papelada do divórcio que o pai entregou?
-Maurício... eu prefiro que seu pai volte de viagem pra assinar, meu filho...
-A quem você quer enganar, mãe? Você está querendo ganhar tempo, pensando numa maneira de não precisar assinar a papelada e manter esse casamento.
-Não é verdade, meu filho... Fábio merece ser feliz.
-Você prefere que ele seja feliz ao seu lado. Só que o pai não vai conseguir ser feliz enquanto se sentir responsável por você e por tudo o que te acontece. Você tá perdendo tempo, mãe... tentando salvar um casamento que já acabou quando eu ainda era um garoto! Você precisa aprender a seguir adiante com a sua vida. Por você, em primeiro lugar.
-Mas quem sou eu, meu filho? Quem sou eu?
-Isso é você quem precisa responder.
Os dois se abraçam. CORTA A CENA.
CENA 8: Anoitece. Cristina está assistindo televisão quando sente sua visão falhar novamente.
-Vitório, corre aqui! Agora, por favor!
-Calma, amor! Que voz é essa? Você tá bem?
-Não sei. Não sei de mais nada! Eu não tou conseguindo enxergar direito outra vez!
-Isso já não é normal, amor...
-Eu não te falei, Vitório? Tem alguma coisa muito errada acontecendo comigo.
-Eu tou começando a ficar realmente preocupado, Cristina.
-Não sei o que fazer, amor... tenho medo que isso acabe me deixando cega.
-Você não vai ficar cega. Não pense uma besteira dessas. Acho melhor a gente voltar pro Rio.
-Mas a gente mal chegou aqui. Ficou doido, Vitório?
-Esqueceu que tenho meu apartamento lá? Te contei durante a viagem. Ninguém sabe onde fica. Vamos estar anônimos, se você preferir.
-Vou preferir, sim. A gente vai ao Rio, mas é pra agendar e fazer meus exames. Se tudo der certo, nós voltamos pra cá depois. Adoro esse lugar, quero poder aproveitar mais vezes.
-O foco agora é sua saúde. Eu vou arrumar nossas malas.
CORTA A CENA.
CENA 9: William encontra com Valéria após ela deixar o salão onde ela trabalha.
-Demorou hoje, Valéria... muito movimento no salão?
-Nem foi tanto movimento, amor... só trabalhos demorados, mesmo.
-A gente podia dar uma volta, comer alguma coisa, o que cê acha?
-Tou sem fome.
-O que? Você sem fome?
-Tá... até tou com alguma fome, mas tou exausta. Você pode me levar pra casa? Hoje não vou ser uma boa companhia.
-Nossa... que seca.
-Não leva a mal, amor. Eu realmente tou quebrada hoje.
-É... mais do que o normal, inclusive. Parece que não tá fazendo questão da minha presença.
-Sem drama, William. Eu só quero descansar.
-Nós poderíamos descansar juntos.
-Hoje não, amor. Tem momentos que preciso ficar sozinha.
-Alguma coisa tá acontecendo. Você não quer me dizer?
-Que história é essa? Quem disse que tá acontecendo alguma coisa aqui?
-Não precisa dizer, Valéria. Eu vejo que você tá preocupada.
-Tá vendo coisa. Só tou cansada. Me leva pra casa, por favor? Se quiser ficar pra jantar, fica.
-Não quero incomodar. Você não disse que quer ficar sozinha? Então vou te deixar sozinha. Vou ligar pro táxi.
-Obrigada...
Valéria olha aflita para William. CORTA A CENA.
CENA 10: Vitório e Cristina chegam ao apartamento dele no Rio de Janeiro.
-Gente... que apartamento aconhegante. Você comprou quando?
-Assim que voltei pro Brasil.
-Como assim?
-Acho que não te contei isso antes... achei irrelevante dizer.
-Irrelevante? Faz quanto tempo que você tá de volta no Brasil?
-Dois meses.
Cristina fica perplexa. FIM DO CAPÍTULO 7.
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