CENA 1: Rio de Janeiro, outubro de 2013. Após um longo dia de trabalho, Cristina volta exausta para o apartamento que divide com seu namorado Vitório, após um cansativo dia de trabalho. Vitório a recebe com um beijo apaixonado.
-Ah, Vitório... só você mesmo pra me achar linda até mesmo no final do dia...
-E por que eu não acharia? Você sempre vai ser a mulher mais linda do mundo pra mim. Sempre foi...
-Nada como as palavras de um homem apaixonado pra levantar a nossa autoestima. Amor, eu tou destruída! Essa função dos últimos meses de trabalhar na clínica que meu pai fez pra mim me fez envelhecer dez anos ou ainda mais!
-Sempre exagerada, né dona Cristina?
-Já falei um milhão de vezes que não sou exagerada... brincadeirinha! Até parece que você também não é exagerado, seu italiano de araque.
-Boba. Quem diria que dois sagitarianos iam dar certo juntos, não é mesmo?
-Depois de dez anos, acho que posso afirmar que a gente tem uma boa química, né?
-Só química, sua ingrata?
-E um pouco de amor... só um pouquinho!
-Até parece, amor! Eu sei que você não pode viver sem mim. E eu também não consigo imaginar minha vida sem você. Quero ficar contigo pra sempre...
-Ai, Vitório... pra sempre é tempo demais, sabe? Depois, nós somos jovens demais pra falar num tempo tão grande... eu só tenho vinte e cinco anos.
-Grande coisa, ué. Aliás... o que a senhora anda planejando pros seus vinte e seis?
-Ih... não olha pra mim com essa cara, não! Você sabe que eu detesto fazer aniversário e...
-Você não perde essa mania desagradável nunca, né? Sempre desfazendo dos presentes que penso em te dar...
-Meu Deus, como é pobrezinho esse pobre rapaz! Ora essa, Vitório... quem não te conhece que te compre! Você sabe que detesto surpresas.
-É, mas bem que você se esbaldou ano passado na festa que preparei com a ajuda da dona Nicole e do seu Sérgio...
-Desfeita que eu não ia fazer, né? Agora, se você tá pensando em me aprontar mais uma dessas nos meus vinte e seis anos, te juro que eu saio correndo e pego carona com o primeiro que passar na rua...
-Depois fala que não é exagerada...
-Você não acha que tá se antecipando demais, amor? Falta mais de um mês pro meu aniversário.
-É, mas vinte e cinco de novembro tá logo ali...
-E daí? Cinco dias depois é o seu aniversário. E você sabe muito bem o que isso significa.
-Não tenho outra saída, Cristina. Meus pais não pensam em voltar mais pro Brasil...
-Aqueles carcamanos... sinto falta deles, sabia?
-Então eu já sei o que fazer...
-Lá vem você com suas ideias mirabolantes... fala logo o que você tá tramando.
-Simples: quando eu chegar lá, eu faço uma chamada de vídeo e chamo os meus velhos pra conversar contigo.
-Nossa, incrível como ninguém nunca antes na humanidade pensou nisso, né?
-Boba... eu vou sentir sua falta, sabia?
-Também vou. E esteja de volta no máximo até quinze de dezembro, senão já sabe...
-Já sei o que?
-Que eu faço a louca e me mando pra Itália!
-Até parece.
-Duvida?
-De você eu não duvido. Mas duvido que seu pai ia permitir um troço desses depois de apostar todas as fichas em você.
-E o problema é de quem? Dele, ué. Eu ainda sou uma mulher independente.
-É mais fácil ele deixar a Daniella fazer mochilão do que permitir que você largue a clínica...
-No fundo eu sei que não largaria a clínica.
-Tá vendo? Você ama o que faz...
-Mas não mais que você...
-Sei...
-Vem cá, seu projeto de homem: o jantar não fica pronto, não? Tou morta de fome!
Os dois se divertem. CORTA A CENA.
CENA 2: Belo Horizonte, novembro de 2013. Flavinho está prestes a encerrar seu expediente como enfermeiro no hospital no qual trabalha quando escuta ruidosas gargalhadas vindo da ala infantil.
-Gente, o que deu nos pequenos? Nunca vi um trem desses...
Curioso, Flavinho vai espiar silenciosamente o que está acontecendo na ala infantil e é surpreendido por um rapaz vestido de palhaço fazendo estripulias para alegrar as crianças. Encantado com o que vê, se emociona ao ver a alegria das crianças. Ao tentar deixar o ambiente sem ser notado, acaba esbarrando na mochila do rapaz que veio alegrar as crianças, o que leva as crianças novamente às gargalhadas. O rapaz vestido de palhaço então se finge de zangado.
-Posso saber quem é esse sujeito malvado que tá roubando os risos de mim? - pergunta o rapaz, maroto.
Envergonhado, Flavinho tenta deixar o quarto, mas o rapaz segura suavemente seu braço.
-Relaxa, moço... vem participar com a gente! Não é um encanto ver essas crianças tão felizes? - fala o rapaz.
-Desculpa se eu atrapalhei... - fala Flavinho, tímido.
-Aqui ninguém atrapalha, só ajuda. Prazer, me chamo Leonardo. E você?
-Meu nome é Flávio. Mas pode me chamar de Flavinho, é como todo mundo me conhece.
-Vem cá, Flavinho... veste esse casaco colorido aqui e vem participar com a gente!
-Mas eu já tou quase de saída, Leonardo...
-Eu também preciso ir daqui a pouco. Mas enquanto não dá nossa hora, por que não fazer essas crianças sorrirem um pouco?
Flavinho olha encantado para Leonardo.
-Você é sempre insistente assim? Me convenceu... eu fico!
-Nem sempre. Só quando eu vejo uma alma pura como a sua.
-Como é que é?
-Não me leve a mal, Flavinho. É que vi um brilho no seu olhar que não tenho como me enganar. Depois daqui eu vou dar uma volta. Não quer vir comigo?
-Você é sempre tão direto assim?
-Sabe que não? Mas chega de enrolação. As crianças estão esperando pelas nossas palhaçadas. Você dá uma volta comigo depois?
-Isso tudo é doido demais, mas...
-Aceita, vai!
-Tá... depois daqui a gente dá uma volta.
Flavinho olha encantado para Leonardo. CORTA A CENA.
CENA 3: Rio de Janeiro, novembro de 2013. Bernadete termina o jantar e Leopoldo a olha, encantado.
-Sabe, amor... você é a coisa mais importante da minha vida.
-Ah, Leopoldo... você sempre tão gentil comigo. Não sei se mereço tanto. Me desculpa se eu nem sempre retribuo do jeito que você merece?
-Não exijo nada, você sabe disso. Teve trinta anos pra saber.
-É que às vezes sinto que te dou muito trabalho. Não gosto da sensação de ser um peso na vida das pessoas que amo.
-Você não tem culpa nenhuma de ter o coração fraco. Poderia ser com qualquer um.
-Ah, meu querido... eu tento ser forte. Mas acho que meu coração seria mais forte se nosso caçula ainda estivesse aqui.
-Tem certeza que quer falar sobre isso, Bernadete?
-E por que eu não falaria? Leonardo é tão nosso filho quanto Hugo. Sinto tanta falta do meu bebê...
-Mas pelo visto ele não sente a sua. Nem de ninguém nessa casa. Faz duas semanas que nem liga, esqueceu disso?
-Será que ele nem ao menos tentou, Leopoldo? Será que tá tudo bem com ele?
-Se eu fosse você, não consumiria tanto tempo e energia com essas preocupações. Deus sabe o que faz. E Leonardo também... afinal de contas ele quis se mudar pra Minas Gerais, já tem três meses. Ele está bem, meu amor...
-Até agora não entendi isso direito. Ele sempre foi muito ligado comigo, não desgrudava por nada. De repente tudo muda, ele surge com essa história mal contada de que quer ser independente e, não contente com a ideia fixa de morar sozinho, resolve se mandar pra outro estado? Não entendo o que pode ter mudado tão profundamente nele em tão pouco tempo.
-As pessoas mudam o tempo inteiro, meu amor. Não sabemos o dia de amanhã. Podemos mudar de assunto, por favor?
-Não sei porque, mas fico com a impressão de que você evita falar sobre seu próprio filho. Eu sei que você sempre preferiu o Hugo, mas...
-Não diga isso outra vez, Bernadete. Você sabe que não é verdade.
-Será mesmo que não é verdade? Toda vez que falo nisso, você fica perturbado e foge...
Nesse momento, Hugo chega em casa e nota o clima estranho entre os pais.
-Tá tudo bem com vocês? - pergunta Hugo.
-Tudo ótimo como sempre, meu filho. Só estou um pouco cansada. Só estava esperando você chegar para ir dormir... - fala Bernadete, beijando o rosto do filho e indo para o quarto.
Hugo encara com reprovação Leopoldo.
-Ih, Hugo... nem me olha com essa cara, não aconteceu nada!
-A mim você não engana, pai. A mãe perguntou do Leo de novo, não foi? E você mais uma vez fugiu do assunto pra não dar na cara que foi você e a sua mania de querer que tudo esteja sempre no seu controle que fizeram ele ir embora...
-Ele foi porque ele quis, Hugo. Não entendo essa defesa toda. Tá querendo ir pra irmandade dele, é?
-Respeite meu irmão. Ele é gay. Só isso, nada mais!
-Não repita isso em voz alta. Sua mãe pode ouvir.
-Tá vendo? Tudo sempre tem que ser do seu jeito. Saiba que as pessoas não são seus fantoches, pai. Um dia a vida vai te provar isso.
-Vamos ver quem é que vai dar o braço a torcer, no final das contas. Um dia é você que vai me dar razão. Nenhum homem gosta de não ter o controle das coisas.
-Só que meu irmão não é uma coisa. É uma pessoa. Quer saber? Não tem condição de conversar com você. É inútil.
Hugo sobe e Leopoldo fica pensativo. CORTA A CENA.
CENA 4: Na manhã de seu aniversário de vinte e seis anos, Cristina se acorda e se depara com um presente deixado por Vitório na cama.
-Tão certo quanto dois e dois são quatro é que ele sempre vai deixar um presente na nossa cama no dia do meu aniversário...
Cristina sorri e abre o presente, que é um anel de compromisso.
-Que coisa linda, meu Deus! Mas se ele pensa que eu vou aceitar pedido de casamento, que vá tirando o cavalinho da chuva!
Cristina abre a carta que veio junto.
“Cristina, meu amor: feliz aniversário! Que você aproveite maravilhosamente o seu dia e que possa viver pelo menos mais vinte e seis anos ao meu lado. Esse anel é uma proposta, mas também é um presente: você decide que rumo vai dar a ele. Pode aceitá-lo como presente e ficamos combinados assim... ou pode aceitar o meu pedido e se tornar oficialmente minha noiva. Sem pressa de casar, afinal de contas você vive repetindo que é mera formalidade da lei, contrato, essas coisas. Eu te respeito e não pretendo te pressionar nesse sentido. Mas te amo como nunca amei ninguém nessa vida...
Infelizmente eu não vou poder prestigiar esse seu aniversário ao seu lado. Meus pais pediram para que eu fosse para a Itália alguns dias antes do previsto e eu não tive como recusar. Mas prometo que volto antes do dia 15 de dezembro. Se eu não voltar, procure compreender que preciso resolver uma enrascada que meu pai se meteu. Mas espere por mim... eu volto.
Do sempre seu,
Vitório”
Cristina fecha a carta apreensiva e murmura consigo mesma.
-Tou com uma sensação de que ele não vai voltar. E se ele pensa que eu vou esperar por ele, está muito enganado. Ele pode ser o grande amor da minha vida, mas não posso parar minha vida por homem nenhum nesse mundo. E não vai ser ele que vai mudar meu jeito de ser... Deus queira que isso seja só paranóia minha. Porque se for intuição, eu nem sei o que faço...
Cristina se prepara para mais um dia de trabalho. CORTA A CENA.
CENA 5: Valéria, melhor amiga de Flavinho que mora com ele, se acorda e ao ir preparar seu café, se depara com um homem dormindo no sofá da sala e se assusta, dando um berro. O homem é Leonardo, que se sobressalta com o grito de Valéria e dá um grito junto. Flavinho é despertado pelos gritos e vai apaziguar a situação.
-Gente do céu, que gritaria foi essa? Ainda não são nem seis e meia da manhã! - reclama Flavinho.
-Quem é esse cara? Cê não me avisou nada, Flavinho... - fala Valéria, refazendo-se do susto.
Leonardo tenta explicar.
-Calma... eu sou o Leonardo. Pela cabeça rodando que tou agora, devo ter tomado um porre daqueles ontem à noite. Meu Deus, que vergonha! Onde é que eu estou?
Flavinho explica.
-Essa aqui é minha casa, Leonardo. E essa aqui é Valéria, minha melhor amiga. Cê realmente bebeu todas ontem e não sabia nem dizer onde morava...
-Ai... desculpa, gente. Cês são amigos, não são? Você nunca me falou dele, Flavinho... tomei um susto... - fala Valéria.
-A gente se conheceu ontem. - esclarece Leonardo.
-Como é que é? Me explica esse troço, gente... - fala Valéria.
-Foi ontem no hospital. Eu tava quase terminando meu expediente e me deparei com Leonardo vestido de palhaço alegrando as crianças com câncer. Acabei entrando na encenação e a gente foi dar uma volta depois. - esclarece Flavinho.
-E aí eu bebi demais. Gente, que vergonha! Se vocês quiserem, eu posso ir arrumando minhas coisas já. - envergonha-se Leonardo.
-Cê não é daqui, né Leonardo? - pergunta Valéria.
-Sou do Rio de Janeiro. Me mudei pra BH tem três meses. Mas não se preocupem, eu já vou indo nessa. Não quero atrapalhar o dia de vocês...
-E pra onde que cê vai, Leonardo? Você me disse ontem antes de apagar que não tem mais onde morar... - fala Flavinho.
-Eu falei? Poxa... desculpa, falei demais... deve ter parecido uma atitude desesperada da minha parte... - lamenta-se Leonardo.
-Por que você não fica aqui, moço? Cê parece ser um cara legal, não é qualquer um que faz o bem do jeito que cê faz, não... - divaga Valéria.
-Isso! Como não pensei nisso antes? Cê disse ontem que tava pra ser despejado do apê que alugou, não foi? Até achar outro lugar, cê pode ficar aqui... - fala Flavinho.
-Mas vocês nem sabem quem eu sou, isso não é um tanto temerário? - questiona Leonardo.
-Fica, Leonardo. Eu sei quem você é. Você é uma pessoa muito boa, eu sei disso, eu sinto. - responde Flavinho.
-Eita! Tou sentindo um climinha aí, hein? Acho que vocês não vão ser só amigos... - provoca Valéria, marota.
-Valéria, querida... cê não tá atrasada pra pegar na butique? - constrange-se Flavinho.
-Ih... é mesmo! Dona Melissa me mata se eu me atrasar cinco minutos que seja! - apressa-se Valéria, indo para o banho.
-Ói... desculpa minha amiga, Leonardo. Ela fala as coisas sem pensar, acha que todos os caras que eu conheço são gays só porque eu sou... releva, tá?
-Não sei quanto a todos seus amigos, mas... quanto a mim, eu sei direitinho. E eu sou gay, sim.
-Sério, isso?
-Não tenho razão pra mentir, Flavinho. É por causa da minha sexualidade que eu vim parar aqui em BH.
-Como é que é?
-Longa história... mas não vou poder te contar agora, Também tenho que trabalhar... ou pelo menos procurar trabalho, né...
-Ah, verdade... cê me contou que foi desligado da loja quando acabou o período de experiência... mas bem, não tem problema: você vai ficar aqui e a gente vai ter tempo de conversar. Inclusive procê não achar que a Valéria é esse... furacão todo! - fala Flavinho.
-Se não for incômodo...
-Leonardo, você ajuda pessoas que nunca viu na vida. Faz o bem sem esperar nada em troca. Isso é o mínimo que posso fazer por você...
Os dois se olham, encantados. CORTA A CENA.
CENA 6: Daniella chega em casa depois de mais um dia de ensaio e escuta gritos no quarto de seus pais, indo até lá e interrompendo a discussão deles.
-Não acredito que vocês estão nessa de discutir por minha causa de novo. Francamente, seu Sérgio! Você teve quase vinte anos pra se acostumar que essa sou eu! Poxa vida, pai! - protesta Daniella.
-Deixa, minha filha. Esse seu pai pelo visto nunca vai entender que a sua essência é assim, livre e sem amarras... - pondera Nicole.
-Tudo bem, mãe. Mas eu sei me defender. Sabe, eu acho um absurdo que depois de tanto tempo vocês percam tempo ainda discutindo por besteira. Eu sou artista, pronto e acabou. Nada vai mudar isso... pelo menos você me entende, mãe... custa você também tentar me entender, pai? Tá na minha alma, no meu sangue, na minha essência. Não sei quantas vezes eu vou ter que repetir tudo isso. Isso também me cansa. - desabafa Daniella.
-Posso falar, pelo menos? - protesta Sérgio.
-Ninguém tá te impedindo de abrir a boca e soltar o seu latim, pai... - provoca Daniella.
-Você me respeite, moleca! Se pelo menos você fosse mais ajuizada como a sua irmã...
-Ah, não, Sérgio! De novo isso eu não vou admitir, tá me entendendo? Esse tipo de pressão é completamente descabido e injusto! - fala Nicole.
-Tá vendo, Marilu? Isso que dá passar a mão na cabeça da Daniella sempre... - fala Sérgio.
-Não me chama desse nome, meu nome é Nicole! - protesta Nicole.
-Não é o que consta na sua identidade... - provoca Sérgio.
-Será que vocês podem manter uma conversa sem desviar o foco o tempo inteiro? Poxa vida! - reclama Daniella, se retirando.
Sérgio vai atrás da filha.
-Filha... desculpa. É que me preocupo com o rumo da sua vida. Ou com a falta de rumo.
-Que falta de rumo, pai? Minha vida tem um rumo. O meu rumo!
-Você não pensa em casar, ter filhos? Que homem que vai querer uma mulher toda independente feito você?
-Lá vem de novo o papo machista. Em que ano que você vive, pai? Em noventa e dois? Poxa vida! Estamos quase em dois mil e catorze, sabe? O que você espera de mim, afinal? Uma hora diz que eu tinha que ser igual à Cristina, mas a própria Cristina é independente e não pensa em se casar. Outra hora me diz que eu tenho que ser uma mulher recatada. Ora, papai, se decida!
-Você sabe do que eu tenho medo.
-Sei? Não ando boa da memória, então. Porque não lembro de você me dizer sobre seus medos uma única vez.
-Sabe sim... a gente não toca nesse assunto porque não precisa. É sobre sua falecida tia. A que tinha o seu nome... você saiu igual a ela. Mesmo gênio, tudo igual. Meu medo é que você tenha o mesmo fim que ela...
Daniella se descontrola com o pai.
-Nunca mais toque no nome dela, tá me ouvindo? Nunca mais! E você ainda vem me falar para eu confiar nos homens, depois da tragédia que foi a morte dela? Nunca, pai! Nunca!
-Mas você nem era nascida quando...
-Não me interessa! Você não tem direito de me comparar a ela. Eu nunca conheci a minha tia, mas sempre amei. E a vida dela é o meu maior espelho, tá me ouvindo? Esse assunto se encerra por aqui. Nunca mais ouse insinuar que as minhas escolhas vão me levar pro mesmo fim!
-Mas ela era minha irmã!
-Chega, pai. Eu vou dormir. CORTA A CENA.
CENA 7: Belo Horizonte, véspera do réveillon de 2014. Flavinho e Leonardo, agora namorados, ajudam Valéria a escolher a blusa que vai usar na virada.
-Ai gente, não é possível que cês não tenham a mínima noção de que roupa vai ficar melhor em mim, como pode um troço desses? - reclama Valéria, indecisa.
-Porque a gente é gay, mas não significa que a gente entenda alguma coisa de moda, quem sabe? - brinca Leonardo.
-Mas eu sei das coisas, minha intuição é ótima, cês sabiam? - retruca Valéria.
-Tão maravilhosa que não consegue nem saber o que vai ser melhor vestir pra essa virada. Ah, Valéria... coloca qualquer blusa que ocê se sente bem, uai! - fala Flavinho.
-Que absurdo cê me dizer que minha intuição não funciona, gente! Eu fui a primeira a dizer que o Leo é gay aqui nessa casa! Foi ou não foi, gente? Eu vi o clima entre cês dois antes mesmo docês perceberem! - fala Valéria.
-Ah, isso é verdade. Essa danadinha percebeu que eu tinha encontrado o amor da minha vida antes d'eu perceber... - fala Flavinho, olhando apaixonadamente para Leonardo, que o beija.
-Tenho uma ideia. Aquela blusa amarela que você comprou mês passado tá lavada, Valéria? - pergunta Leonardo.
-Tá sim... por que? - questiona Valéria.
-É que lembrei que minha mãe sempre diz que amarelo atrai dinheiro e sorte. Mal não há de fazer, não é? - explica Leonardo.
-Ói pra isso, gente! Não falei que minha intuição é ótima? Sabia que um de vocês ia me dar uma ideia boa! - vibra Valéria.
-É, mas daí a achar que nós somos super entendedores de moda... - retruca Flavinho.
-Ai meu pai do céu! Que irmão postiço mais chato que fui arranjar nessa vida! - brinca Valéria.
-Sei. Mas sem esse chato aqui a senhorita não vive! Sabe, Valéria... eu espero que você tenha a sorte de encontrar um amor logo... - divaga Flavinho.
-Deus me livre! Me prender a homem pra que? Pra largar meus planos, minha vida e esquentar barriga no fogão? Nem pensar! Não nasci pra isso, gente... - retruca Valéria.
-Mas você não sente falta de amar, Valéria? - pergunta Leonardo.
-Eu amo meu irmão que tá lá no Rio... penso que o amor é uma coisa grande demais pra se prender numa definição só... - fala Valéria.
-Verdade. Mas você vai acabar sentindo falta de algo mais... - devolve Flavinho.
-Vem cá, vocês não vão cuidar da lentilha, não? - despista Valéria, saindo do quarto.
-Sempre assim, Leo... basta a gente falar de amor que ela foge feito diabo da cruz...
-No dia que essa menina se apaixonar, vai ser pra valer. Se não for pra vida toda, no mínimo vai ser muito marcante... - divaga Leonardo.
CORTA A CENA.
CENA 8: Rio de Janeiro, véspera do réveillon de 2014. Cristina está morando novamente na casa de seus pais e está pensativa em seu quarto. Daniella vai até o quarto da irmã tentando animá-la.
-Ai, mana... me corta o coração te ver desse jeito, sabia?
-De que outro jeito eu podia estar, Dani?
-Sei lá... eu pensei que depois de uma ou duas semanas você fosse pelo menos voltar a ser aquela Cristina independente e altiva que eu sempre admirei tanto. Não é você que sempre me disse que a gente não deve se colocar na dependência de macho nenhum? Não te reconheço mais, minha irmã...
-Não acredito que você tá me fazendo esse tipo de cobrança, Dani... você nunca teve um grande amor, nunca se permitiu viver paixões até as últimas consequências. Não sabe como é a dor de ser abandonada por quem ama. Não entende o quanto dói ver o homem que você ama desde a adolescência simplesmente sumir, não dar nenhuma notícia, não dar uma única satisfação. Ser obrigada a devolver o apartamento que você tinha alugado com ele porque ficou com vergonha de admitir pros donos que foi abandonada. Eu realmente espero que você nunca experimente essa dor, minha irmã...
-Cê já parou pra pensar que o Vitório pode estar passando por algum perrengue com os pais dele? Você sabe muito bem que ele conta com a sua compreensão pra tudo. Sempre foi assim, não foi?
-Me surpreende você defendendo o Vitório pelo sumiço dele. Me surpreende você defendendo homem nessa altura das coisas...
-Não tou defendendo macho. Eu conheço o Vitório. Ele é antes de mais nada um grande amigo meu e da nossa família. Alguma explicação deve haver pra esse sumiço, vai por mim.
-Que explicação, Daniella? Estamos em mil novecentos e treze ou dois mil e treze, hein? Qual é a desculpa pra justificar essa falta de notícias? Ele podia ter ligado, ter feito uma chamada de vídeo, mandado mensagem de texto, qualquer coisa! Não vivemos em tempos de comunicação defasada, muito pelo contrário! Ele sumiu porque quis. E te digo mais: ele sempre soube que eu não ia esperar por ele ou por qualquer homem pra seguir minha vida, caso alguma coisa acontecesse. Eu sempre avisei. Se ele não levou a sério, isso não é mais problema meu.
-Engraçado você dizer que não é problema seu e estar tão abalada desde o começo do mês.
-Porque ele era o amor da minha vida, quem sabe?
-Você falou uma coisa interessante agora: disse que ele era, que não é mais. Acho que você tá começando a se desligar dele, querendo ou não. Se eu fosse você, começava a me arrumar agora mesmo pra passar o réveillon com a gente na beira do mar em Copacabana, como a gente sempre fez.
-Não sei se tou com espírito pra esse tipo de comemoração, mana... não sei se tenho alegria suficiente ou mesmo esperança pra fazer pedidos pro mar.
-Vem com a gente, Cristina. Nós sempre comemoramos a virada do ano assim. Se bem não te fizer, mal não há de fazer.
-Ai meu saquinho. Já vi que essa leonina não vai descansar enquanto eu não dançar com ela depois da virada, não é?
-Ainda bem que você sabe. Ninguém mandou você ser essa mulher poderosa, dona do próprio destino que eu sempre tive como grande exemplo.
-Tá, sua puxa saco. Eu vou. Me ajuda a escolher o figurino?
-Com todo o prazer, mana. Ei, se anima, tá? Ano novo, vida nova! Entrega essas dores pro mar...
CORTA A CENA.
CENA 9: Bernadete está acompanhada do marido Leopoldo e do filho Hugo após a ceia de ano novo. Hugo nota que a mãe está triste.
-Que cara é essa, mãe? Pensei que você tava animada com a virada do ano...
-Essa casa fica tão vazia sem seu irmão, meu filho... é a primeira vez que a gente passa natal e ano novo longe dele... - desabafa Bernadete.
-Ele deve estar bem, aproveitando o ano novo ao lado dos amigos lá em BH. Não sei pra que tanta tristeza... - argumenta Leopoldo.
-Você podia ao menos tentar disfarçar que não tá nem aí pro nosso filho, né, Leopoldo? - protesta Bernadete.
-Ei, podem parar vocês dois, viu? Nada de discussão agora, tá? - reclama Hugo.
-Nós não estamos discutindo. - justifica Leopoldo.
-Bem, que seja. Só sei que se a gente não se mandar agora pra Copacabana, a gente não chega a tempo da virada e nem de ver a queima dos fogos, então vamos parar de enrolação e vamos de uma vez. - estimula Hugo.
-Meu filho... sempre tão preocupado em me ver sorrir... vão vocês, meus queridos. Aproveitem bastante, tirem fotos, gravem vídeos pra me mostrar. Mas eu não vou com vocês... na verdade estou bem cansada. Acho que vou subir pro quarto e dormir... - fala Bernadete, entristecida, beijando a testa do marido e a bochecha do filho.
Assim que Bernadete sobe, Hugo encara o pai.
-Tá vendo o que você fez?
-Nem começa, Hugo. Dessa vez eu não fiz nada.
-Tem razão. Agora não fez. Mas tem feito nos últimos meses. Você parece não perceber o tamanho da crueldade que é manter o Leonardo longe dessa casa.
-Não tive outra saída. Era isso ou o nosso nome na lama, nossa reputação no esgoto.
-Eu sabia que você ia se entregar. Nunca foi por amor, né pai? Confessa: o que te apavora é ter o nome da nossa família exposto nos jornais, nas revistas de fofoca, não é?
-Claro que não, meu filho! Eu me preocupo demais com a saúde da sua mãe. Eu sei que ela não suportaria saber que o queridinho dela é... bem, você sabe.
-Você não tem nem coragem de dizer uma palavra tão simples. Fala de uma vez! O Leonardo é gay. Gay, gay, gay!
-Não fala isso alto, Hugo! Sua mãe pode ouvir.
-Sabe, pai... me pergunto até que ponto essa sua preocupação é com a mãe ou se é pelo fato de que um filho gay faria as pessoas pensarem que você fracassou como pai, como macho provedor. Você só se preocupa com o que os outros vão pensar... com a sua imagem perante a sociedade. Nunca amou meu irmão... você sabe que eu tou dizendo a verdade. Se amasse, não teria expulsado ele daqui de casa.
-Eu não expulsei Leonardo. Sugeri que se retirasse e fosse pra longe.
-O que dá no mesmo. Não tente se enganar. Você nunca amou o Leo.
-Você não sabe do que tá falando.
-Sei sim. Sei que você culpa ele pelo problema no coração da mãe.
-Chega desse assunto, Hugo! Senão eu meto a mão na sua cara e não vai ter réveillon em Copacabana nenhum.
-Pra você pode até não haver. Eu vou com ou sem você.
Hugo encara o pai. CORTA A CENA.
CENA 10: Após a ceia de ano novo, Flavinho e Valéria percebem que Leonardo está com uma expressão triste.
-Ei, amor... se anima! Que foi que te deu pra ficar com essa cara de uma hora pra outra? - questiona Flavinho.
-Não é, menino? Tava tudo tão bem até agora... quer falar o que tá acontecendo, amigo? - estimula Valéria.
-Vocês não tem como me ajudar, queridos. Eu sei que devia estar alegre, afinal de contas encontrei um lugar no mundo e no coração das pessoas. Mas sinto falta da vida que deixei pra trás... - desabafa Leonardo.
-Eu queria poder resolver essas coisas por você, amor... mas não posso. Será que vale a pena remoer isso agora? - questiona Flavinho.
-Dessa vez não tem escapatória, Flavinho... eu sei que você é a pessoa mais linda desse mundo, amor... mas agora não tem como fugir das lembranças. No natal pelo menos eu podia ocupar minha mente alegrando as crianças nos hospitais e nas festas. Agora, nem isso. Isso é tão dolorido, sabe? Logo eu que sempre amei o ano novo... pela primeira vez eu me vejo longe da minha mãe. E contra minha vontade... meu pai não me quer por perto. Meu irmão não sinaliza nenhuma bandeira branca... - continua Leonardo, chorando.
Valéria e Flavinho abraçam Leonardo.
-Ô, Leo... fica assim, não... isso vai passar. A gente te ama, tá? - fala Valéria.
-Por que você não liga pra sua mãe? Pelo menos uma mensagem ocê poderia mandar... - sugere Flavinho.
-Eu queria poder fazer isso, gente. Juro que queria. Mas sei que se fizer isso, vou causar transtornos e vou acabar envolvendo vocês nisso, sem querer. Meu pai intercepta todas as chamadas, todas as mensagens. Diz pra eu me manter longe, pra não causar desgosto nenhum na minha mãe... ah, como eu sinto falta da dona Bernadete... - fala Leonardo, se sentindo impotente diante da situação.
-Juro que queria conhecer seu pai. Nem que fosse pra jogar na cara dele o filho maravilhoso que ele abandonou. Isso não se faz, gente! Dá pra ver que sua mãe é importante demais procê... não é justo. - lamenta Flavinho.
-Ai gente, daqui a pouco já é 2014, sabe? Tem necessidade dessa choradeira? Vamos pensar no amanhã, ter esperança no que ainda vai chegar... por favor! - estimula Valéria.
-Valéria, minha querida... eu sei que ocê quer que a gente fique bem. Mas o Leo precisa desabafar. Nenhum de nós aqui teve uma história fácil. Minha mãe me expulsou de casa pra não contrariar o meu padrasto preconceituoso. Não sei nem se um dia ainda vou encontrar minha família outra vez. Entendo a dor do meu amor... - desabafa Flavinho.
-Sabe, meninos... acho que aos poucos nós estamos nos tornando uma família. Nada convencional, mas cheia de amor... - se emociona Valéria.
-É o que sinto. A vida pode ter sido dura com a gente. Mas se não fosse essa dureza toda, talvez nossos caminhos não tivessem se cruzado. - constata Leonardo.
-Vocês são tudo o que eu tenho. E valem mais que qualquer tesouro. - emociona-se Flavinho.
Os três se abraçam.
-Ô, gente, vamos parar com essa melação toda aqui que eu não me maquiei pra chegar em 2014 com a maquiagem toda borrada, viu? - descontrai Valéria.
Flavinho e Leonardo se olham, marotos.
-Acho que tem uma menina aqui precisando de um montinho, o que cê acha, amor? - propõe Flavinho.
-Ah, não, montinho não! - protesta Valéria.
Flavinho e Leonardo abraçam Valéria e todos se divertem. CORTA A CENA.
CENA 11: Na beira da praia de Copacabana, Nicole e Sérgio estão felizes pela presença de Cristina com eles.
-Ainda bem que você resolveu vir com a gente, filha. Você vai ver como esse ano que entra vai ser bem melhor que o que passou... - estimula Nicole.
-Ai, não sei. A dor de ter sido abandonada ainda tá muito recente... - desabafa Cristina.
-Por que você não vai dançar com sua irmã? Olha como faz bem pra ela! Vai fazer bem pra você também... - fala Sérgio.
-Nossa, pai! Quem te viu e quem te vê! Falando bem da Dani? Tou passada! Sugestão aceita. Tá tocando a música dela. E eu vou cantar maimbê, só que pra euzinha me acabar! - anima-se Cristina, indo dançar com a irmã.
As duas se divertem a dançar ao som da música, quando Cristina acaba esbarrando em um rapaz.
-Desculpe, moço. Me empolguei dançando! - envergonha-se Cristina.
O rapaz é Hugo, que se encanta por Cristina. FIM DO CAPÍTULO 1.
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