CENA 1: Nicole e Sérgio abraçam os dois. Sérgio é o primeiro a falar.
-Vê se cuida bem da minha menina, viu, rapaz?
-Nem começa, pai. Já sou uma mulher perto dos trinta. Não sou sua menina faz tempo. E tenho certeza que o Hugo vai saber cuidar de mim, mas é mais fácil eu cuidar dele, isso sim! - brinca Cristina.
-E isso é verdade, viu, seu Sérgio? A Cristina tem infinitamente mais proatividade que eu. Mas acho isso ótimo, pra ser sincero. - fala Hugo.
-Fico tão feliz por vocês, principalmente por você, minha filha! Pensei que você ia demorar mais tempo pra sair da fossa depois que aquele irresponsável do Vitório simplesmente te largou sem nem dar uma satisfação. Simplesmente não voltou da Itália... não te merecia, nunca te mereceu. - fala Nicole.
-Marilu, isso é coisa que se diga? Vai adiantar remoer esse passado agora? - protesta Sérgio.
-Já disse que meu nome é Nicole, quer parar de me envergonhar na frente do meu genro? - reclama Nicole.
-Sempre a mesma discussão. Será que vocês podem relaxar um pouco de vez em quando? Bem, eu vou dar a notícia pros meus sogros, não se matem enquanto isso... - diverte-se Cristina.
Cristina disca para a casa dos di Fiori e Hugo segue a conversa com Nicole e Sérgio.
-Eu não sabia que seu nome de batismo era outro, dona Nicole. - observa Hugo.
-E nem precisa me chamar por esse nome indecente, viu? Desde meus dezesseis anos todo mundo me chama de Nicole, foi seu pai que me disse que eu tinha cara de Nicole, inclusive. Achei ótimo e adotei pra vida. - fala Nicole.
-Besteira. Onde já se viu odiar o próprio nome? Mas, fazer o que... cada um, cada um. E o Leopoldo, como anda? Largou de vez o sonho socialista de quando estudávamos juntos? - questiona Sérgio.
-Ih, seu Sérgio. Agora você me pegou. Não fazia ideia de que meu pai um dia tinha sido socialista na vida, ele nunca contou isso. Desde que sou nascido ele sempre foi muito conservador e religioso. - esclarece Hugo.
-Deve ter sido engolido pelas pressões da dona Maria Angélica e do seu Leocádio. - observa Nicole.
-É possível. Meus avós morreram ainda jovens, eu não tinha nem três anos e o Leonardo tinha acabado de nascer. - fala Hugo.
-E a Bernadete? Saudades da minha amiga. Notei que ela anda muito isolada em casa desde que a gente retomou esse contato. Como ela vai? - pergunta Nicole.
-Levando a vida, dona Nicole. Ela não consegue se conformar que meu irmão mais novo se mudou pra Minas Gerais. Vive sonhando com o dia que ele vai voltar pra casa... - esclarece Hugo.
Cristina volta da ligação.
-Animada a conversa de vocês, hein? Falei com a sua mãe, Hugo. Ela ficou radiante! Disse que sabia que eu acabaria me tornando parte da família e disse que vai adorar conviver mais com os amigos de juventude! - vibra Cristina.
Os quatro seguem conversando animadamente, quando Sérgio lembra que Cristina precisa se apressar.
-Filha, desculpa cortar o momento, mas... você não tem que verificar se a gente deixou tudo em ordem na clínica? - pergunta Sérgio.
-Confio em você e na Dani, pai. Fica tranquilo, sei que tá tudo em ordem. Amanhã eu reabro sem susto. - determina Cristina.
CORTA A CENA.
CENA 2: Bernadete vibra por namoro sério de Hugo.
-Finalmente, Leopoldo... finalmente o nosso primogênito tá se encaminhando na vida. Pensei que esse dia não chegava nunca!
-Queria ficar feliz por isso, minha querida. Mas tem alguma coisa que não bate nessa história.
-Como que não, meu amor? Eles se amam, decidiram ficar juntos. E ainda por cima isso nos reúne com nossos queridos amigos da juventude. Quem diria que a moça por quem ele se encantou no ano novo é justamente filha da Marilu e do Sérgio?
-Parece destino, mesmo. E é melhor você se segurar pra não chamar a Nicole desse nome na frente dela, você sabe o quanto ela detesta.
-Sou a única que chama ela pelo nome e ela não se importa, meu querido. Crescemos juntas, esqueceu?
-Todos nós crescemos juntos. É louco a gente ter passado tanto tempo sem notícias uns dos outros morando na mesma cidade...
-Coisas da vida, meu querido. Os rumos mudam. Nós mudamos um bocado nos últimos trinta anos...
-Só que tem uma coisa que me deixa intrigado nisso tudo. Uma coisa que não se encaixa, Bernadete.
-Lá vem você de novo com isso. Olha, amor... eu sei que nosso filho nunca foi de se envolver seriamente com ninguém e toda semana vinha com uma namoradinha nova. Só que ele tem quase trinta anos. Acho que a responsabilidade bateu à porta.
-Tá tudo muito repentino, querida. Mudanças não são bruscas dessa forma.
-Me surpreende você falar nisso, Leopoldo. Até antes de nos casarmos, você tinha sonhos, projetos, queria se envolver com política, era de esquerda. Em um ano tudo mudou e você se tornou o oposto de tudo o que era. Bastou seus pais adoecerem...
-É diferente com o Hugo, Bernadete. Você sabe disso.
-Não, não sei. O que há de tão diferente?
-Ele começou a vida tendo tudo. Coisa que não foi assim com a gente. Mal saiu da adolescência e já tinha a agência que eu fiz pra ele, trouxe a Giovanna junto.
-Lá vem você de novo com essa implicância infundada com a Giovanna.
-Será que é infundada, Bernadete? Essa mulher tá sempre por perto. Mais do que devia.
-O que cê tá insinuando?
-Nada, amor... deve ser só implicância, mesmo.
Bernadete estranha e Leopoldo se retira. CORTA A CENA.
CENA 3: Flavinho e Valéria notam Leonardo distante após o jantar.
-Engraçado, amor... de repente você foi pra longe. O seu corpo tá aqui, mas você não tá aqui... - observa Flavinho.
-Que papo é esse, amor? Nada a ver... eu tou aqui. Com vocês. Meu marido e minha amiga querida. Por que eu haveria de estar em outro lugar? - esquiva-se Leonardo.
-Não foi só o Flavinho que percebeu, Leo. Se abre com a gente, amigo! Cê sabe muito bem que a gente não tem motivo pra te julgar. - fala Valéria.
-Ai, gente... às vezes não consigo evitar pensar em tudo o que deixei pra trás. Isso me machuca, ainda. Talvez nunca pare de doer... - desabafa Leonardo.
-É natural, meu amor. Sei o quanto sua mãe representa procê. - fala Flavinho.
-Não é só ela. Tem Hugo, meu irmão. A gente era tão unido, tão unha e carne, sabe? Não tinha essa coisa de segredo entre a gente. Até o final da infância ele me defendia de tudo e de todos. Não deixava que os coleguinhas me chamassem de viadinho sem dar uma boa lição neles. A coisa mudou quando ficamos mais crescidos. Ele talvez não tenha percebido, mas perdi a intimidade que tinha com ele. Ele tava ocupado demais pensando nas meninas. Sempre soube que sou gay e nunca teve preconceito, mas minimizava meus conflitos, meus medos e minhas dores. Não o culpo por isso... só que me senti meio sozinho, meio abandonado. Se ele tivesse prestado mais atenção, talvez tivesse tido tempo de conversar melhor com nosso pai. Evitar que ele me expulsasse de casa... - fala Leonardo, começando a chorar.
Flavinho e Valéria se comovem e afagam Leonardo.
-Não fica assim, amor... foi assim que tinha de ser. Tenho certeza que o Hugo te ama demais, assim como você ama ele. Só que às vezes a gente tá ocupado demais vivendo nossas histórias. Falhamos sem querer. Erramos querendo acertar. Pelo menos você tem um irmão. Talvez se eu tivesse um, as coisas tivessem sido diferentes pra mim. Só que se tivessem sido diferentes, eu não teria te conhecido. Nada acontece em vão... - fala Flavinho.
-Ô, gente... cês são profissionais na arte de me fazer chorar, né? A gente é uma família. Uma família que se escolheu. E que se ama e se aceita do jeito que cada um é. Isso não tem preço! - emociona-se Valéria.
CORTA A CENA.
CENA 4: Horas mais tarde, Valéria se prepara para dormir quando seu celular toca. É Gustavo.
-Ai, maninho! Que saudade de você! Como tá o Rio de Janeiro?
-Indo, como sempre. E as coisas por aí, como vão? Fiquei sabendo que o Flavinho tá de namorado novo, procede?
-Quem é que te contou, Gustavo? Não lembro docê falando comigo nem em chamada de vídeo nos últimos meses.
-Liguei pro Flavinho. Quem atendeu foi esse tal de Leonardo. Parece gente boa, o rapaz.
-Então... é ele mesmo. Menino do céu, nunca vi o Flavinho tão feliz nessa vida. Leonardo e ele se completam de um jeito que só ocê vendo pra crer.
-Que coisa maravilhosa, mana! Achei que o Flavinho nunca ia superar aquele toco que eu dei nele...
-Deixa disso, mano... você não podia adivinhar que ele tinha atração por você porque ele simplesmente não dizia.
-É, mas fiquei de coração partido quando ocê me contou que ele chegou daquele passeio aos prantos e falando procê que não tinha sorte...
-Ai, pra que falar nisso agora, mano? Já faz tanto tempo! E estando certo ou errado, você e a Patrícia viveram o amor que ela sempre sonhou, não foi? Desde menininha ela ficava paradíssima na sua!
-Faço tudo errado, mana. Não devia ter terminado com ela antes de vir pro Rio.
-E posso saber por que? Por pena? Você não amava ela o suficiente pra continuar com ela. Se ela não aceitou, são outros quinhentos...
-Enfim... manda um beijão pro Flavinho e pro namorado dele. Diz que desejo tudo de melhor pros dois e que quando der, apareço pra matar as saudades. Beijo mana, te amo!
-Beijo, maninho. Te amo.
CORTA A CENA.
CENA 5: Dois anos depois, dias atuais. Cristina faz a prova do vestido de noiva para o casamento com Hugo e Nicole elogia a escolha da filha.
-É, Cristina... pra quem dizia que não entendia nada de moda, até que você se saiu muito bem. Esse vestido é a coisa mais linda que já vi na minha vida!
-Você fala isso porque sou sua filha, mãe... é suspeita pra dizer.
-Não, querida... esse vestido é de uma delicadeza e de uma elegância ímpar. Já fico até imaginando como vai ser você entrando na igreja, com a marcha nupcial... ai... posso nem pensar que já me emociono...
-É uma chorona, mesmo. Por mim eu nem casaria na igreja, mas o seu Leopoldo ia ficar uma arara se o casamento não acontecesse também no religioso.
-Ah, filha... os pais dele eram muito católicos. Passaram isso pra ele. Procura entender...
-Eu entendo, mãe. Só digo que por mim, eu não faria nada disso. Mas, no final das contas, não custa ouvir o meu sogro, né?
-Exatamente, minha filha. Leopoldo é um homem muito bom, uma das pessoas mais generosas que já conheci.
-Engraçado, mãe. Você fala nele de um jeito...
-Ih, não olha pra mim com essa cara, não. Cê sabe muito bem que somos amigos de toda uma vida.
Nesse momento, Hugo entra de surpresa no quarto de Cristina e Nicole se apavora.
-Sai daqui, Hugo! Dizem que dá azar ver o vestido da noiva antes, sai moleque!
-Besteira, dona Nicole. Não tenho essa superstição. Meu amor, você tá linda! - fala Hugo.
-Que bom que você gostou, querido! Mãe, larga dessa superstição boba! Que mal que pode acontecer por ele me ver vestida de noiva antes do dia? - fala Cristina.
-Ai, eu fico nervosa pensando que a coisa pode desandar. Por favor, Hugo... não leve a mal, mas por favor, vai pra sala, tá? - pede Nicole, aflita.
Cristina ri do medo da mãe.
-Ah, mãe... só você pra ficar toda se tremendo por tão pouco.
-Deus queira que isso seja uma superstição boba... Deus queira, minha filha...
CORTA A CENA.
CENA 6: Leopoldo recebe ligação de Leonardo em seu celular.
-Mas que milagre é esse? Você ligando pra falar comigo, Leonardo? Tá treinando pra ser santo?
-Dispenso suas ironias, pai. Quero ir direto ao ponto.
-Pois vá ao ponto. Algum motivo sério deve ter essa ligação.
-Sério sim. Mais do que você possa imaginar. Você sabe que vivo uma vida de casado com Flavinho, não sabe?
-Preferia não ouvir isso da sua boca. Fico enojado só de imaginar.
-Não deveria. É o que sou, faz parte de mim. É meu jeito de amar. Coisa que, aliás, você não sabe.
-Deixe de malcriação, Leonardo! Você não disse que ia direto ao ponto? Tá se enrolando demais, fedelho.
-Que pai carinhoso que Deus me deu, nossa... mas pode deixar, não tenho interesse nenhum em fazer suspense ou mistério: eu vou me casar oficialmente com Flavinho.
-Você ficou louco, Leonardo? Uma coisa dessas não pode acontecer!
-Posso saber o motivo? A lei nos ampara. O casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma realidade.
-Você não pensa na sua mãe, rapaz? Tendo esse casamento oficializado, em qualquer busca de internet mais aprofundada se pode descobrir tudo sobre você.
-Talvez seja esse o momento, pai. Já faz três anos que eu saí de casa. Melhor dizendo: que você me expulsou. Como você consegue dormir em paz sabendo que me expulsou e que esconde isso e muito mais da minha mãe?
-Não é da sua conta, moleque.
-Claro que é! É minha mãe!
-E minha esposa. Você não vai se casar com Flavinho coisa nenhuma!
-Eu vou sim. Sou maior de idade, vacinado, dono do meu próprio nariz. Você não pode impedir. Não tenho mais nada a perder. Tudo o que eu podia perder, você fez questão de tirar de mim.
-Olha aqui, Leonardo, você me respeite!
-Não respeito quem nunca me respeitou. Passar bem!
Leonardo desliga e Leopoldo fica atordoado. CORTA A CENA.
CENA 7: Hugo tenta entrar em contato com Cristina e não consegue. Giovanna o encara.
-Vem cá, Hugo: você não vai largar esse celular? A gente tem uma agência pra tocar, tá lembrado? Daqui a pouco o Ricardo e a Glória se reúnem conosco, pra podermos definir os rumos da editora.
-Desculpa, Giovanna. Tava com a cabeça longe.
-Mas não pode ser assim. Senão, aos poucos essa agência vai ficar às moscas.
-Você fala como se você não pudesse tocar tudo isso sozinha. Confio em você.
-É... eu sei que sou boa, mas posso apostar que essa sua cara de tacho aí é porque você tentou falar com a Cristina e o celular dela tá desligado pela enésima vez. Acertei?
-Em cheio, Giovanna. Não sei porque ela faz isso.
-Porque ela é ocupada e independente. Não se esqueça que ela tem uma clínica pra tocar.
-Bem que você gosta dessa ideia, não é?
-Claro! Melhor assim do que ser uma pessoa grudenta, tou mentindo?
-Isso é verdade. Bem, mas eu já me distraí demais por hoje. Qual vai ser a pauta da reunião?
-Presta atenção: a Glória acha que a revista anda caindo muito nas vendas e isso anda prejudicando a Natural High.
-Mas gente, como que as vendas da revista respingam na agência de modelos?
-A verdade é que desde que a Mônica saiu do quadro oficial a coisa anda complicada...
Os dois seguem conversando. CORTA A CENA.
CENA 8: Maurício chega em casa e encontra sua mãe Elisabete com os olhos inchados de chorar.
-Ih, dona Elisabete... de novo essa coisa de ficar se martirizando pelo pai?
-Maurício, meu filho... como você não consegue ver que eu sofro com isso?
-Eu vejo que você sofre, mãe. Só não entendo porque insiste em sofrer. Não era mais fácil simplesmente ter aceitado quando o pai falou em divórcio?
-Não, de jeito nenhum, Maurício! O que vai ser de nós sem ele?
-A mesma coisa. Mãe... o pai não é o centro dessa família. Eu amo vocês, mas vocês não são felizes juntos.
-Não entendo esses tempos atuais. Como pode um filho não querer que os pais fiquem juntos?
-Porque nenhum dos dois está feliz. E eu e você sabemos que ele ama a Arlete. Deixa ele ser feliz, mãe! Se permita ser feliz, por favor!
-Eu só posso ser feliz com o Fábio, meu filho.
-Há quanto tempo você não é feliz, mãe?
-Perdi a conta. Tem tanto tempo...
-E você ainda acredita na salvação desse casamento? Mãe... o casamento de vocês acabou quando eu ainda era uma criança. Só você que não vê isso.
-Não sei se quero acreditar nesse fim. Não sei se consigo viver sem ter seu pai por perto.
-Porra, mãe! Porra!
-Não fale palavrão! Com quem cê aprendeu isso?
-De ouvir as discussões homéricas que vocês tinham e ainda tem. Sabe aquele velho ditado de “faça o que digo, não faça o que faço?”. Na prática não funciona. Mas estamos falando sobre você, não sobre mim. Melhor dizendo: você e o pai. É pela sua felicidade e pela felicidade dele que você tem que deixar ele ser feliz com quem ele ama. E você precisa ser feliz por si mesma. Porra, mãe! Será que você não enxerga isso? Quantos anos você tem? Quarenta e quatro ou catorze? Sério mesmo que um filho tem que falar tudo isso pra uma mãe que não conseguiu ter o mínimo de inteligência emocional por toda uma vida?
Elisabete começa a chorar, desconsolada.
-Mãe... desculpa. Não falei pra te ferir nem pra ofender. Falei porque me preocupo.
-O duro é saber que você tem razão em tudo, Maurício. Mas não sei reagir, filho.
-Então procura ajuda... mas não desista de si mesma!
Os dois se abraçam, emocionados. CORTA A CENA.
CENA 9: Cristina está em sua sala na clínica quando ouve a porta se abrir. Pensando se tratar de Gustavo, começa a falar, olhando para o computador.
-Gustavo, que bom que você veio... tou precisando de umas...
-Não é Gustavo.
Cristina percebe se tratar de Vitório e fica perplexa, levantando-se imediatamente.
-Não vai falar nada?
-Vou sim. Mas antes preciso tirar algo de dentro de mim. Algo que guardei desde que você me abandonou sem dar notícia.
Cristina tá um tapa em Vitório.
-Eu sei. Mereci esse tapa. Agora posso falar?
-O que você veio fazer aqui depois desse tempo todo? Resolveu voltar pro Brasil de surpresa pra ver o tamanho do estrago que você fez? Esperava me encontrar como? Derrotada, pra baixo, esperando feito uma tonta pelo noivo que sumiu sem dar notícias? Não, meu querido. A vida seguiu. Eu vou me casar, sabia?
-Fiquei sabendo.
-Você anda bem informado, pelo menos. Sinal de que fez tudo isso de caso pensado. Agora me faz um favor: vá embora daqui e suma da minha vida. Agora!
-Eu não vou enquanto você não me ouvir.
-Ouvir? Ouvir pra que? Pra você me inventar qualquer mentira pra justificar esse seu sumiço lá na Itália e esperar que eu acredite? Você pensou em mim quando não voltou antes do natal em 2013? Você tem noção que foram quase três anos sem saber nem se você continuava vivo? E agora me aparece com essa cara lavada dizendo que quer conversar. É muita falta de noção... ou será que é falta de caráter? Quem é você, Vitório?
-Eu sou o mesmo. O mesmo que sempre te amou, que namorou com você desde a adolescência.
-Não. Eu não sei quem você é. E saia daqui. Saia antes que eu chame a segurança!
Vitório sai e Cristina fica abalada.
-Meu Deus... tanto tempo! Calma, Cristina... tá tudo sob controle.
Cristina tenta se concentrar no trabalho. CORTA A CENA.
CENA 10: Nicole conversa com Daniella e Daniella percebe preocupação da mãe.
-Impressão minha ou você não tira da cabeça aquela história do vestido de noiva?
-Pode me chamar de boba, filha... eu mereço. Mas desde que Hugo viu sua irmã vestida de noiva, uma coisa ruim ficou aqui no meu peito.
-Não será autossugestão, mãe?
-Deus queira que seja, Daniella... mas acho que conheço muito bem essa sensação.
-E o que é?
-Um pressentimento ruim. Mau presságio, sabe como é...
-Nossa, mãe. Que sombrio, isso...
-Você diz isso pra mim? Estou apavorada, minha filha! Que Deus me perdoe pelo que vou dizer, mas andei pensando até que a Cristina pode tomar uma decisão burra.
-Como assim? Logo a Cris, mãe? Duvido muito. Tá pra nascer mulher mais ajuizada que ela.
-Será mesmo, filha? Às vezes fico com a impressão que você, com toda a sua espontaneidade, tem a cabeça muito mais no lugar.
-Ei, corta esse papo, mãe! Nada de alimentar esse tipo descabido de comparação. Acho que não vale a pena você sofrer por antecedência, antes mesmo do casamento da Cris. O que tiver de ser, será. E se não for, a gente vê o que faz. Ou, se for o caso, não faz nada.
-Queria ter essa visão prática das coisas, Daniella.
-É simples, mãe. Basta deixar de se importar tanto com o que pensam ou dizem.
-Te amo muito, sabia?
-Claro que eu sabia. Afinal de contas eu sou uma estrela brilhante de mais pura e cintilante luz!
-Besta!
As duas se abraçam. CORTA A CENA.
CENA 11: Ao fechar a clínica e após Gustavo ir embora, Cristina se depara com Vitório no estacionamento, levando um choque.
-Que susto, Vitório! Não acredito que você ficou esse tempo todo por aqui.
-Fiquei sim. Precisamos conversar.
-Você devia ter ido embora mais cedo quando te mandei sair de perto de mim. Não temos nada o que conversar.
-Temos sim.
-Quer sair da minha frente? Estou exausta e quero chegar em casa logo para poder dormir.
-Pode passar, madame.
Vitório segue Cristina até o carro.
-Qual foi a parte de “quero ir embora que estou exausta” que você não entendeu?
-Precisamos conversar, Cristina. Querendo você ou não, temos muitas contas a acertar.
-Você tem. Eu não tenho.
-Não é o que parece. A sua respiração tá ofegante. Seus olhos marejando, se segurando pra não chorar. Você não quer admitir, mas ficou abalada ao me rever.
-Estar abalada não significa necessariamente o que você pensa.
-Deixa eu entrar nesse carro. Não vou demorar.
Cristina destranca a porta.
-Seja rápido e objetivo. Tenho pressa de sair daqui sem você.
-Eu tenho uma proposta a fazer. Eu sei que você ainda me ama. Vejo no seu olho. Não é só raiva que tem aí. Eu quero que você fuja comigo e largue essa ideia de casar com Hugo.
Cristina se choca. FIM DO CAPÍTULO 3.
-Vê se cuida bem da minha menina, viu, rapaz?
-Nem começa, pai. Já sou uma mulher perto dos trinta. Não sou sua menina faz tempo. E tenho certeza que o Hugo vai saber cuidar de mim, mas é mais fácil eu cuidar dele, isso sim! - brinca Cristina.
-E isso é verdade, viu, seu Sérgio? A Cristina tem infinitamente mais proatividade que eu. Mas acho isso ótimo, pra ser sincero. - fala Hugo.
-Fico tão feliz por vocês, principalmente por você, minha filha! Pensei que você ia demorar mais tempo pra sair da fossa depois que aquele irresponsável do Vitório simplesmente te largou sem nem dar uma satisfação. Simplesmente não voltou da Itália... não te merecia, nunca te mereceu. - fala Nicole.
-Marilu, isso é coisa que se diga? Vai adiantar remoer esse passado agora? - protesta Sérgio.
-Já disse que meu nome é Nicole, quer parar de me envergonhar na frente do meu genro? - reclama Nicole.
-Sempre a mesma discussão. Será que vocês podem relaxar um pouco de vez em quando? Bem, eu vou dar a notícia pros meus sogros, não se matem enquanto isso... - diverte-se Cristina.
Cristina disca para a casa dos di Fiori e Hugo segue a conversa com Nicole e Sérgio.
-Eu não sabia que seu nome de batismo era outro, dona Nicole. - observa Hugo.
-E nem precisa me chamar por esse nome indecente, viu? Desde meus dezesseis anos todo mundo me chama de Nicole, foi seu pai que me disse que eu tinha cara de Nicole, inclusive. Achei ótimo e adotei pra vida. - fala Nicole.
-Besteira. Onde já se viu odiar o próprio nome? Mas, fazer o que... cada um, cada um. E o Leopoldo, como anda? Largou de vez o sonho socialista de quando estudávamos juntos? - questiona Sérgio.
-Ih, seu Sérgio. Agora você me pegou. Não fazia ideia de que meu pai um dia tinha sido socialista na vida, ele nunca contou isso. Desde que sou nascido ele sempre foi muito conservador e religioso. - esclarece Hugo.
-Deve ter sido engolido pelas pressões da dona Maria Angélica e do seu Leocádio. - observa Nicole.
-É possível. Meus avós morreram ainda jovens, eu não tinha nem três anos e o Leonardo tinha acabado de nascer. - fala Hugo.
-E a Bernadete? Saudades da minha amiga. Notei que ela anda muito isolada em casa desde que a gente retomou esse contato. Como ela vai? - pergunta Nicole.
-Levando a vida, dona Nicole. Ela não consegue se conformar que meu irmão mais novo se mudou pra Minas Gerais. Vive sonhando com o dia que ele vai voltar pra casa... - esclarece Hugo.
Cristina volta da ligação.
-Animada a conversa de vocês, hein? Falei com a sua mãe, Hugo. Ela ficou radiante! Disse que sabia que eu acabaria me tornando parte da família e disse que vai adorar conviver mais com os amigos de juventude! - vibra Cristina.
Os quatro seguem conversando animadamente, quando Sérgio lembra que Cristina precisa se apressar.
-Filha, desculpa cortar o momento, mas... você não tem que verificar se a gente deixou tudo em ordem na clínica? - pergunta Sérgio.
-Confio em você e na Dani, pai. Fica tranquilo, sei que tá tudo em ordem. Amanhã eu reabro sem susto. - determina Cristina.
CORTA A CENA.
CENA 2: Bernadete vibra por namoro sério de Hugo.
-Finalmente, Leopoldo... finalmente o nosso primogênito tá se encaminhando na vida. Pensei que esse dia não chegava nunca!
-Queria ficar feliz por isso, minha querida. Mas tem alguma coisa que não bate nessa história.
-Como que não, meu amor? Eles se amam, decidiram ficar juntos. E ainda por cima isso nos reúne com nossos queridos amigos da juventude. Quem diria que a moça por quem ele se encantou no ano novo é justamente filha da Marilu e do Sérgio?
-Parece destino, mesmo. E é melhor você se segurar pra não chamar a Nicole desse nome na frente dela, você sabe o quanto ela detesta.
-Sou a única que chama ela pelo nome e ela não se importa, meu querido. Crescemos juntas, esqueceu?
-Todos nós crescemos juntos. É louco a gente ter passado tanto tempo sem notícias uns dos outros morando na mesma cidade...
-Coisas da vida, meu querido. Os rumos mudam. Nós mudamos um bocado nos últimos trinta anos...
-Só que tem uma coisa que me deixa intrigado nisso tudo. Uma coisa que não se encaixa, Bernadete.
-Lá vem você de novo com isso. Olha, amor... eu sei que nosso filho nunca foi de se envolver seriamente com ninguém e toda semana vinha com uma namoradinha nova. Só que ele tem quase trinta anos. Acho que a responsabilidade bateu à porta.
-Tá tudo muito repentino, querida. Mudanças não são bruscas dessa forma.
-Me surpreende você falar nisso, Leopoldo. Até antes de nos casarmos, você tinha sonhos, projetos, queria se envolver com política, era de esquerda. Em um ano tudo mudou e você se tornou o oposto de tudo o que era. Bastou seus pais adoecerem...
-É diferente com o Hugo, Bernadete. Você sabe disso.
-Não, não sei. O que há de tão diferente?
-Ele começou a vida tendo tudo. Coisa que não foi assim com a gente. Mal saiu da adolescência e já tinha a agência que eu fiz pra ele, trouxe a Giovanna junto.
-Lá vem você de novo com essa implicância infundada com a Giovanna.
-Será que é infundada, Bernadete? Essa mulher tá sempre por perto. Mais do que devia.
-O que cê tá insinuando?
-Nada, amor... deve ser só implicância, mesmo.
Bernadete estranha e Leopoldo se retira. CORTA A CENA.
CENA 3: Flavinho e Valéria notam Leonardo distante após o jantar.
-Engraçado, amor... de repente você foi pra longe. O seu corpo tá aqui, mas você não tá aqui... - observa Flavinho.
-Que papo é esse, amor? Nada a ver... eu tou aqui. Com vocês. Meu marido e minha amiga querida. Por que eu haveria de estar em outro lugar? - esquiva-se Leonardo.
-Não foi só o Flavinho que percebeu, Leo. Se abre com a gente, amigo! Cê sabe muito bem que a gente não tem motivo pra te julgar. - fala Valéria.
-Ai, gente... às vezes não consigo evitar pensar em tudo o que deixei pra trás. Isso me machuca, ainda. Talvez nunca pare de doer... - desabafa Leonardo.
-É natural, meu amor. Sei o quanto sua mãe representa procê. - fala Flavinho.
-Não é só ela. Tem Hugo, meu irmão. A gente era tão unido, tão unha e carne, sabe? Não tinha essa coisa de segredo entre a gente. Até o final da infância ele me defendia de tudo e de todos. Não deixava que os coleguinhas me chamassem de viadinho sem dar uma boa lição neles. A coisa mudou quando ficamos mais crescidos. Ele talvez não tenha percebido, mas perdi a intimidade que tinha com ele. Ele tava ocupado demais pensando nas meninas. Sempre soube que sou gay e nunca teve preconceito, mas minimizava meus conflitos, meus medos e minhas dores. Não o culpo por isso... só que me senti meio sozinho, meio abandonado. Se ele tivesse prestado mais atenção, talvez tivesse tido tempo de conversar melhor com nosso pai. Evitar que ele me expulsasse de casa... - fala Leonardo, começando a chorar.
Flavinho e Valéria se comovem e afagam Leonardo.
-Não fica assim, amor... foi assim que tinha de ser. Tenho certeza que o Hugo te ama demais, assim como você ama ele. Só que às vezes a gente tá ocupado demais vivendo nossas histórias. Falhamos sem querer. Erramos querendo acertar. Pelo menos você tem um irmão. Talvez se eu tivesse um, as coisas tivessem sido diferentes pra mim. Só que se tivessem sido diferentes, eu não teria te conhecido. Nada acontece em vão... - fala Flavinho.
-Ô, gente... cês são profissionais na arte de me fazer chorar, né? A gente é uma família. Uma família que se escolheu. E que se ama e se aceita do jeito que cada um é. Isso não tem preço! - emociona-se Valéria.
CORTA A CENA.
CENA 4: Horas mais tarde, Valéria se prepara para dormir quando seu celular toca. É Gustavo.
-Ai, maninho! Que saudade de você! Como tá o Rio de Janeiro?
-Indo, como sempre. E as coisas por aí, como vão? Fiquei sabendo que o Flavinho tá de namorado novo, procede?
-Quem é que te contou, Gustavo? Não lembro docê falando comigo nem em chamada de vídeo nos últimos meses.
-Liguei pro Flavinho. Quem atendeu foi esse tal de Leonardo. Parece gente boa, o rapaz.
-Então... é ele mesmo. Menino do céu, nunca vi o Flavinho tão feliz nessa vida. Leonardo e ele se completam de um jeito que só ocê vendo pra crer.
-Que coisa maravilhosa, mana! Achei que o Flavinho nunca ia superar aquele toco que eu dei nele...
-Deixa disso, mano... você não podia adivinhar que ele tinha atração por você porque ele simplesmente não dizia.
-É, mas fiquei de coração partido quando ocê me contou que ele chegou daquele passeio aos prantos e falando procê que não tinha sorte...
-Ai, pra que falar nisso agora, mano? Já faz tanto tempo! E estando certo ou errado, você e a Patrícia viveram o amor que ela sempre sonhou, não foi? Desde menininha ela ficava paradíssima na sua!
-Faço tudo errado, mana. Não devia ter terminado com ela antes de vir pro Rio.
-E posso saber por que? Por pena? Você não amava ela o suficiente pra continuar com ela. Se ela não aceitou, são outros quinhentos...
-Enfim... manda um beijão pro Flavinho e pro namorado dele. Diz que desejo tudo de melhor pros dois e que quando der, apareço pra matar as saudades. Beijo mana, te amo!
-Beijo, maninho. Te amo.
CORTA A CENA.
CENA 5: Dois anos depois, dias atuais. Cristina faz a prova do vestido de noiva para o casamento com Hugo e Nicole elogia a escolha da filha.
-É, Cristina... pra quem dizia que não entendia nada de moda, até que você se saiu muito bem. Esse vestido é a coisa mais linda que já vi na minha vida!
-Você fala isso porque sou sua filha, mãe... é suspeita pra dizer.
-Não, querida... esse vestido é de uma delicadeza e de uma elegância ímpar. Já fico até imaginando como vai ser você entrando na igreja, com a marcha nupcial... ai... posso nem pensar que já me emociono...
-É uma chorona, mesmo. Por mim eu nem casaria na igreja, mas o seu Leopoldo ia ficar uma arara se o casamento não acontecesse também no religioso.
-Ah, filha... os pais dele eram muito católicos. Passaram isso pra ele. Procura entender...
-Eu entendo, mãe. Só digo que por mim, eu não faria nada disso. Mas, no final das contas, não custa ouvir o meu sogro, né?
-Exatamente, minha filha. Leopoldo é um homem muito bom, uma das pessoas mais generosas que já conheci.
-Engraçado, mãe. Você fala nele de um jeito...
-Ih, não olha pra mim com essa cara, não. Cê sabe muito bem que somos amigos de toda uma vida.
Nesse momento, Hugo entra de surpresa no quarto de Cristina e Nicole se apavora.
-Sai daqui, Hugo! Dizem que dá azar ver o vestido da noiva antes, sai moleque!
-Besteira, dona Nicole. Não tenho essa superstição. Meu amor, você tá linda! - fala Hugo.
-Que bom que você gostou, querido! Mãe, larga dessa superstição boba! Que mal que pode acontecer por ele me ver vestida de noiva antes do dia? - fala Cristina.
-Ai, eu fico nervosa pensando que a coisa pode desandar. Por favor, Hugo... não leve a mal, mas por favor, vai pra sala, tá? - pede Nicole, aflita.
Cristina ri do medo da mãe.
-Ah, mãe... só você pra ficar toda se tremendo por tão pouco.
-Deus queira que isso seja uma superstição boba... Deus queira, minha filha...
CORTA A CENA.
CENA 6: Leopoldo recebe ligação de Leonardo em seu celular.
-Mas que milagre é esse? Você ligando pra falar comigo, Leonardo? Tá treinando pra ser santo?
-Dispenso suas ironias, pai. Quero ir direto ao ponto.
-Pois vá ao ponto. Algum motivo sério deve ter essa ligação.
-Sério sim. Mais do que você possa imaginar. Você sabe que vivo uma vida de casado com Flavinho, não sabe?
-Preferia não ouvir isso da sua boca. Fico enojado só de imaginar.
-Não deveria. É o que sou, faz parte de mim. É meu jeito de amar. Coisa que, aliás, você não sabe.
-Deixe de malcriação, Leonardo! Você não disse que ia direto ao ponto? Tá se enrolando demais, fedelho.
-Que pai carinhoso que Deus me deu, nossa... mas pode deixar, não tenho interesse nenhum em fazer suspense ou mistério: eu vou me casar oficialmente com Flavinho.
-Você ficou louco, Leonardo? Uma coisa dessas não pode acontecer!
-Posso saber o motivo? A lei nos ampara. O casamento entre pessoas do mesmo sexo é uma realidade.
-Você não pensa na sua mãe, rapaz? Tendo esse casamento oficializado, em qualquer busca de internet mais aprofundada se pode descobrir tudo sobre você.
-Talvez seja esse o momento, pai. Já faz três anos que eu saí de casa. Melhor dizendo: que você me expulsou. Como você consegue dormir em paz sabendo que me expulsou e que esconde isso e muito mais da minha mãe?
-Não é da sua conta, moleque.
-Claro que é! É minha mãe!
-E minha esposa. Você não vai se casar com Flavinho coisa nenhuma!
-Eu vou sim. Sou maior de idade, vacinado, dono do meu próprio nariz. Você não pode impedir. Não tenho mais nada a perder. Tudo o que eu podia perder, você fez questão de tirar de mim.
-Olha aqui, Leonardo, você me respeite!
-Não respeito quem nunca me respeitou. Passar bem!
Leonardo desliga e Leopoldo fica atordoado. CORTA A CENA.
CENA 7: Hugo tenta entrar em contato com Cristina e não consegue. Giovanna o encara.
-Vem cá, Hugo: você não vai largar esse celular? A gente tem uma agência pra tocar, tá lembrado? Daqui a pouco o Ricardo e a Glória se reúnem conosco, pra podermos definir os rumos da editora.
-Desculpa, Giovanna. Tava com a cabeça longe.
-Mas não pode ser assim. Senão, aos poucos essa agência vai ficar às moscas.
-Você fala como se você não pudesse tocar tudo isso sozinha. Confio em você.
-É... eu sei que sou boa, mas posso apostar que essa sua cara de tacho aí é porque você tentou falar com a Cristina e o celular dela tá desligado pela enésima vez. Acertei?
-Em cheio, Giovanna. Não sei porque ela faz isso.
-Porque ela é ocupada e independente. Não se esqueça que ela tem uma clínica pra tocar.
-Bem que você gosta dessa ideia, não é?
-Claro! Melhor assim do que ser uma pessoa grudenta, tou mentindo?
-Isso é verdade. Bem, mas eu já me distraí demais por hoje. Qual vai ser a pauta da reunião?
-Presta atenção: a Glória acha que a revista anda caindo muito nas vendas e isso anda prejudicando a Natural High.
-Mas gente, como que as vendas da revista respingam na agência de modelos?
-A verdade é que desde que a Mônica saiu do quadro oficial a coisa anda complicada...
Os dois seguem conversando. CORTA A CENA.
CENA 8: Maurício chega em casa e encontra sua mãe Elisabete com os olhos inchados de chorar.
-Ih, dona Elisabete... de novo essa coisa de ficar se martirizando pelo pai?
-Maurício, meu filho... como você não consegue ver que eu sofro com isso?
-Eu vejo que você sofre, mãe. Só não entendo porque insiste em sofrer. Não era mais fácil simplesmente ter aceitado quando o pai falou em divórcio?
-Não, de jeito nenhum, Maurício! O que vai ser de nós sem ele?
-A mesma coisa. Mãe... o pai não é o centro dessa família. Eu amo vocês, mas vocês não são felizes juntos.
-Não entendo esses tempos atuais. Como pode um filho não querer que os pais fiquem juntos?
-Porque nenhum dos dois está feliz. E eu e você sabemos que ele ama a Arlete. Deixa ele ser feliz, mãe! Se permita ser feliz, por favor!
-Eu só posso ser feliz com o Fábio, meu filho.
-Há quanto tempo você não é feliz, mãe?
-Perdi a conta. Tem tanto tempo...
-E você ainda acredita na salvação desse casamento? Mãe... o casamento de vocês acabou quando eu ainda era uma criança. Só você que não vê isso.
-Não sei se quero acreditar nesse fim. Não sei se consigo viver sem ter seu pai por perto.
-Porra, mãe! Porra!
-Não fale palavrão! Com quem cê aprendeu isso?
-De ouvir as discussões homéricas que vocês tinham e ainda tem. Sabe aquele velho ditado de “faça o que digo, não faça o que faço?”. Na prática não funciona. Mas estamos falando sobre você, não sobre mim. Melhor dizendo: você e o pai. É pela sua felicidade e pela felicidade dele que você tem que deixar ele ser feliz com quem ele ama. E você precisa ser feliz por si mesma. Porra, mãe! Será que você não enxerga isso? Quantos anos você tem? Quarenta e quatro ou catorze? Sério mesmo que um filho tem que falar tudo isso pra uma mãe que não conseguiu ter o mínimo de inteligência emocional por toda uma vida?
Elisabete começa a chorar, desconsolada.
-Mãe... desculpa. Não falei pra te ferir nem pra ofender. Falei porque me preocupo.
-O duro é saber que você tem razão em tudo, Maurício. Mas não sei reagir, filho.
-Então procura ajuda... mas não desista de si mesma!
Os dois se abraçam, emocionados. CORTA A CENA.
CENA 9: Cristina está em sua sala na clínica quando ouve a porta se abrir. Pensando se tratar de Gustavo, começa a falar, olhando para o computador.
-Gustavo, que bom que você veio... tou precisando de umas...
-Não é Gustavo.
Cristina percebe se tratar de Vitório e fica perplexa, levantando-se imediatamente.
-Não vai falar nada?
-Vou sim. Mas antes preciso tirar algo de dentro de mim. Algo que guardei desde que você me abandonou sem dar notícia.
Cristina tá um tapa em Vitório.
-Eu sei. Mereci esse tapa. Agora posso falar?
-O que você veio fazer aqui depois desse tempo todo? Resolveu voltar pro Brasil de surpresa pra ver o tamanho do estrago que você fez? Esperava me encontrar como? Derrotada, pra baixo, esperando feito uma tonta pelo noivo que sumiu sem dar notícias? Não, meu querido. A vida seguiu. Eu vou me casar, sabia?
-Fiquei sabendo.
-Você anda bem informado, pelo menos. Sinal de que fez tudo isso de caso pensado. Agora me faz um favor: vá embora daqui e suma da minha vida. Agora!
-Eu não vou enquanto você não me ouvir.
-Ouvir? Ouvir pra que? Pra você me inventar qualquer mentira pra justificar esse seu sumiço lá na Itália e esperar que eu acredite? Você pensou em mim quando não voltou antes do natal em 2013? Você tem noção que foram quase três anos sem saber nem se você continuava vivo? E agora me aparece com essa cara lavada dizendo que quer conversar. É muita falta de noção... ou será que é falta de caráter? Quem é você, Vitório?
-Eu sou o mesmo. O mesmo que sempre te amou, que namorou com você desde a adolescência.
-Não. Eu não sei quem você é. E saia daqui. Saia antes que eu chame a segurança!
Vitório sai e Cristina fica abalada.
-Meu Deus... tanto tempo! Calma, Cristina... tá tudo sob controle.
Cristina tenta se concentrar no trabalho. CORTA A CENA.
CENA 10: Nicole conversa com Daniella e Daniella percebe preocupação da mãe.
-Impressão minha ou você não tira da cabeça aquela história do vestido de noiva?
-Pode me chamar de boba, filha... eu mereço. Mas desde que Hugo viu sua irmã vestida de noiva, uma coisa ruim ficou aqui no meu peito.
-Não será autossugestão, mãe?
-Deus queira que seja, Daniella... mas acho que conheço muito bem essa sensação.
-E o que é?
-Um pressentimento ruim. Mau presságio, sabe como é...
-Nossa, mãe. Que sombrio, isso...
-Você diz isso pra mim? Estou apavorada, minha filha! Que Deus me perdoe pelo que vou dizer, mas andei pensando até que a Cristina pode tomar uma decisão burra.
-Como assim? Logo a Cris, mãe? Duvido muito. Tá pra nascer mulher mais ajuizada que ela.
-Será mesmo, filha? Às vezes fico com a impressão que você, com toda a sua espontaneidade, tem a cabeça muito mais no lugar.
-Ei, corta esse papo, mãe! Nada de alimentar esse tipo descabido de comparação. Acho que não vale a pena você sofrer por antecedência, antes mesmo do casamento da Cris. O que tiver de ser, será. E se não for, a gente vê o que faz. Ou, se for o caso, não faz nada.
-Queria ter essa visão prática das coisas, Daniella.
-É simples, mãe. Basta deixar de se importar tanto com o que pensam ou dizem.
-Te amo muito, sabia?
-Claro que eu sabia. Afinal de contas eu sou uma estrela brilhante de mais pura e cintilante luz!
-Besta!
As duas se abraçam. CORTA A CENA.
CENA 11: Ao fechar a clínica e após Gustavo ir embora, Cristina se depara com Vitório no estacionamento, levando um choque.
-Que susto, Vitório! Não acredito que você ficou esse tempo todo por aqui.
-Fiquei sim. Precisamos conversar.
-Você devia ter ido embora mais cedo quando te mandei sair de perto de mim. Não temos nada o que conversar.
-Temos sim.
-Quer sair da minha frente? Estou exausta e quero chegar em casa logo para poder dormir.
-Pode passar, madame.
Vitório segue Cristina até o carro.
-Qual foi a parte de “quero ir embora que estou exausta” que você não entendeu?
-Precisamos conversar, Cristina. Querendo você ou não, temos muitas contas a acertar.
-Você tem. Eu não tenho.
-Não é o que parece. A sua respiração tá ofegante. Seus olhos marejando, se segurando pra não chorar. Você não quer admitir, mas ficou abalada ao me rever.
-Estar abalada não significa necessariamente o que você pensa.
-Deixa eu entrar nesse carro. Não vou demorar.
Cristina destranca a porta.
-Seja rápido e objetivo. Tenho pressa de sair daqui sem você.
-Eu tenho uma proposta a fazer. Eu sei que você ainda me ama. Vejo no seu olho. Não é só raiva que tem aí. Eu quero que você fuja comigo e largue essa ideia de casar com Hugo.
Cristina se choca. FIM DO CAPÍTULO 3.
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